OPERAÇÃO STIGMA - Condenações somadas ultrapassam 100 anos de prisão
Foto: Divulgação
Receba todas as notícias gratuitamente no WhatsApp do Rondoniaovivo.com.
O inquérito policial que condenou várias pessoas ligadas a um esquema de corrupção na prefeitura de Vilhena foi aberto em junho de 2015 e terminou no último domingo, 24 de julho de 2016. A operação Stigma sacudiu a administração Rover, levou homens de confiança do prefeito à cadeia e abalou uma possível sucessão do grupo no executivo municipal.
Stigma foi o nome dado à maior operação da Polícia Federal ligada à política na história do município. Comandada pelo delegado Flori Cordeiro de Miranda Junior, a operação começou com a delação premiada de um ex-servidor que foi “abandonado” pela administração e ofereceu delação premiada com apoio do vice-prefeito da cidade.
Segundo o Ministério Público Federal (MPF), entre os anos de 2012 e 2015, uma organização criminosa agia em um esquema de desvio de recursos públicos vinculados ao Sistema Único de Saúde (SUS), através da Secretaria Municipal de Saúde (Semusa), por meio de requisições para a realização de serviços mecânicos e aquisição de peças de veículos automotores superfaturadas, bem como pela emissão de notas fiscais frias.
No decorrer das investigações surgiram desdobramentos da operação e várias outras ações policiais foram desenvolvidas, outras ainda estão em andamento.
Como tudo ocorreu
A organização criminosa recebia a propina do empresário Jair José de Souza, proprietário da empresa Tend Tudo Acessórios e Estofamento para Caminhões. A empresa era contratada pela secretaria de saúde para manutenção dos veículos oficiais. Do valor do contrato, Jair retornava aos membros da organização 10% dos valores recebidos da própria prefeitura logo que estes eram depositados na conta da Tend-Tudo. As investigações apontaram que o desvio não ocorria só na pasta da Saúde, mas que ela era o principal alvo dos criminosos por contar com o apoio do titular da pasta, Vivaldo Carneiro.
As denúncias à Polícia Federal (PF) partiram de Gilmar Gonçalves, ex-servidor amparado pelo vice-prefeito Jacier dias. Gil – como é conhecido – firmou um acordo de delação premiada com a autoridade policial e comunicou os crimes que sabia existir no setor onde era chefe. Ele cuidava dos transportes da secretaria. Em uma mensagem de texto enviada ao ex-secretário Gustavo Valmórbida, Gilmar ameaça “jogar a merda do ventilador” porque já estaria há quatro meses fora do cargo. Não respondido pelo secretário, Gilmar decide ir à PF e é aí que a operação se inicia.
Em uma terça-feira, 10 de junho de 2015, o vice-prefeito convoca membros da imprensa para uma coletiva. Na manhã do dia 10 ele revela o rompimento com o prefeito Zé Rover, alegando que sempre foi “um zero à esquerda na administração” e que só teria servido de “enfeite”. Jacier arrancou a placa de seu gabinete e prometeu fazer oposição. Anunciou também que iria denunciar esquemas de corrupção existentes nas pastas da prefeitura. Os rumores da população de que a ruptura não resultaria em nada e que só evidenciava interesses políticos do “vice de brinquedo” eram engano: a bomba explodiu dias depois. Uma escuta da PF revela um diálogo entre Gustavo e Bruno preocupados com a coletiva de Jacier.
No dia 7 de julho de 2015, os carros da PF tomaram as avenidas de Vilhena. A movimentação intensa dos agentes levantou várias suspeitas. Logo no dia 10 de julho, exatamente um mês depois do rompimento de Jacier, a Polícia Federal fez a primeira investida e apreendeu documentos na empresa Tend-Tudo Acessórios. No mesmo dia, o dono da empresa, Jair José de Souza foi levado para a Delegacia de Polícia Federal (DPF) e logo cedeu, fazendo um acordo de delação premiada. Jair detalhou o esquema de corrupção e o pagamento de propinas, tudo ocorria por baixo dos panos. Ligados à administração perdiam o sono e temiam avanços da PF a partir do depoimento do empresário.
