O Rio Jamari foi único acesso ao transporte aos seringais e garimpos desta região.
*Rio limpo no meio da mata. Um risco que serpenteava na floresta. Águas enganosas, ora mansas e bravas. Silenciosas e iradas. Liquidas e espumosas. Transparentes, verdes, azuis, barrentas.
*Na década de 70 o rio começou a sofrer. Eu mesmo vi gente matando peixe com bomba. Ela explodia lá no fundo. O estouro. Daí a pouco os peixes de todos os tamanhos flutuavam. Maioria de pequenos descia as águas no velório só de mortos.
*O Jamari conhece o Estado de Rondônia. Ele vem de longe. A nascente é no pé dos lajedos da Serra dos Pacaás Novos. O altiplano rondoniense que a marca a transição da Amazônia e o Centro Oeste. Até ali é floresta de transição. Depois a savana alta, que parece cerrado. Orquídeas raríssimas, leguminosas gigantes iguais as dos Andes. Moitas de tabocas, vegetação arbustivas, um capão de mato ralo.
*Resplandecem os paredões de pedra musgosa da serra. O macaco aranha é único do mundo a subir e morar nas gretas. O gavião real vigia o silêncio de tudo. Voa majestoso com seus dois metros de asas, de ponta a ponta. O Olho imenso. No meio das nuvens vê uma cutia, fecha-se em si e se transforma num míssil. Impossível se defender. A presa é atada em segundos pelas unhas de garras finas.
*Borbotoa a água da pedra em jorros cristalinos. O filete rasga a terra e desce. Vai-se engrossando com a solidariedade de outros. Sente o gosto dos diversos minérios da região. Serve-se ao despejo das folhas, tronco que caem e da diversidade de cocos e frutas. Hospeda os bichos e aves. As frutinhas abundantes servem de ração aos peixes.
*E a luta dos peixes? O instinto maluco da reprodução. Insistem inconsequentemente em subir pedras, vencer corredeiras, para bem longe desovar para acontecer o milagre da continuidade da vida. E assim é feito e a natureza se encarrega de dar rumos e destinos aos alevinos.
*Em 1988 fui candidato a Prefeito pela primeira vez. Gravei alguns programas para o meu horário eleitoral sobre a preservação do Jamari. Assumi compromissos públicos para a sua preservação. Não encantei ninguém. O momento era outro. Nada de preservar. Valia o único desejo – desmatar, avançar rapidamente no espaço e no tempo, para garantir a posse, criar, plantar, tirar a madeira e bem rápido queimar, nada convencia do contrário. Não tive o menor ibope.
*Os onze pesqueiros naturais que existiam – não existem mais. O Rio assoreado, bancos de areias onde não havia. Em certas épocas atravessa-se-o a vau. Os peixes não teimam mais em vencer as pedras. Escassearam por falta de comida. As frutinhas não caem na água porque não existem árvores nas suas margens. As dragas puxam a areia dia e noite. Desnorteia o rio.
*Esta é uma bacia hidrográfica importante. Há estudos profundos de suas águas feitos pelo Banco Mundial no Programa Pólo Noroeste. Toda esta trama de igarapés, rios e grotas têm uma razão de existir. São os espaços naturais de acolhimento das águas de todas as estações.
*Nem tudo está perdido. Em boa hora poderemos iniciar um belo trabalho ambiental. O de resgatar o orgulho dos mortos, a memória do silêncio, as ausências sentidas de todos os tempos, daqueles viveram por aqui e não fizeram nada de mal ao Rio Jamari – os seringueiros, os índios, os garimpeiros, os gateiros, caucheiros, coureiros e a equipe de Rondon.
*Agora, viemos nós, poderosos e pós-modernos, cheios de razões, contemporâneos, sabidos e defensores de uma nova ordem, de uma nova economia para todas as coisas, para mais tarde com a cara de tacho, tentar recuperar, a duras penas o Jamari-Tietê, Jamari-Sinos, o Jamari-Sena, o Jamari-Tâmisa, o Jamari-Potomac.
*Viram dias atrás, o Rio dos Sinos no Rio Grande do Sul toneladas de peixes mortos colorindo de prata as águas imundas de um rio perdido?
*
VEJA TAMBÉM:
*
ARTIGO – Três anos sem Teobaldo – Por: Antonio Queiroz
*
ARTIGO - Onde vamos parar? - Por: Edwaldo Viecili