Ciente de que a aula estava sendo gravada, Bandeira chega a afastar o microfone do rosto antes de relatar a prática de tortura, com a pretensão de que somente os alunos ouvissem o relato. Ao final do vídeo, o agente rodoviário diz se tratar de uma brincadeira e afirma não ter feito isso, pois sofreria procedimentos disciplinares.
Quando perguntado sobre o caso de Sergipe, Bandeira disse não poder se manifestar, em nome da PRF, sobre o assassinato de Genivaldo de Jesus por colegas de corporação. O policial também não comentou a semelhança entre os métodos aplicados pelos agentes e os ensinados por ele aos seus alunos no curso preparatório.
"A gente, na sala de aula, traz casos para fazer o aluno entender, de tal forma que o aluno traga o exemplo fictício para a vida real. A gente usa esses exemplos elucidativos em uma turma de carreira policial, que infelizmente pode se deparar com essas situações dessas, que não devem ser praticadas e que ele pode ser responsabilizado por isso", disse.
Com 20,9 mil seguidores no Facebook e outros 13,4 mil no Instagram, Bandeira se comporta como celebridade e foca em produzir conteúdos motivacionais que levem o público das suas redes sociais a se inscrever nos cursos preparatórios oferecidos por ele para aprovação nos concursos da PRF.
O pacote com as aulas é vendido por R$ 899 em um site com o nome do agente, que também é o dono da RBCarreiras. Ao Estadão, ele descreveu a empresa como "um curso preparatório para concursos públicos voltados para carreiras policiais".
No Youtube, Bandeira publica vídeos em dois canais: o RB Carreiras Policiais, com 56,3 mil inscritos, e o Embaixador do CTB, com apenas 75 inscrições. O primeiro canal é utilizado para publicar conteúdos selecionados dos cursos preparatórios, com publicações que abarcam desde aulas de língua portuguesa até a análise da proposta do presidente Jair Bolsonaro (PL) de reestruturação da PRF. "Eu tento trazer educação e conhecimento para o público em geral", disse ao Estadão.
Na conta de menor alcance, que conta com apenas dois vídeos, Bandeira fez uma publicação intitulada "Como é ser um PRF?", com explicações sobre a vida de policial rodoviário. Em tom informal, o agente come pão com mortadela e entretém o público com comentários sobre sua dieta, o uso confesso de anabolizantes com acompanhamento médico, a rotina na instituição e os motivos para não consumir bebidas alcoólicas.
"Eu queria um trabalho mais ameno, que eu tenha autonomia, tempo livre para fazer outras coisas que eu queria e que tenha um salário razoável, então optei pela Polícia Rodoviária Federal. E também porque eu amo, sempre tive esse sangue policial", disse Bandeira no vídeo.
Bandeira explica ter se dedicado à carreira de policial rodoviário porque, na época em que prestou o concurso, a corporação oferecia salários mais atrativos do que as Forças Armadas. Às 300 pessoas que assistiram ao vídeo, o agente disse amar o que faz, mas também faz críticas sutis à PRF, como o desejo que a instituição aumentasse o efetivo.
Procurado pela reportagem, o Ministério da Justiça e Segurança Pública disse que a avaliação do comportamento do agente é responsabilidade da Polícia Rodoviária Federal. A Corporação não respondeu ao contato do jornal até a publicação deste texto.