Localizado próximo às manifestações bolsonaristas ao lado da sede do Exército Brasileiro em Belo Horizonte, o ambulante Rafael Junio afirmou que, pelo local em que está, as camisas da Seleção são compradas com objetivos políticos. Mas que já observa pessoas de esquerda adquirindo a vestimenta também.
Ele afirmou que as pessoas que não vão às manifestações compram camisas de outras cores. No entanto, Rafael ressalta que não concorda com essa divisão. “Eu acho isso fanatismo equivocado, porque é uma camisa que representa a instituição futebolística, que é a CBF, a paixão do brasileiro. Mas atribuir uma camisa da sua pátria a um lado político, acho muito errado”, pontuou.
Gerente de uma loja de materiais esportivos no Centro de Belo Horizonte, Silvia Letícia afirmou que tem perdido vendas quando as camisas azuis, brancas ou pretas da Seleção brasileira não estão no estoque. Ela ressaltou que esse comportamento de não levar as camisas verde-amarelo ocorre muito entre as mulheres.
“É associado [com política], querendo ou não, principalmente a feminina. A masculina também tem, mas a feminina tem mais, por conta desse verde-amarelo do presidente, muita gente não compra. Já tive perda de venda por causa disso”, afirmou. A gerente afirmou ainda que tem trabalhado para encher a loja com mais camisas de outras cores para não perder vendas. E que antes de Lula ganhar a eleição, as pessoas procuravam a loja por causa de política, mas que após o segundo turno, a maioria é pela Copa do Mundo.
“A azul é muito pedida, sai muito. A preta sai bastante também. A branca com gola azul costuma sair muito também, vários modelos assim costumam sair, não só a verde-amarelo, justamente por causa disso, da política”, completou.
Ditadura militar explorou símbolo canarinho
A camisa da Seleção Brasileira já foi usada com finalidade política em outros momentos da história do Brasil. O general Emílio Garrastazu Médici assumiu a Presidência da República em 1969, durante a ditadura militar, e usou a camisa da Seleção para fazer propaganda do seu governo durante a Copa do Mundo de 1970. O historiador especialista em história contemporânea Cledison Pereira conta que Médici era apaixonado por futebol e aproveitou para interferir nas decisões relacionadas à Seleção Brasileira.
“A Copa do Mundo de 1970, que hoje é lembrada, talvez, por ter a maior Seleção de todos os tempos, tanto que foi tricampeã, foi utilizada pelo governo Médici como propaganda do seu governo. Primeiro porque Médici era grande fã de futebol, um grande fã da Seleção Brasileira, então ele não perdeu tempo em colocar o dedo militar presidencial na própria Seleção. Primeiro ele tira o [treinador] comunista João Saldanha para colocar alguém de sua confiança, que era o Mário Jorge Lobo Zagallo”, lembrou.
“A Seleção é campeã, dando um show de futebol, a camisa do Brasil passa a ser popularizada com os jogos sendo transmitidos praticamente no mundo inteiro. Isso deu ao governo Médici a chance de fazer uma propaganda positiva do próprio governo. Porque no início dos anos 70, o Brasil está vivendo o milagre econômico brasileiro. Era um Brasil que ia para a frente economicamente, segundo os teóricos daquele governo”, explicou.
“O jingle de campanha de popularização do futebol daquela Copa era: ‘90 milhões em ação, pra frente Brasil, do meu coração, salve a Seleção’. Isso não é só futebol. É a divulgação de uma ideologia de que o Brasil é um país que economicamente está indo para a frente e as pessoas esquecem que tem gente morrendo pela oposição ao governo militar. Então usa-se a Seleção Brasileira, a camisa da Seleção, para propagar um governo de extrema-direita, para propagar uma ditadura”, completou.
Reinaldo e a resistência democrática
Mas o professor lembra que a camisa também foi usada por outros espectros políticos. Um dos exemplos é quando Reinaldo Lima, ex-atacante da Seleção Brasileira, que jogou a Copa do Mundo na Argentina, em 1978, comemorava os gols do Brasil com os punhos cerrados para cima, contra a ditadura militar que ainda era parte do país.
“Ao contrário, a oposição também se fez presente. Na Copa seguinte, em 1978, na Argentina, um jogador chamado Reinaldo, que era do Atlético Mineiro, e intenso oposicionista do governo, participante do movimento negro, comemorava seus gols fazendo o gesto do movimento negro, com o punho cerrado. Isso é utilizar também a camisa da Seleção Brasileira para divulgar uma ideologia política”, afirmou.
Para os tempos atuais, o professor titular de sociologia da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) Jorge Alexandre Neves afirmou que a onda verde-amarelo exclusivamente bolsonarista vai passar.
“Houve um uso, desde 2013, que até antecede um pouco a ascensão de Bolsonaro e do bolsonarismo ao poder, muito grande dos símbolos nacionais e com ele o da camisa da Seleção Brasileira, que é um símbolo historicamente importante do Brasil pelo peso que o futebol tem no país. E a Copa do Mundo, a nossa participação, o sucesso relativo do Brasil como um dos grandes do futebol mundial. Então, há essa associação muito forte. Agora, não quer dizer que isso vá perdurar. O próprio presidente eleito, Lula, apelou para que as pessoas usem [a camisa da Seleção Brasileira], para que esses símbolos nacionais deixem de ser associados apenas a essa extrema-direita”, disse.