A Assembleia Legislativa de Rondônia publicou, na última segunda-feira (16), em seu Diário Oficial, o Decreto Legislativo nº 2.403/2023, concedendo o título de cidadão honorário a Benjamin Netanyahu, primeiro ministro de Israel.
A proposta foi apresentada pelo deputado estadual Delegado Lucas Torres (PP). De acordo com o decreto, Netanyahu recebeu as honras pelos “relevantes serviços prestados ao Estado de Rondônia”.
O ofício foi publicado no X (antigo Twitter), pelo
perfil Eixo Político, e viralizou na rede social. Internautas de todo o país enxergaram a “honra” concedida pela ALE/RO como uma galhofa.
Publicações zombando da ação estapafúrdia dos deputados estaduais também ecoaram no Facebook, no Instagram e pelo aplicativo de mensagens WhatsApp. Rondônia virou chacota na internet por conta das ações do Legislativo.
Não é a primeira vez que a Assembleia comete uma gafe. Como
contou o
Rondoniaovivo, a ALE/RO criou e aprovou uma medalha de mérito com o nome de Olavo de Carvalho, influenciador digital brasileiro, caro ao ex-presidente Jair Bolsonaro, conhecido por teorias conspiratórias.
Além disso, em julho deste ano, o Legislativo também concedeu o mesmo título de Netanyahu à
ex-primeira-dama Michelle Bolsonaro (também por “serviços prestados”, sejam lá quais foram).
Em Rondônia, a caturra é uma linha que costura uma teia de políticos presentes em todos os níveis de poder. Além do deputado estadual Delegado Lucas Torres - que após a repercussão negativa demonstrou arrependimento pela sugestão do decreto - outra parlamentar que tem demonstrado apoio ao Estado de Israel é Cristiane Lopes (União).
Por meio das redes sociais, Lopes tem gerado repulsa em uma parcela da população. Figura controversa, a deputada federal é contra o aborto e recentemente
votou a favor de um projeto que busca proibir o casamento entre pessoas do mesmo sexo. Fazendo jus ao título de "cristã de direita", Cristiane Lopes também é contra a
descriminalização da maconha.
Em uma das publicações onde a deputada demonstra assentimento ao país que está em guerra, os comentários, além de atacarem, questionam a coerência da parlamentar. Israel tem o acesso ao aborto facilitado, descriminalizou parcialmente a posse e o uso privado da cannabis.
De acordo com o portal britânico
The Independent, tem uma das legislações mais desenvolvidas do Oriente Médio quando se trata de direitos LGBTQIA+. Obviamente, nenhuma destas políticas parecem combinar com a imagem conservadora de Lopes.
No Instagram do deputado estadual Delegado Rodrigo Camargo (Republicanos), também é possível observar publicações em apoio ao estado judeu.
“Eu oro e apoio Israel! Se você também ora por Israel comente amém (sic)
”, lê-se na legenda de uma
foto onde Camargo porta a bandeira azul e branca com a Estrela de Davi.
Antipetista fervoroso, o homem da lei se autointitula como “ativista de direita, cristão e conservador". Assim como boa parte dos colegas parlamentares, é contra pautas sociais progressistas — abomina o
aborto, é contra a "ideologia de gênero" e defende os "valores famíliares tradicionais". Camargo chegou a
hastear uma bandeira de Israel na janela de seu gabinete na Assembleia Legislativa.
FOTO: Bandeira de Israel na janela do gabinete do Dep. Camargo, que já foi retirada. / Welik Soares / Assessoria parlamentar
Óbvio que esperar um posicionamento bem pontuado de toda e qualquer pessoa, especialmente em um assunto tão complicado quanto o conflito de Israel e Palestina, é tão errôneo quanto algumas das ações de nossos próprios representantes. Mas o mínimo que se espera de alguém que é eleito por voto popular é coerência. Não existe sentido, enquanto "conservador", em apoiar um estado que, apesar de ter um governo alinhado à extrema direita, exibe políticas tão progressistas. E outra: o Estado de Israel não é a mesma coisa que a Nação Santa de Israel descrita na Bíblia.
Alardear uma simpatia sintética com os “40 bebês massacrados” (boato que
não foi confirmado pelo Exército de Israel ou pelo paramilitar Hamás, mas
compartilhada como verdade nas redes sociais, inclusive por um dos políticos supracitados) parece uma tentativa de se alinhar para com um eleitorado extremista. A guerra da Faixa de Gaza não é únicamente sobre ataques bélicos, mas também de desinformação e responsabilidade com a informação que se divulga,
especialmente enquanto político ou comunicador.
Usar tragédias humanas como palanque político é um cúmulo. Comentar de modo sensacionalista, reverberar e até mesmo honrar um dos lados de uma guerra, quando aparenta-se não ter entendimento aprofundado sobre a história do povo palestino ou do Estado de Israel é, no mínimo, de extremo mal gosto.
Cada qual tem a liberdade de escolher o seu veneno. Afinal, no Brasil a pluralidade de pontos de vista é defendida pela Constituição. Pena que não exista trecho na carta magna que exija a mínima noção de geopolítica para se tornar um representante do povo. A CF também reforça que o Estado é laico, ou seja, não há uma religião oficial — aporrinhar os outros usando Deus como justificativa é antiprodutivo.
Um projeto muito mais útil, entretanto menos cômico, poderia ser criado para abordar o desatino presente em tantos dos parlamentares rondonienses. Sonhar com um estado menos teocrata é de graça.
Para que Rondônia deixe de ser considerada uma pária nacional, é preciso cultivar o bom senso — com menos respaldo da Bíblia, e maior favorecimento de autores como Amos Oz e Anita Shapira. Se isso for exigir demais, que ao menos respeitem a Constituição ou acatem a vontade de Davi expressa no Salmo 39, versículo 09:
“Estou calado! Não posso abrir a boca."
As opiniões apresentadas aqui não representam a opinião do Jornal Rondoniaovivo.