CONTRASSENSO: Norte do país vira ‘puxadinho’ de Israel fora do Oriente Médio

Políticos evangélicos/cristãos aproveitam oportunidade para expressar apoio, mas judaísmo não vê Jesus como salvador/Messias; Primeiro-ministro recebeu até título de cidadão pela Assembleia Legislativa de RO

CONTRASSENSO: Norte do país vira ‘puxadinho’ de Israel fora do Oriente Médio

Foto: Divulgação/Governo de Rondônia

Na última semana, uma série de manifestações pró-Israel por lideranças políticas ligadas a igrejas evangélicas no Amazonas e em Rondônia, em meio ao mais novo conflito na Faixa de Gaza, revelou a consolidação de uma agenda conservadora associada à extrema-direita e ao bolsonarismo na Amazônia.

 

Em Porto Velho, uma bandeira de Israel foi colocada no prédio do governo estadual. Em Manaus, a Câmara Municipal da cidade mais parecia o parlamento israelense, com tantas bandeiras do estado judaico estendidas no plenário.

 

Em meio a uma das maiores crises climáticas já enfrentada pela Amazônia nas últimas décadas, bandeiras de Israel penduradas nas fachadas e nas tribunas das Casas Legislativas da região Norte, especialmente em Rondônia e no Amazonas, sinalizam que a classe política local está muito mais preocupada com a guerra no Oriente Médio, do que com a seca extrema responsável por deixar milhares de amazônidas sem acesso à água potável, comida e inalando um ar tóxico das queimadas que devasta a floresta.

 

Que os nobres representantes do povo não são nem um pouco dedicados à pauta ambiental isso já não nos é surpresa. O espantoso mesmo é ver a tentativa da extrema-direita de transformar (à força) a Amazônia num estado judaíco.

 

A veneração a Israel e os símbolos do judaísmo saíram dos templos religiosos neopentecostais e invadiram as sedes das instituições de Estado. Em tempos de mais um conflito entre israelenses e palestinos, parece ter havido até mesmo uma substituição dos símbolos nacionais do verde e amarelo. A bandeira deles, que jamais seria vermelha, agora tem listras azuis, um fundo branco e uma estrela de Davi ao centro.

 

Tal inversão de valores pátrios foi observada ao longo da semana passada nos ambientes políticos de Porto Velho e de Manaus. Na sede do governo de Rondônia (o Palácio Rio Madeira), uma enorme bandeira de Israel foi pendurada no topo do edifício. Durante a noite, iluminação especial nas cores azul e branca homenageava Israel.

 

O governador, o coronel aposentado da Polícia Militar Marcos Rocha (União), é um bolsonarista convicto – e ferrenho. Aliás, o estado de Rondônia é um dos mais fortes redutos do bolsonarismo e da extrema-direita no país.

 

As forças conservadoras do agronegócio e das igrejas evangélicas asseguram essa vitalidade. No segundo turno das eleições de 2022, o então presidente e candidato derrotado, Jair Bolsonaro (PL), obteve 70,66% dos votos em Rondônia.

 

Marcos Rocha não consultou seus eleitores, nem a minguada oposição, nem fez qualquer declaração a respeito dessa decisão inédita. Nunca seus antecessores hastearam ou colocaram, sozinha, em salões internos, a bandeira de qualquer país.

 

Outro exemplo da mistura de valores pessoais-religiosos com a gestão pública (cujos princípios básicos definido pela Constituição é o da impessoalidade), foi a concessão do título honorífico de cidadão rondoniense ao primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, “por relevantes serviços prestados” a Rondônia. Não se conhece até agora feito algum de Netanyahu em favor de um estado subnacional localizado na Amazônia brasileira. Mesmo assim, o presidente da Assembleia Legislativa (Alero), deputado Marcelo Cruz (MDB), assinou decreto legislativo concedendo-lhe o título.

 

O deputado Delegado Camargo (Rodrigo Camargo Ribeiro Pinho), do Republicanos, hasteou a bandeira de Israel em seu gabinete, e exibiu-a na tribuna do plenário. É um dos mais eufóricos defensores de Israel na ALE-RO. Os deputados aprovaram a homenagem e se esconderam.

 

Rodrigo Camargo coloca bandeira de Israel na tribuna do plenário da Alero, mas parece desconhecer história que envolve conflito e que judaísmo não reconhece Jesus como salvador - Foto: Divulgação/Alero

 

Exceção à regra, o deputado delegado Lucas (Lucas Torres Ribeiro), do Progressistas, foi o único a se manifestar oficialmente a respeito do título honorífico para Netanyahu. Ele explicou que, inicialmente, fora convidado a compor a Frente Parlamentar Brasil-Israel criada pela bancada federal em Brasília, a qual pretende contar com o apoio de deputados estaduais de todos os estados.

 

Segundo o parlamentar, a concessão do título ao primeiro-ministro israelense havia sido debatida na segunda quinzena de setembro, e redigido em 3 de outubro, “antes do início do conflito entre Israel e Hamas”. “Infelizmente, o protocolo do documento só ocorreu no dia nove de outubro, quando os bombardeios já tinham iniciado”, ele assinalou.

