É comum no fim do ano (bem como nas festas juninas e em outras festividades): enquanto os fogos de artifício colorem e iluminam os céus com brilhos vermelhos azuis e roxos, cachorrinhos esganam o latido, gatos correm apavorados; idosos tapam os ouvidos e pessoas no espectro autista escondem a cabeça debaixo dos travesseiros tentando fugir da barulheira.
É comprovado cientificamente que o estampido dos fogos de artifício faz com que grupos (humanos ou não) sensíveis ao barulho agonizem. Este fato fez com que a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado aprovasse na última quarta-feira (30) o Projeto de Lei 5/2022, que proíbe a fabricação, o armazenamento, a comercialização e o uso de fogos de artifício que emitam sons acima de 70 decibeis.
O autor do PL, o senador Randolfe Rodrigues (PT-AP), argumentou que fogos de artifício barulhentos prejudicam a saúde de crianças, idosos e pessoas com deficiência. “Destaca-se o impacto negativo junto às pessoas com Transtorno do Espectro Autista (TEA), que possuem uma hipersensibilidade sensorial ao barulho provocado por esses artefatos”. O texto, que agora seguirá para votação na Câmara dos Deputados, também cita a dignidade dos animais.
O tema, que é pautado enquanto a política de um modo geral põe em foco o TEA e o bem estar animal, também é debatido em Rondônia. Em setembro de 2023, um ano antes da aprovação do PL , o governador Marcos Rocha (UB) sancionou a Lei nº 5.623 - que é ainda mais rígida que o projeto aprovado pelo Senado, por proibir a utilização de quaisquer tipos de fogos de artifício e artefatos pirotécnicos com estampido, sem levar em consideração uma contagem de decibeis.
Ismael Crispin, deputado estadual de Rondônia pelo MDB, foi autor do projeto. Apesar das regulamentações, o uso de fogos com estampido ainda é comum. A lei prevê penalidades severas para os infratores, incluindo a apreensão dos produtos e a aplicação de multas, que serão dobradas em caso de reincidência, mas tem como maior gargalo uma fiscalização (municipal, estadual e federal) capenga.
Transformar educando
A falta de fiscalização - e também uma vontade fugaz pela mudança - motivou o professor e pedagogo Francisco Lima, do Colégio Marcelo Cândido, a promover uma campanha de conscientização acerca das mazelas e dos perigos envolvendo fogos de artifício.
“No ano passado, uma criança me pediu ajuda para elaborar e executar uma campanha de arrecadação de tampinhas de garrafa, para ajudar crianças com câncer. A iniciativa teve uma aceitação expressiva e decidimos continuar com essa movimentação”, relatou Francisco ao Rondoniaovivo. “O nosso objetivo agora é, sabendo da ineficácia da fiscalização [sobre o uso de fogos de artifício com estampido], promover a mudança educando as crianças”, continuou.
“É um hábito mundial, mas é muito caro para idosos, recém nascidos, pessoas autistas. Conscientizando as crianças agora, sobre os perigos e os efeitos dos fogos, elas repetem os ensinamentos”, pontuou o pedagogo. “Os alunos, nessa idade, são muito puros. Eles repetem mesmo. [...] Presenciei certa vez uma aluna contado para a mãe que a prática [do uso de fogos] além de perigosa, era ilegal, que podia gerar multa - e a mãe realmente ouviu”.
Francisco criticou fortemente a falta de fiscalização sobre o uso de fogos com estampido. Contou ao jornal que, durante e depois das eleições municipais deste ano, o uso era indiscriminado pela capital. “Os candidatos, à época da eleição, assinaram termos de compromisso prometendo que não iriam utilizar [os fogos]”.
No final de outubro, ainda antes do segundo turno, prefeituráveis e outras lideranças políticas firmaram um compromisso com o Ministério Público do Estado de Rondônia para eliminar o uso de fogos de artifício com estampidos. O acordo estipulava uma multa de R$ 100 mil aos responsáveis pela barulheira. “Mesmo assim, era possível ouvir a barulheira [dos fogos] em várias comemorações”.
Como denunciar
Procurado pelo Rondoniaovivo, o Governo do Estado de Rondônia não respondeu aos questionamentos enviados pela reportagem em relação à fiscalização sobre o uso de fogos barulhentos.
A Prefeitura de Porto Velho, por meio da Superintendência Municipal de Comunicação (SMC), informou ao jornal que, no âmbito municipal, a fiscalização fica a cargo do Batalhão Ambiental.
Para denunciar, a população pode ligar para o número 193, que é o telefone do Corpo de Bombeiros.
Além disso, em casos de maus-tratos a animais relacionados ao uso de fogos, a Secretaria Municipal de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (Sema) e a Delegacia Especializada em Repressão a Crimes Contra o Meio Ambiente (DERCCMA) também estão envolvidas no patrulhamento relacionado a estas questões.