1 – OBAMA SOBE
Não há como não se deixar contaminar pelo espanto e pela admiração. Pelos padrões ocidentais, a posse de um negro na Presidência da nação mais poderosa do planeta apenas 150 anos após a abolição da escravidão naquele país é realmente um evento histórico de proporções épicas – algo que fará desta terça-feira (20), quando Barak Obama jurar sobre a Bíblia de Abraham Lincoln defender e cumprir as leis dos Estados Unidos da América, uma data referencial do século e do milênio que se iniciam. Ainda mais se considerarmos que, quando o afro-descendente que vai ser empossado presidente agora nasceu, nem votar os negros do sul do país podiam.
Repare bem o leitor: além de Obama ser negro, ainda tem ‘Hussein’ como nome do meio num período em que seu país mantém ocupado militarmente um país árabe e conserva no topo da lista dos inimigos mais perigosos um mulçumano chamado Osama. Filho de um queniano e nascido em Honolulu, no Havaí, ele era o único senador negro na atual legislatura e o terceiro de toda a história dos Estados Unidos. Definitivamente, não é qualquer coisa. O nosso espanto nesta terça-feira só não será maior porque o fenômeno nos foi apresentado em doses homeopáticas.
Primeiro se soube que havia um negro querendo obter a inscrição para postular a indicação do Partido Democrata para disputar a candidatura da agremiação à Presidência da República. Obtida a licença, todos puderam acompanhar a disputa dentro do partido (primárias), inicialmente entre ele e os também senadores John Edwards e Hillary Clinton. Depois a queda de braço inimaginável há poucos anos entre uma mulher e um negro pela candidatura democrata. Finalmente a disputa entre um branco republicano – o herói de guerra e também senador John McCain – e o afro-americano que terminou ganhando a eleição.
Quer dizer, quando Barak Hussein Obama, negro e com um nome que remete às raízes genuinamente islâmicas, estiver sendo empossado Presidente dos EUA já estaremos mais ou menos familiarizados com a idéia.
2 – PRETO E BRANCO
Ademais, Barack é branco para muitos negros, negro para muitos brancos, ou "um negro que não assusta os brancos", na expressão mais ou menos cínica de uma pá de comentaristas políticos que disse não ser surpresa tão grande assim a eleição de Obama. O que não deixará de ser frustrante é que, afora uma ou outra atitude novidadeira, por mais negro e progressista que possa ser, uma vez empossado, não vai poder agir assim muito diferente do seu antecessor, por mais que retrógrado, conservador e desastrado que possa ter sido George Bush. Ser presidente do EUA é estar comprometido até o talo com tudo que os EUA são – uma potência imperial com interesses a preservar pelo mundo inteiro.
Aliás, com ou sem crise, a supremacia que os EUA manifestam, hoje, com larga vantagem, nos níveis militar, econômico, monetário, tecnológico e cultural não é comparável, em termos de poder e influência, a nenhuma outra conhecida na história.
De fato. Nenhuma outra superpotência do passado teve a capacidade de superar amplamente as suas rivais em todos e cada um dos fatores que representam poder, entre os quais território geopoliticamente privilegiado, população, economia, finanças, instrumental militar, industrialização, ciência e tecnologia avançadas e, não menos importante, projeção mundial de sua imagem.
Circunstâncias em que, quem quer que esteja no comando de um troço desses, vai ter que agir de modo a deixar claro que nenhum outro país tem o direito de fazer frente à potência americana. Segundo essa lógica, já que os EUA são hegemônicos no campo econômico e militar, eles têm poder imperial e assim devem agir. Exatamente como todos os impérios no passado agiram. Usando da força, impondo sua vontade. Estamos, assim, diante de um povo que se viu alçado a uma situação de poder aparentemente incontrastável. Foi por esse povo que Obama foi eleito. Quer dizer, em que pese o poder dos EUA se espraiar pelo mundo inteiro, só os americanos é que votam para eleger seu presidente.
3 – MAIS DO MESMO
Desse modo, como se pode depreender, a estrutura política dos EUA corresponde exatamente à sua dominação na escala mundial. Significa que Barak Obama vai governar e dirigir os EUA da mesma maneira que estes exercem sua hegemonia sobre o resto do planeta (no extremo, poder-se-ia até arriscar a comparação segundo a qual a hegemonia da potência mundial dos EUA está tal qual a imagem do privilégio absoluto da espécie humana sobre todas as outras espécies animais).
Portanto, na essência, não existe nenhum motivo para imaginar que Obama vá ser uma alternativa diversa de seus antecessores, mormente os recentes. Ainda mais porque nos EUA, em decorrência dessa condição de nação hegemônica, o poder é uma configuração virtual que metaboliza em proveito próprio qualquer novidade. Cada eleitor da nação norte-americana poderia até ser, numa abstração superlativa, proveniente de outro lugar. Poderia até se constituir de algo absolutamente inesperado que isso não modificaria em nada a estrutura opaca do império - é como um corpo que trocaria suas células sem deixar de ser o mesmo.
Os EUA poderão se tornar negros, indianos, hispânicos, porto-riquenhos, ou o escambau que não deixarão de ser os EUA. Das antigas hegemonias, a mais duradoura foi a do Império Romano - cerca de sete séculos. Estudos acadêmicos referentes à estimativa da duração da atual hegemonia ianque, na síntese, indicam que os EUA têm condições de manter o atual poderio por longo período.
E a nação imperial será mais autêntica quanto menos fundamento tiver (se é que ela jamais teve algum, pois até mesmo os Pais Fundadores tinham vindo de outros lugares). E tanto mais imperialista quanto mais for dirigida pelos descendentes de escravos. Assim são as coisas. Essa é a lógica sutil e implacável do poder e não pode ser mudada por uma eleição – quando muito, por uma revolução - talvez. Por fim, convém não perder de vista que, não obstante ser negro, Obama vai morar na e governar da Casa “Branca”.