O arsênio inorgânico que parece ter saído de um romance criminal de Agatha Christie. Sem cor, cheiro nem sabor, a substância é altamente tóxica e passou despercebida em muitos assassinatos na Idade Média e no Renascimento. Por isso, ficou conhecido como o “rei dos venenos”.
É um velho conhecido da humanidade: a descrição mais antiga de sua toxicidade pode ser encontrada em um trecho do Papiro Ebers, um dos mais antigos documentos sobre medicina já encontrados, datado de 1.550 a.C.
Mas o arsênio não é um vilão por si só: o elemento químico ocorre naturalmente na crosta terrestre e é identificado pelo símbolo "As" e número atômico 33. Apesar de lembrado por seus riscos, o arsênio tem diversas aplicações na indústria e na agricultura; pode estar na sua mão agora mesmo. Ele é utilizado para a produção de semicondutores (como o arseneto de gálio) presentes em dispositivos eletrônicos.
No passado, também foi usado em pesticidas e medicamentos, mas seu uso foi restrito devido aos riscos à saúde. Isso porque alguns isótopos, especialmente os arsenitos, são muito mais tóxicos do que outros.
O arsênio no corpo humano
Em grandes quantidades, o arsênio interfere em processos celulares e bloqueia mais de 200 enzimas essenciais para o funcionamento do metabolismo, prejudicando principalmente fígado, rins e sistema nervoso. Nesses casos, a coisa começa parecida com uma intoxicação alimentar, com dor abdominal, náusea, vômito e diarreia em poucas horas.
Logo começa uma diarreia com sangue que pode levar a desidratação grave e hemorragia. O coração e o sistema nervoso também podem ser afetados, causando distúrbios nos ritmos cardíacos, insuficiência cardíaca, confusão, convulsões, inchaço cerebral, coma e morte. Se a dose for muito alta e aplicada de uma vez só, é fatal.
Foi o que ocorreu com uma família do Rio Grande do Sul (RS) que virou notícia no final de 2024. Depois de consumir um bolo cuja farinha estava contaminada com arsênio, cinco pessoas foram envenenadas - três faleceram, uma está internada e a última, uma criança, já recebeu alta.
Um dos pacientes que faleceu tinha um nível de arsênio acima de 12 mil ppb (partes por milhão). Segundo a Organização Mundial da Saúde, o nível máximo saudável deve ser de apenas 10 ppb, ou 0,1 microgramas por litro. A informação é de Marguet Mittman, diretora do Instituto-Geral de Perícias do RS, em entrevista ao g1.
Mas a intoxicação também pode acontecer lentamente, no caso de exposições crônicas, e causar uma condição chamada arsenicismo crônico. Estima-se que mais de 200 milhões de pessoas no mundo estão expostas a níveis acima dos seguros de arsênio, principalmente por meio de fontes de água contaminadas.
A contaminação do solo e dos lençóis freáticos pode ocorrer naturalmente ou ser provocada por mineração e agricultura. O caso é mais grave em Bangladesh, onde o elemento aflora do solo sedimentar. Somada com a pobreza, que dificulta o acesso à água potável e tratamento médico adequado, a exposição ao arsênio é responsável por uma a cada 16 mortes no país.
Locais de risco
Um conjunto de razões geológicas, hidrológicas e químicas fazem com que as águas com maior concentração de arsênio sejam encontradas em deltas de rios. No Brasil, o delta do rio Paraíba do Sul, no norte do Rio de Janeiro, é um destaque da concentração natural do elemento.
Após cinco anos de exposição ao arsênio na água e em alimentos, as pessoas desenvolvem lesões de pele com diferenças na pigmentação, problemas cardiovasculares, diarreia, dor abdominal, dormência nas extremidades do corpo e vários cânceres, como de pele, de bexiga e de pulmão.
A intoxicação por arsênio não tem antídoto específico, e o tratamento consiste principalmente na reidratação intensa e na limpeza do sistema digestivo. Alguns tratamentos podem usar compostos complexos que produzem um efeito quelato, que se une aos metais na corrente sanguínea e os remove. A hemodiálise também pode ser utilizada para evitar a falência renal.