A segunda investida da PF foi no dia 04 de agosto, no escritório de contabilidade do pai de Gustavo Valmórbida, segundo homem da administração, primo do prefeito e até então pré-candidato ao executivo municipal. O sonho de permanecer quatro anos comandando o município ia por água abaixo aos poucos. No mesmo dia, a PF foi até a Projetus Engenharia, empresa responsável por grande parte das obras executadas no município.
No dia 07 de agosto veio o primeiro mandado de prisão da Stigma. Nicolau Junior de Souza, motorista do chefe de gabinete Bruno Pietrobon, foi surpreendido pela PF no início da manhã e preso preventivamente para que não atrapalhasse as investigações. Ele atuava como uma espécie de office boy na organização criminosa. Nicolau recebia os valores na Tend-Tudo Acessórios e repassava aos “cabeças” do grupo.
Todos esperavam um posicionamento do prefeito e no dia 13 de agosto de 2015 ele resolveu falar. Em coletiva de imprensa ele afirmou que confiava em cada um dos seus secretários e que era “apenas investigação e não haviam provas”, contrariando o que a Polícia Federal já apresentava.
Apenas dois dias depois de Zé Rover declarar apoio e confiança aos homens que integravam o primeiro escalão de sua administração, dois deles foram presos: Gustavo Valmórbida e Bruno Pietrobon. Além da dupla, foi preso também o advogado Carlos Pietrobon. O trio era suspeito de coagir testemunhas.
Já encurralado e tentando escapar das garras da Federal, Vivaldo pressionou Clair Oliveira, secretário adjunto da Saúde, para que confeccionasse um documento falso que seria mais tarde percebido pela PF. Confirmado pelo próprio Clair posteriormente, resultou na prisão de Vivaldo, que foi para as grades na noite do dia 21 de agosto de 2015.
Paralelo ao caso Tend-Tudo, Luis Serafim, ex-secretário de Comunicação, confessou à PF que desviou mais de R$ 300 mil de um contrato de mídia que teria forjado, sendo que o dono da empresa contratada já estava morto há mais de um ano. O comunicador disse também que teria gasto todo o dinheiro em viagens, passagens e festas. Serafim foi preso no dia 4 de setembro e condenado a mais de 76 anos de prisão. Hoje o ex-secretário responde em liberdade a condenação.
Há mais de três anos existia o esquema de superfaturamento e serviços não realizados entre a prefeitura e a Tend-Tudo. Haviam peças que eram cobradas nas notas frias com o valor quase dobrado, informação confirmada em um rascunho apreendido pelos agentes federais na mesa do proprietário da empresa. Eram 10% para administração para que Jair pudesse receber os outros 90% firmados em contrato. Jair disse que era cobrada a propina logo que o dinheiro caía na conta da empresa. Uma dessas cobranças foi grampeada pela PF através de escuta telefônica, quando Vivaldo tentava falar em código com o empresário.
Além disso, uma empresa do norte do Paraná – a Elotech – também entrou na investigação pois depositava propina na conta da Tend-Tudo Acessórios para ser repassada aos membros da organização criminosa.
O carro que o vice-prefeito Jacier Dias utilizava era um dos que haviam recebido peças superfaturadas. Quando descobriu, Jacier apoiou o servidor Gilmar, que já havia sido exonerado. “Gil” concretizou a denúncia no dia 06 de junho de 2015 e deu origem à operação Stigma. O carro passou por uma perícia, onde foi constatado que nenhuma das peças requisitadas havia sido trocada. O carro de Jacier, um Fiat Pálio, foi o estopim da explosão da Federal. Ficou confirmado pela polícia que o vice-prefeito não fazia parte dos esquemas.
Diante de todos os indícios, o delegado Flori Cordeiro de Miranda Junior encaminhou ao legislativo vilhenense um dossiê para que fosse aberta uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI). Deu certo! A CPI foi instaurada e foi eleito membro da CPI o vereador Vanderlei Graebin, que minutos antes da seção tinha visitado Gustavo Valmórbida na cadeia. Parecia absurdo, mas só estava começando. Graebin foi para Brasília e foi flagrado com Rover, o prefeito que seria por ele investigado e que foi seu padrinho na candidatura a deputado em 2014. Como previsto, a CPI foi arquivada pelos vereadores.
