Governo de RO exige taxa ilegal de autistas para obterem documento de identidade

Receba todas as notícias gratuitamente no WhatsApp do Rondoniaovivo.com.​

 

Sim, o texto é uma síntese suficientemente compreensiva para o problema. Bastaria o título. Nenhuma outra palavra seria necessária.

 

E é a grotesca e violenta realidade. É medida de discriminação institucional e parte das estruturas perversas que sedimentam a exclusão.

 

As famílias ou a própria pessoa autista que adolescente ou adulta que buscam fazer a identidade com a explicitação de ser Carteira de Identificação da Pessoa com Transtorno do Espectro Autista encontram mais essa barreira, de ordem econômico-financeira.

 

Importante relembrar que as pessoas autistas e suas famílias passam por um processo incontornável de pauperização: são empobrecidas pelos custos e despesas com terapias multiprofissionais, consultas médicas e, por muitas vezes, aquisição de fármacos de uso continuado. Há uma evidente redução da qualidade de vida familiar com gastos intermináveis.

 

O valor cobrado no Estado de Rondônia é de R$ 153,72 para a obtenção da carteira, valor que, obviamente, para muitas famílias, faz muita falta. O valor é cobrado, por vezes, a pretexto de “segunda via”. Ocorre que muitas crianças recebem o diagnóstico após terem a carteira de identidade, de modo que, para a inclusão da informação sobre o autismo, precisam pagar.

 

Ainda, por um canalhismo dos legisladores envolvidos, a Lei 13.977 obriga nova emissão de carteira a cada cinco anos, como se o autismo fosse “ser curado”. Mas não, os imbecis legisladores acharam conveniente obrigar as famílias e autistas a se submeterem a visitações periódicas aos órgãos públicos, munidos de novos laudos e pagarem novas consultas e novas taxas. Cúmulo da insensatez!

 

Outrossim, de toda forma, em Rondônia, autistas e suas famílias tem sido obrigado a pagar a referida taxa, que é nitidamente ilegal. É que outra lei assegura a gratuidade da taxa, seja para uma primeira ou segunda via:

 

Lei nº 9.265, de 12 de fevereiro de 1996 (Lei da Gratuidade dos Atos de Cidadania), "São gratuitos os atos necessários ao exercício da cidadania, assim considerados: VII - o requerimento e a emissão de documento de identificação específico, ou segunda via, para pessoa com transtorno do espectro autista".

 

O dispositivo é cristalino. O documento de identificação deve ser gratuito.

 

A ilegalidade na cobrança leva muitas crianças, adolescentes e adultos autistas a abdicarem de seu direito.

 

A um, que se dificulta mesmo a possibilidade do Poder Público de conhecer e produzir dados para a comunidade. A dois, se negam e dificultam outros direitos, da simplória prioridade em uma fila ao acesso de vacinação para vulneráveis.

 

Denega-se pouco a pouco, qualquer resíduo de cidadania e de dignidade. Descontruir as barreiras e possibilitar a acessibilidade, passa também por atos da Gestão Pública.

 

O corrente texto é uma denúncia. Eu acuso o Governo do Estado de Rondônia de criar inúmeras barreiras, de obstar a acessibilidade e a inclusão de pessoas com deficiência.

 

É, também, um desafio. Um desafio para que as pessoas da gestão possam buscar o diálogo, a compreensão e interlocução com as distintas forças sociais para efetivação de princípios constitucionais, cumprimento integral do Estatuto da Criança e do Adolescente, da Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência e demais normas, preceitos e boas práticas para as pessoas com deficiências.

 

Espera-se e exige-se muito das pessoas com deficiências e suas famílias, até mesmo uma desmedida carga de paciência. Pouco se fala do pacto social descumprido reiteradamente por agentes públicos.

 

É passada a hora de responsabilização de gestores que por acídia, ignorância ou preguiça descumprem os direitos humanos fundamentais, sobretudo dos grupos em hipervulnerabilidade, como crianças com deficiências. Este é o apelo às demais autoridades e órgãos de controle: derrubemos as barreiras que impedem a liberdade e a fruição de todos os direitos!

 

 

P.S.: Todo o exposto acaba por não abordar a luta interminável e hercúlea por um diagnóstico e laudo, praticamente impossíveis de serem obtidos na rede pública, até mesmo pela falta de fluxos claros e transparentes. O laudo, documento exigido a todo o tempo da família para postular qualquer direito, é dever do Poder Público de ser produzido. Outrossim, se transfere um pesado ônus à pessoa com deficiência que acaba inviabilizando direitos.

 

 

O autor é advogado e sociólogo. Doutor em Ciência Política (UFRGS). Professor da Universidade Federal de Rondônia. Foi integrante do Conselho Nacional de Direitos Humanos e do Comitê Nacional de Prevenção e Combate à Tortura, representando a Coordenação da Associação Nacional dos Centros de Defesa da Criança e do Adolescente (ANCED).

 

 

 

 

Vinícius Miguel - O autor é advogado e sociólogo. Doutor em Ciência Política (UFRGS). Professor da Universidade Federal de Rondônia.

 

 

 Referências

 

BRASIL. Lei 9.265, de 1996. Regulamenta o inciso LXXVII do art. 5º da Constituição, dispondo sobre a gratuidade dos atos necessários ao exercício da cidadania. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L9265.htm

 

BRASIL. Lei 12.764, de 2012.  Institui a Política Nacional de Proteção dos Direitos da Pessoa com Transtorno do Espectro Autista; e altera o § 3º do art. 98 da Lei nº 8.112, de 11 de dezembro de 1990. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2011-2014/2012/Lei/L12764.htm

 

BRASIL. Lei 13.146, de 2015. Institui a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (Estatuto da Pessoa com Deficiência).

 

Disponível em https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13146.htm

 

BRASIL. Lei 13.977, de 2020. Altera a Lei nº 12.764, de 27 de dezembro de 2012 (Lei Berenice Piana), e a Lei nº 9.265, de 12 de fevereiro de 1996, para instituir a Carteira de Identificação da Pessoa com Transtorno do Espectro Autista (Ciptea), e dá outras providências. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2020/lei/L13977.htm

 

RONDÔNIA. RG para pessoa com Transtorno do Espectro Autista – TEA. Governo do Estado de Rondônia. Disponível em https://rondonia.ro.gov.br/seas/programas-e-projetos/rg-para-pessoa-com-transtorno-do-espectro-autista-tea/

Direito ao esquecimento

A política de comentários em notícias do site da Rondoniaovivo.com valoriza os assinantes do jornal, que podem fazer comentários sobre todos os temas em todos os links.

Caso você já seja nosso assinante Clique aqui para fazer o login, para que você possa comentar em qualquer conteúdo. Se ainda não é nosso assinante Clique aqui e faça sua assinatura agora!

Rondoniaovivo quer saber: quantas vezes você, leitor de Porto Velho, acessa o jornal por dia?
Onde você pretende comemorar o Natal?

* O resultado da enquete não tem caráter científico, é apenas uma pesquisa de opinião pública!

MAIS NOTÍCIAS

Por Editoria

PRIMEIRA PÁGINA

CLASSIFICADOS veja mais

EMPREGOS

PUBLICAÇÕES LEGAIS

DESTAQUES EMPRESARIAIS

EVENTOS