O filme é o primeiro longa-metragem produzido pela Folha de S.Paulo
Foto: REUTERS
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"Junho - O Mês que Abalou o Brasil" é um documentário que não acabou. E a cada grande acontecimento nacional ele se torna outra coisa.
"Foi assim com a Copa, as eleições de 2014, o impeachment, ou melhor, o golpe, e agora às vésperas de uma eleição em que Bolsonaro é protagonista", afirma João Wainer, diretor do longa."Tudo o que ocorre hoje muda o significado do filme, pois se a origem não está ali, ao menos explodiu ali", completou Wainer em debate que seguiu à sessão do longa na última quarta-feira (29), na Cinemateca Brasileira.
O evento marcou o encerramento do terceiro módulo do Ciclo de Cinema e Psicanálise, cujo tema foi o mal-estar na civilização e o poder.
Primeiro longa-metragem produzido pela Folha de S.Paulo, "Junho" reúne imagens captadas nas ruas e depoimentos de ativistas, jornalistas e intelectuais para retratar as manifestações populares de 2013. O documentário percorre o período que vai dos primeiros dias de protestos contra o aumento da tarifa do transporte público em São Paulo até o momento em que a revolta ganha proporções nacionais.
Um dos grandes méritos do filme, na opinião da psicanalista Leda Hermmann, que também participou do debate, é o fato de não apresentar uma conclusão fechada a respeito do que foi aquele fenômeno.
"Assim como a psicanálise, o filme assume a função de retirar véus que cobrem a realidade, pois permite que o espectador pense e chegue, ou não, às suas próprias conclusões".
Wainer confirmou que o intuito do documentário era justamente oferecer uma sequência descritiva dos acontecimentos. "Até porque não havia, e até hoje não há, uma interpretação consensual a respeito do que foi e do que significou tudo aquilo."
O cinema, para o diretor, deve transmitir uma sensação que toque o espectador de alguma maneira. E não uma conclusão pronta. "Não gosto de documentários unilaterais. Assisti alguns sobre veganismo com a intenção de deixar de comer carne. Mas de tanto falarem que carne é uma merda, fiquei com raiva."
REDES SOCIAIS, VIOLÊNCIA E PESSIMISMO
Leda aproveitou a discussão feita no filme sobre a importância das redes sociais para as manifestações para refletir a respeito desse novo modo de comunicação.
Ela lembrou que o incremento da velocidade da informação trazido pela internet, segundo o psicanalista Fábio Herrmann, teria afastado o homem da experiência concreta desse mundo. "Na medida em que o mundo chega por informações, como o ovo na caixinha, ele se distancia do seu homem", disse.
O advento das redes sociais teriam, então, outras implicações. Para além da velocidade, a comunicação agora se daria de forma direta e imediata, sem qualquer intermediação. O ponto de reflexão entre o sujeito e o objeto, outrora desempenhado pela imprensa, teria desaparecido.
E as redes sociais tiveram, para Leda, papel crucial na ampliação e na repercussão das manifestações.
Com convocatórias desprovidas de mediação e com retornos imediatos, ampliou-se "a capacidade do movimento atingir o poder político instituído, que teve de recuar".Outro tema abordado pelo documentário é o papel da violência como causa e consequência das mobilizações. Em resposta a pergunta da plateia, Wainer argumentou que "tudo o que aconteceu em junho foi resultado da violência".
O encadeamento de acontecimentos sugerido pelo diretor começa com a ação black bloc do dia 11 e passa pela reação violenta dos veículos de comunicação que criminalizaram os protestos e atiçaram a polícia, "que então desceu a porrada nos manifestantes no dia 13". A partir disso, a mobilização ganhou outra dimensão.
Wainer ponderou, contudo, que a realidade brasileira é muito mais violenta do que foi junho. E embora as balas na periferia não sejam de borracha e a atual situação do país seja pior do que a observada naquele momento, "as pessoas deixaram de se mobilizar, deixaram de ir para as ruas". O êxtase registrado nas palavras de ativistas e intelectuais com a potência revelada no início daquelas mobilizações, aliás, deixou lugar a uma certa melancolia.
Questionado sobre o que aconteceu com aquele otimismo, Wainer disse que ele começou a morrer no mesmo mês de junho.
"Depois da revogação do aumento, as manifestações se tornaram muito difusas. Havia de tudo na rua, neonazistas, fascistas... Quando a direita se apropriou da pauta, muita gente ficou com medo."
Responsável por mediar o debate, a psicanalista Luciana Saddi afirmou que o filme expressa todas as tensões presentes naqueles instantes. "Ficamos angustiados porque o Brasil mudou e não mudou, ficamos preocupados e, como no filme, não há solução à vista." Com informações da Folhapress.
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