Parece eleição fora de época em Rondônia e em especial na sua capital Porto Velho. Mas a eleição no caso pretende ser de opção única, a favor das Usinas no Madeira. O Prefeito Municipal Roberto Sobrinho foi o primeiro a anunciar a meta de 50 mil assinaturas, depois foi o Governador Ivo Cassol a prometer 200 mil assinaturas favoráveis, os dois mandatários em disputa por cacife político junto ao empreendimento. A disputa não é nova, o que impressiona é o grau de articulação entre o setor privado e o setor público em torno dos pretensos benefícios imediatos das obras: os royalties e fornecimento de material e o suprimento de serviços.
Os métodos para se chegar à demonstração de “apoio popular” ao Projeto do Madeira são conhecidos no Estado. De um lado é o abuso de poder econômico por parte das empresas vinculadas à Fiero, Fecomércio, Sinicon, Sinduscon e outras associações que estão compelindo seus funcionários, fornecedores e clientes a registrar o apoio às Usinas. Materiais de campanha em abundância, centenas de cabos eleitorais de ocasião fazendo “pit stops” no trânsito, rádios FM e AM com vinhetas, jingles, flashes associando de forma incondicional empregos e Usinas, Faculdades particulares expondo seus alunos à propaganda compulsória antes de qualquer discussão técnica isenta.
De outro lado é o uso da máquina pública para arrebanhar apoio forçado, criando canais prévios com o Projeto a fim de capturar futuras clientelas. A Prefeitura de Porto Velho em conjunto com o Governo Federal está oferecendo capacitação gratuita “para atender à demanda de mão-de-obra para a construção das usinas hidrelétricas de Santo Antônio e Jirau, no Rio Madeira”, como diz o informe do Ministério do Trabalho. Trata-se do “Plano Setorial de Qualificação (Planseq) Hidrelétrica”. Como as Usinas sequer alcançaram a Licença Prévia, a antecipação desse processo de qualificação direcionado constitui uma forma de pressão indevida sobre o processo de licenciamento no interior do próprio Governo. O Ministro do Trabalho, Carlos Luppi não podia ser menos explícito: “A qualificação do trabalhador não tem nada a ver com a licença. Tem a ver com uma necessidade futura. Se não tiver a licença, aquele trabalhador pode ficar qualificado e não ter emprego, isso é muito ruim. Mas eu espero que tudo acabe se organizando”. São cerca de 70 cursos para 3 mil pessoas, contando com R$ 1,3 milhão do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT). Somam-se ainda a essa parceria futurista a Federação do Comércio (Fecomércio-RO), a CUT-RO, o SENAI e o SENAC. Naturalmente a assinatura do abaixo-assinado pró-usinas faz parte do ato da inscrição dos candidatos a candidatos a uma vaga nas eventuais obras.
Os programas sociais do Governo Federal, Fome zero, Bolsa-família e benefícios pontuais nas comunidades ribeirinhas, executados pela Prefeitura, também estão sendo condicionados ao apoio às Usinas e à coleta de assinaturas. O Governo do Estado, por sua vez, não querendo ficar atrás determinou que suas secretarias dediquem o esforço que for necessário para se chegar às 200 mil assinaturas até o fim do mês de maio, para serem remetidas à Brasília. Pontos de atendimento ao público dos órgãos estaduais foram municiados e os funcionários, além de obrigados a assinar, foram também instruídos a fazer assinar. Cassol escalou a Casa Civil e a Secretaria de Finanças, responsáveis pelos repasses de verbas, para centralizarem o processo de coleta de assinaturas. Até mesmo as Escolas estaduais estão sendo coagidas. O Governador e seu vice em visitas pessoais a estabelecimentos de ensino da capital e do interior do Estado, estão impondo aos professores da rede pública uma cota mínima de assinaturas. Alguns professores por sua vez estão repassando a “tarefa de casa” aos alunos que recebem pontuação de acordo com o número de assinaturas obtidas.
Representantes do Fórum Popular do Madeira, que reúne organizações como o MAB, MST e ANDES, em reunião realizada na manhã do dia 22 de maio, no Auditório da UNIR-CENTRO, avaliaram que está se constituindo uma “ditadura pró-usinas” que procura manter a população de Rondônia refém do empreendimento. “O Estado está assumindo o papel do empreendedor. O povo é a favor do emprego – não da barragem.” , avaliou Wesley Lopes da coordenação do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB). As comunidades ribeirinhas a montante não tem motivos para acreditar que sua vida pode melhorar com as obras. Presente à reunião, o representante da comunidade da Cachoeira de Santo Antônio, conhecido como “"Zé Riqueta” disse que “se Rondônia está assim desse jeito não é por falta de energia, de hidrelétrica, é por falta de administrador sério e honesto.”
É preciso lembrar que o funcionamento das instituições locais está seriamente comprometido por esquemas de corrupção. A Policia Federal efetuou em 2006 a chamada “Operação Dominó” procurando desbaratar uma rede criminosa voltada para o desvio de dinheiro público que envolvia a Assembléia Legislativa, o Tribunal de Contas, o Governo Estadual e o Tribunal de Justiça. Apesar da prisão inicial das 23 autoridades envolvidas, as investigações e os inquéritos foram sendo setorizados, e o esquema simplesmente mudou de foco. Será nessa estrutura política viciada que se pretende inserir um projeto, que somado à Linha de Transmissão e às eclusas, pode chegar ao montante de 43 bilhões de reais. Nesse cenário, não haveria como pôr em prática as políticas públicas de que o projeto em tese necessitaria para gerir impactos e repercussões de toda ordem. “Ninguém está pensando na Amazônia como um todo. Esse clima de imposição que se instaurou na cidade é extremamente maléfico e agressivo e, em função dele, podemos sofrer retaliações.”, alertou Luis Leite da Associação dos Amigos da Madeira-Mamoré durante a reunião.
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