SILVIO SANTOS: Em artigo, Serpa Amaral homenageia o amigo 'O Amo de Boi que Amou a Vida!'

"Quem se distancia também bate continência para a saudade que cresce e floresce, e a saudade é sem-vergonha"

 SILVIO SANTOS: Em artigo, Serpa Amaral homenageia o amigo 'O Amo de Boi que Amou a Vida!'

Foto: Divulgação

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Foi-se embora para eternidade, nesta madrugada, por volta das 4h da manhã, o jornalista, folclorista e compositor Sílvio Santos, vitimado pela Covid-19.  Depois de lutar pela vida durante duas semanas, Zé Katraca sumiu como por encanto de alma penada, como se a morte fosse um sequestro inevitável! Todavia, o balanço da vida é do tipo puxa-encolhe. 
 
Quem se distancia também bate continência para a saudade que cresce e floresce, e a saudade é sem-vergonha: finge que esquece mas fica de olho grudado no rastro da pessoa sorrateiramente fugitiva e desertora! Tem jeito não! A amizade é cega, onde bate aprega! Sílvio vai sempre merecer o carinho, a admiração e o respeito de todos pelo conjunto da obra que construiu durante os muitos anos de profícua militância cultural em várias frentes! 
 
 
O Cara de Paca, como popularmente o chamavam, fora um sujeito esperto desde muito novo! Ele não era porto-velhense! Era um boto tucuxi do grande Madeira abaixo, menino nascido e criado sem cueca no distrito de São Carlos! Cansado da pachorra perene na qual ficava mirando o rio Madeira correr manso e em arcadismo sem graça frente ao seu mundo provinciano, ele pegou uma barcaça beradeira e se mandou para os altos do caudaloso rio, fincando âncora cabralina nas barrancas do porto, velho porto, que mais tarde virou Porto Velho, sua terra amada!
 
 
Talvez tomando uma dose de cachaça Cocal ali pelo beira-rio, foi a partir dessa angular existencial que ele começou a perceber todo rico processo de transformações econômica e social, que, em vez canoas, fez surgir chatas, navios cargueiros de alto calado, enquanto o trem apitava levando carga no plano inclinado. Mameluco intuitivo e irrequieto, logo percebeu que, para se dá bem na vida da capital do Território Federal de Rondônia, era preciso inventar coisa que não existe. E assim partiu para suas primeiras investidas, trabalhando como engraxate e depois foi pau pra toda obra no jornal Alto Madeira, onde começou a aprender as manhas do jornalismo, convivendo na aba de Euro Tourinho, João Tavares, Velho Boy e toda equipe. Depois saltou pra dentro da Rádio Caiari, onde também trabalhou.
 
 
Abrindo as portas do mundo cultural com talento, autenticidade e muita intuição, Sílvio Santos se embrenhou nos currais de boi-bumbá (Boi Corre Campo, o Gigante Sagrado), blocos de carnaval (Banda do Vai Quem Quer e Galo da Meia Noite, para quem fez marchinhas de carnaval), festivais de música (fez com Bainha a música Odoiá Bahia, vencedora do Primeiro Festival de Música Popular Brasileira de Rondônia – Fempobro), Escolas de Samba e várias outras manifestações da cultura popular. Muito ligado à professora Marise Castiel, sua escola do coração era a Pobres do Caiari, adversária ferrenha da escola Diplomatas do Samba, de Bola Sete, Bainha, Babá e Cabeleira. Antes de parar de beber, Sílvio tomou todas que tinha direito e foi um grande frequentador da Taba do Cacique, do grande Carmênio Barroso! Excelente tocador de tantã de repique, esteve no nascimento da Fina Flor do Samba, no Mercado Cultural, com Ernesto Melo, seu grande amigo! Registre-se também nos anais a composição do samba-enredo Ceará de Iracema, para a Escola de Samba Pobres do Caiari, belíssima peça musical do carnaval de rua de Porto Velho! Sandro Bacelar a defendeu na avenida!
 
 
Carne e unha do Manelão da Banda do Vai Quem Quer, dele recebeu o apelido de Zé Katraca com o qual passou a assinar a coluna cultural Lenha na Fogueira, do jornal Diário da Amazônia. Lá ele fazia uma salada mista de notícias, fofocas, opinião, denúncias e reportagens. 
 
 
Como sempre teve militância em inúmeras frentes de atividade artístico-culturais, Sílvio Santos desempenhava vários papéis no mundo das artes. Porém, o figurino de Amo de Boi do Boi Corre Campo, do bairro do Areal, de Castro Alves e Branca, talvez fosse seu papel predileto, onde ele reinava soberano e pomposo como se fosse Alexandre, o Grande, comandando um exército de guerreiros idealista, sonhadores e ávidos por novas conquistas!
 
 
Só que no exército lúdico e lendário do Amo Sílvio Santos só havia uma morte, a morte do boi, que mesmo assim ressuscitava no final do auto folclórico, para alegria do Amo, de Pai Francisco, Catirina, Cazumbá, da barreira de índios e dos vaqueiros! O espírito de Sílvio Santos renascerá a cada nova edição da Flor do Maracujá, a cada toque do tambor da marujada, a cada saída da Banda do Vai Quem Quer, do Galo da Meia Noite, Pobres do Caiari, Asfaltão, Armário Grande, Pirarucu do Madeira, Acadêmicos da Zona Leste, São João Batista, Diplomatas do Samba, porque, por amor a esses furdunços que vêm de dentro do coração do povo e que engalanam a vida com alegria e graça, ele partilhou um pedacinho da sua alma de menino de São Carlos em cada vaso desse colorido jardim de poesia, cores e emoções! 
 
 
Sílvio Santos foi um Amo de Boi que amou a boiada toda, portanto, amou a Vida!!!
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