 

Delegado Lucas lamentou “profundamente as vítimas da guerra entre Israel e Hamas” e manifestou solidariedade com as pessoas “vítimas do conflito devastador”. Com isso, ele prometeu avaliar uma possibilidade jurídica de revogar a concessão do título.

 

Lucas Torres foi autor da proposta que homenageou primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu como Cidadão Honorário de Rondônia por "relevantes serviços prestados" - Foto: Divulgação

 

Vereadores de Manaus ou de Tel Aviv?

 

No Amazonas, a Câmara Municipal de Manaus (CMM) protagonizou cena semelhante ao aprovar Moção de Solidariedade ao povo israelense, para ser encaminhada às Embaixadas de Israel no Brasil, e à Cristã Internacional de Jerusalém, com sede na capital amazonense.

 

A proposição foi feita pelo vereador Marcel Alexandre (Avante), o mesmo que, em março, usou a tribuna para fazer discurso em defesa do deputado federal Nikolas Ferreira (PL-MG), que agrediu mulheres trans na Câmara Federal.

 

Pastor do MIR (Ministério Internacional da Restauração), Alexandre liderou uma manifestação pública no último dia 10, ao colocar a bandeira de Israel em frente à tribuna do plenário da CMM, gesto repetido por outros dezenove vereadores, que integram a Frente Parlamentar em Defesa da Vida e dos Valores Cristãos (Fepacri), ligada à igreja evangélica.

 

As bandeiras de Israel colocadas pelos vereadores deixavam em dúvida quem visse a cena: se seria aquilo um plenário de uma Câmara Municipal no Brasil ou a sede do parlamento israelense após os ataques terroristas do Hamas.

 

Câmara de Manaus pareceu ter se transformado em Casa Parlamentar em Tel-Aviv, capital de Israel - Foto: Mauro Pereira/CMM

 

Apesar de Lula ter sido o mais votado nas eleições de 2022 no Amazonas, na capital o campeão de votos foi Jair Bolsonaro. Na mais populosa cidade da região Norte, a extrema-direita mostra-se bastante consolidada.

 

O mesmo se repete no vizinho Acre. Apesar de não ter ocorrido manifestações públicas de apoio a Israel em repartições de estado, o Acre é outro forte reduto do bolsonarismo na Amazônia.

 

Nas eleições de 2018, Jair Bolsonaro obteve no estado a maior votação proporcional do país: 77,22%. O estado superou até mesmo Santa Catarina (75,92%); o estado sulista é apontado como o berço da extrema-direita; porém, o eleitorado acreano se mostra tão ou mais à direita – isso após 20 anos consecutivos de governos petistas.

 

Velho Testamento como referência – e não os Evangelhos

 

Para o cientista político Israel Souza, do Instituto Federal do Acre (IFAC), muitas são as razões para explicar a veneração pelo estado judaico por essas bandas do Brasil. Elas são distintas, mas convergem entre si.

 

Entre uma das principais está exatamente a consolidação das igrejas evangélicas como a maior força religiosa na região. E é dentro das igrejas onde se consolida um “conservadorismo” ligado às pautas da extrema-direita.

 

“Os grupos religiosos que aderem a essa idolatria são, geralmente, os neopentecostais. Como sabemos, são grupos entre conservadores e reacionários. Como a ênfase de sua(s) teologia(s) está no poder e na riqueza, eles se voltam mais fortemente para o Velho Testamento, e não para o Novo”, explica Souza, numa referência às duas divisões da Bíblia Sagrada, o livro sagrado do Cristianismo.

 

O Velho Testamento tem muito mais relações com a história e as tradições do povo judeu. Já o Novo Testamento é a base da religião Cristã, pois é onde estão os Evangelhos com a vida de Jesus Cristo, além das cartas escritas por seus apóstolos, classificadas como os fundamentos para a construção do Cristianismo.

 

“É no Velho Testamento que eles [neopentecostais] encontram o Deus que abraçou os judeus como o povo escolhido. Esse Deus é belicista, sectário e dogmático. Ou seja, é um Deus feito a sua imagem e semelhança. Alguns acham que isso seria ignorância teológica, já que o Deus do Novo Testamento (encarnado em Jesus) não se prende aos judeus e é tolerante, defensor da paz etc. Eu acho que não é ignorância nada. É pragmatismo”, define o cientista político.

 

“Do Novo Testamento, eles [neopentecostais] aderem a Jesus – aproveitando-se da força de sua figura e nome -, mas não a seus ensinamentos e práticas. A doutrina e a prática eles buscam (seletiva e convenientemente, vale frisar) no Velho Testamento. Assim, por uma leitura moral e política, eles se posicionam favoravelmente ao Estado de Israel, bem como a suas práticas racistas e genocidas. Pouco importa se Jesus ensinou outra coisa”.

