O livro-reportagem Rota 66, a história da polícia que mata, do excelente jornalista investigativo Caco Barcellos, que mergulha fundo nos meandros da crueldade e da violência da polícia militar de São Paulo. A obra lançada e 1992 se tornou um clássico do gênero e seu impacto perdura, pois conta histórias verdadeiras de vítimas violentamente assassinadas por policiais da Rota - Ronda Ostensiva Tobias de Aguiar. O livro pode ser antigo, mas o tema é atual, pois todos os dias os jornais noticiam a morte de muitos inocentes nas mãos de policiais.
Li o livro há 20 anos e o reli no final do ano passado e cada página o sentimento continua o mesmo da primeira vez. A certeza da impunidade protege e incentiva tais ações realizadas por uma minoria, pois a PM conta com homens realmente fiéis ao juramento feito ao entrar para a corporação e às leis. As histórias narradas trazem crimes cometidos pelas mesmas pessoas, cujos métodos se repetem ou pouco variam.
O caso principal conhecido por Rota 66, dá nome ao livro. Trata-se da perseguição e assassinato brutal de três jovens, de classe média-alta, na década de 1970, no bairro nobre do Jardins. Os garotos, Francisco Noronha, 17 anos, Augusto Junqueira, 19 anos, e Pancho, de 21, frequentavam o clube Pinheiros e outros lugares da burguesia paulista, o que os diferencia do alvo da polícia. A morte dos três jovens ganhou repercussão, no entanto, os mesmos policiais continuaram assassinando aqueles que julgavam ser marginais.
Barcellos mergulha também em outras trágicas histórias de pessoas massacradas pelos policiais da Rota, cuja prática era matar e mudar o cenário do crime, inclusive levando os corpos crivados de balas para os hospitais para simular que as vítimas chegavam ainda vivas. Se os médicos questionavam imediatamente eram ameaçados. "Lugar de feridos é no hospital", diziam. Era uma forma de se isentar da responsabilidade.
A narrativa do livro é direta e chocante. Mesmo depois de 30 anos do lançamento da obra que já passa da 18a edição, a realidade não mudou e até piorou. As histórias contadas pelo repórter continuam acontecendo. Pessoas inocentes ainda são vítimas dos mesmos algozes, ou seja, policiais extremamente violentos e despreparados e adeptos da máxima "atiro primeiro e pergunto depois".
A pesquisa de décadas feita pelo autor traz uma constatação aterradora. Ele conseguiu identificar nada menos que 4.200 pessoas mortas pela PM. De 1992 para cá este número certamente subiu e muito. Muitas histórias faltam ser contadas, mas o medo de também virar estatística fala mais alto.
Livro adaptado no formato de minissérie
Baseado na obra de Caco Barcellos, Rota 66: A Polícia Que Mata acompanha o jornalista, vivido por Humberto Carrão, durante investigações sobre a atuação da Rota 66, esquadrão de elite da Polícia Militar, trazendo a público diversos crimes cometidos pelas autoridades. Recém chegado em São Paulo, o repórter decide escrever uma matéria sobre violência policial e descobre rapidamente que a situação nas periferias era ainda pior do que imaginava.
A trama gira em torno do período entre a década de 1970 e 1990 em que a PM mais matou civis nas periferias de São Paulo, cometendo atrocidades contra a população mais pobre. Enquanto adentra esse sombrio mundo, Caco descobre a verdadeira atuação da polícia longe da visão do público. E através de entrevistas com a família de vítimas da PM, o jornalista consegue compreender o quão profundamente racista é o procedimento da Rota 66 nas ruas e denunciar o caos vivido pelos moradores das comunidades de São Paulo.
O livro é exatamente, porém a adaptação dividiu as opiniões da crítica e público. Mas a produção merece uma conferida. Já o livro continua atual e uma leitura que impressiona, choca e traz reflexões. Considero o melhor trabalho de Caco Barcelos como escritor. Seu texto é objetivo, direto, preciso e informativo, fruto de sua experiência como dos mais atuantes jornalistas investigativos do Brasil.