Flori Cordeiro de Miranda Junior foi considerado o delegado justiceiro e conseguiu em poucos dias mostrar a força da Polícia Federal e a imparcialidade nas investigações. Além disso, o bom moço foi elogiado pela imprensa pelo apoio que prestou à divulgação de cada etapa. Flori foi transferido para a Organização de Combate ao Crime em Porto Velho e deixou Vilhena, mas afirmou que isso não atrapalharia a investigação, e estava certo! Retornou ao município em outras fases e desencadeou outras grandes operações no Estado.
No dia 15 de setembro de 2015, o procurador da república, Daniel Azevedo Lôbo, encaminhou ao Juiz Federal Rafael Ângelo Slomp o inquérito 073/2015 concluído, com todas as materialidades e provas dos crimes efetuados pela organização criminosa que tirou mais de meio milhão de reais dos cofres públicos através da Tend-Tudo. O procurador pedia a condenação de nove indiciados.
A palavra Stigma no português é estigma e significa cicatriz. Apesar de o caso Tend-Tudo estar encerrado e elucidado, outras feridas foram abertas e as polícias Federal e Civil descobriram outros esquemas de corrupção que estão sendo investigados. A operação Tríade, por exemplo, foi desencadeada a partir de indícios encontrados na Stigma.
O juiz Rafael Ângelo Slomp designou várias oitivas no decorrer dos meses, acelerou o processo e coletou depoimentos dos acusados e das testemunhas. A sentença foi proferida no dia 24 de julho de 2016. Todos os réus se defenderam das respectivas acusações. A defesa de Carlos Pietrobon chegou a alegar suspeição do juízo, incompetência da Justiça Federal e nulidade do inquérito, pedidos indeferidos na sentença.
Gustavo Valmórbida – Somando-se as penas às quais recebeu pelos vários crimes cometidos, o ex-secretário está condenado a 27 anos, dois meses e 20 dias de reclusão e deve cumprir a pena em regime inicialmente fechado e multa.
Bruno Pietrobon – 26 anos, 11 meses, e 20 dias de reclusão e multa. Regime inicialmente fechado.
Vivaldo Carneiro – o ex-secretário de saúde foi o que recebeu a pena mais alta dos réus da Stigma, totalizando 29 anos, 10 meses, e 20 dias de reclusão. Além disso, Vivaldo perdeu o cargo público concursado que ocupava. O regime inicial é fechado.
Clair Oliveira Cunha – a pena total foi de oito anos, sete meses e 15 dias de reclusão e multa. Regime inicialmente fechado. Condenado pela falsidade ideológica, Clair foi absolvido na acusação de integração na organização criminosa, sendo que assinou papeis por ordens da chefia do grupo.
Armando Ximenes – o réu ocupou o mesmo cargo que Gilmar, de chefe de transportes da Saúde e recebeu pena de cinco anos de reclusão e multa.
Nicolau Junior de Souza – sendo o elo da organização criminosa, Nicolau já passou alguns meses na cadeia pública de Vilhena e foi condenado a 11 anos e seis meses de reclusão em regime inicialmente fechado e multa.
Jair José de Souza – o empresário foi condenado a três anos e seis meses de reclusão. Ele recebeu o benefício de redução de dois terços da pena que poderia ultrapassar 10 anos. Jair prestará serviços à comunidade na área da saúde e pagará 20 salários mínimos para entidade beneficente, mas não ficará preso.
Carlos Eduardo Pietrobon – O advogado foi absolvido por não haver provas o suficiente para incriminá-lo, já que o denunciante voltou o depoimento e negou que ele teria o ameaçado.
Gilmar Gonçalves – Recebeu perdão judicial por colaborar com as investigações e ser “peça fundamental” nas descobertas da polícia.
Todos os acusados recorrerão em liberdade, já que o TRF impossibilitou o juiz de prendê-los, liberando HC’s às vésperas do julgamento. O juiz determinou o leilão de uma caminhonete Ford Ranger que era do réu Gustavo Valmórbida, mas tal veículo será utilizado pela Polícia Federal até ser leiloado. O empresário que denunciou a coação e posteriormente negou o depoimento pode ser investigado pela Polícia Federal por falso testemunho.
Aos leitores, ler com atenção
Este site acompanha casos policiais. Todos os conduzidos são tratados como suspeitos e é presumida sua inocência até que se prove o contrário. Recomenda-se ao leitor critério ao analisar as reportagens.
* O resultado da enquete não tem caráter científico, é apenas uma pesquisa de opinião pública!