 

Nos últimos dias, Israel vem sendo duramente criticado por parte da comunidade internacional por sua reação desproporcional aos ataques terroristas promovidos pelo Hamas dentro de seu território. Mais de mil cidadãos israelenses – incluindo mulheres, crianças e idosos – foram mortos de forma cruel, e tantos outros foram levados como reféns para Gaza.

 

Os intensos bombardeios à Faixa de Gaza têm deixado milhares de mortos do lado palestino, em especial crianças. Estima-se que ao menos 1.500 crianças palestinas tenham sido executadas pelos mísseis israelenses. Outras milhares de pessoas (incluindo estrangeiros) estão confinadas ao sul de Gaza, na fronteira com o Egito. O bloqueio de Israel impede a saída.

 

Com os bombardeios, a já precária infraestrutura de Gaza ficou ainda mais danificada. Não há mais acesso à água potável nem energia. Hospitais operam no limite do limite. Apenas neste sábado (21) uma pequena ajuda humanitária da ONU conseguiu chegar a Gaza.

 

“E aí entra, como deve ter ficado claro, o elemento político. A extrema-direita (bolsonarista), de filiação religiosa ou não, venera armas, a guerra, a morte, o racismo. A maneira como eles concebem e praticam a política é inseparável da guerra. Daí proporem o fuzilamento e o extermínio de seus adversários”, completa Souza.

 

Aqui vale lembrar que foi durante um comício da campanha de 2018, em Rio Branco, que Jair Bolsonaro “transformou” um tripé de câmera cinematográfica num fuzil e proferiu: “vamos fuzilar a petralhada aqui do Acre. Vamos botar esses picaretas para correr aqui do Acre”. A multidão foi ao delírio. Aquele era o último ano de governos do PT no estado. Desde então apenas políticos ligados à extrema direita passaram a vencer as eleições.

 

Extrema-direita sem fronteiras

 

“A relação entre essas manifestações locais de apoio ao Estado de Israel com questões religiosas de Israel é nenhuma. O que está posto é a reafirmação de laços políticos da transnacionalização do reacionarismo, isto é, a reiteração das perspectivas de representantes da extrema-direita em escala transnacional”, afirma o sociólogo Marcelo Seráfico, doutor em Sociologia pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (2009) e professor adjunto da Universidade Federal do Amazonas (UFAM).

 

Sobre a ligação com o protestantismo no Brasil, Seráfico classificou de “simulacro útil”. “O Estado de Israel não é representante do judaísmo ou expressão política de preceitos religiosos. O que está em causa, em meu juízo, são concepções de sociedade, economia e política profundamente autoritárias”, afirma Seráfico.

 

Ele continua: “O recurso à religião é um ardil oportuno ao qual se recorre quando se julga necessário combinar pretensões autoritárias, historicamente condicionadas, com pressupostos morais específicos que se pretende institucionalizar – e impor a toda a sociedade. Há nisso uma dialética da alienação: a política usa a religião para se legitimar, e a religião esconde a política para fazer valer interesses, com frequência, inconfessáveis”.

 

O sociólogo ponderou que alguns líderes religiosos ligados, principalmente, ao núcleo neopentecostal, tratam os fiéis e leigos como objetos. “Muitos, não todos, aceitam, por experimentarem situações de vida de extrema vulnerabilidade social e psicológica”.

 

Contraponto

 

O presidente do Comitê Israelita do Amazonas, Davi Vidal Israel, não vê paralelo entre as duas tragédias – a climática, na Amazônia, e a guerra, no Oriente Médio. Ele afirma que ambas não podem ser julgadas como “certo ou errado”. Ressalta, porém, que as duas questões, que mobilizam parlamentares no Norte, possuem apelos eleitorais.

 

“Ser contra um massacre não exclui o fato de ser contra o descaso em relação à seca. Ambas situações mexem com paixões. São sofrimentos completamente diferentes: em um dos casos, pessoas foram atacadas por terroristas e as imagens que circularam chocaram muito por representar a barbárie humana".

 

Por outro lado, "tem uma questão climática que exige um pouco mais de atenção do setor público e que sacrifica e faz sofrer toda uma população”, afirma. A exemplo de outras causas sociais que costuma apoiar, o Comitê mobiliza, atualmente, ajuda e recursos a serem enviados via Embaixada de Israel.

 

E dessa forma, com uma mistura irracional de valores e preceitos do judaísmo com a fé cristã. uma ala da igreja neopentecostal mais reacionária tenta transformar o Norte do Brasil quase num território hebraíco. Invertendo tanto os princípios do Cristianismo e de um patriotismo que eles afirmam tanto apoiar, ao substituir a bandeira do Brasil pela de Israel.

 

Não se nega a gravidade da guerra no Oriente Médio, cujos efeitos são sentidos em todo o mundo. Não é possível ficar apático às vítimas inocentes dos dois lados do conflito.

 

Porém, aqui na Amazônia, já temos as nossas próprias tragédias. Os homens e mulheres eleitos e pagos com dinheiro público deveriam centrar suas atenções para amenizar os problemas da população local.

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