Política em Três Tempos - Por Paulo Queiroz

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Foto: Divulgação

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Amazônia como quintal dos EUA remonta a Lincoln, que queria povoá-la com escravos

1 – POVO IMBECIL

 

 

“Quem vai povoar o vale do poderoso Amazonas? Aquele povo imbecil e indolente ou ele será desenvolvido por uma raça com energia e engenhosidade capaz de domar a floresta e trazer à tona os recursos que jazem ali?” O povo aí referido, considerado, somos nós mesmos, os brasileiros, ou na mais aproximada das hipóteses, os nossos antapassados. Estamos em meados do século XIX, nos Estados Unidos da América (EUA), onde no período crescia a revalidade  entre os estados do Norte industrializado e abolicionista e o Sul agrícola e escravista. Documentos recém-descobertos confirmam que, em meio à escaramuça que se estabeleceria, tanto sulistas como nortistas planejavam ocupar a Amazônia com a população escrava norte-americana.

 

As indagações da abertura são do tenente Matthew Fontaine Maury, do Exército Confederado dos EUA, estudioso das correntes marítimas, inventor do telégrafo submarino e do torpedo fluvial, que seria usado pelos sulistas na guerra da secessão americana, para os quais ele era um ídolo da estatura de Robert E. Lee, durante o conflito. A guerra ainda não havia começado, mas Maury já propunha, sob a capa de uma discussão sobre a livre navegação do Amazonas, a imigração em massa dos plantadores de algodão sulistas e seus escravos para o vale amazônico, ou ainda a imigração forçada dos escravos, tornando-se a Amazônia a válvula de segurança dos EUA.

 

Prevendo a possibilidade de confronto entre Norte e Sul e as ameaças de perda do controle da situação que poderiam surgir com uma “guerra de raças”, Maury preconizava a transferência dos negros, capitaneada pelos sulistas, para o Brasil. Para tanto, tomar a Amazônia era uma necessidade e mesmo um dever, parte do “destino manifesto” Para figuras como Maury, o Brasil era não apenas a esperança de vencer a Guerra Civil, mas também um refúgio ideal em caso de derrota. Era o chamado “imperialismo escravista”, afirma o brasilianista Gerald Horne, catedrático em história afro-americana da Universidade de Houston.

 

2 – NEGROS AMAZÔNICOS

 

O conflito, enfim, eclodiu e agora, em meio ao tiroteio, quem decidiu transferir os escravos norte-americanos para a Amazônia foi ninguém menos do que o presidente Abraham Lincoln. “O plano oficialmente proposto pelo presidente Lincoln e sancionado pelo Congresso, para dar início à tarefa de colonizar fora dos EUA os negros libertos ou em vias de serem libertados no decorrer da guerra, está em vias de se concretizar no máximo em cinco semanas. Eles serão transportados à custa do governo e mantidos durante a primeira estação à custa do Estado e para tal uma verba foi aprovada pelo Congresso”, afirmava, em agosto de 1862, um editorial do “The New York Times”.

 

 

Foi com esse espírito que Lincoln nomeou como representante extraordinário e ministro plenipotenciário dos EUA James Watson Webb, de quem se transcreve o trecho a seguir para mostrar em que conta os próprios abolicionistas tinham os negros: “A raça negra é caracterizada por uma ignorância degradante e inferioridade mental, enquanto os escravocratas são honrados, patriotas e de mente elevada”. E foi na condição de representante oficial do governo americano que o mesmo Webb, em maio de 1862, submeteu ao governo brasileiro a proposta da constituição de uma empresa binacional de colonização da Amazônia com negros americanos livres ou que seriam libertados ao longo da Guerra Civil.

 

“Não é apenas do interesse dos Estados Unidos e absolutamente necessário para sua tranquilidade interna que se livre da instituição da escravidão, mas também, em consequência do preconceito de nosso povo contra a raça negra, se torna indispensável que o negro liberto seja exportado para fora de nossas fronteiras, pois conosco ele jamais poderá gozar de igualdade social ou política”, afirmou Webb em carta ao secretário de Estado de Lincoln, William Henry Seward.  “Libertar os negros do Sul e deixá-los onde se encontram será o início de um conflito que só poderá terminar com o extermínio de uma ou da outra raça”, escreveu o mesmo Webb em artigo para o jornal “Courier & Enquirer”. Quer dizer, a idéia era libertar os negros da escravidão, mas escorraçá-los do território norte-americano.

 

E foi fuçando esse devaneio exótico que historiadores brasileiros descobriram anotado num dos diários do imperador Pedro II: “O (marquês de) Abrantes apresentou três propostas do ministro americano, cujo fim é transvasar para o vale do Amazonas principalmente os negros que se libertassem nos Estados Unidos. O Abrantes ficou de tirar cópias de tão singulares propostas e de responder como convém ao Webb”. Necessário precisar que o primeiro historiador a chamar a atenção para essa história exótica foi Sérgio Buarque de Holanda, no prefácio que escreveu para o livro “A Amazônia para os negros americanos”, de Nícia Vilela, em 1968.

 

3 – DÓCIL E TRATÁVEL

 

A “dica” chamou a atenção da historiadora Maria Clara Sales Carneiro Sampaio, que saiu em busca de mais informações. Não achou nada no Brasil e partiu para Yale, onde teve acesso aos mais de dois mil documentos (que transcreveu) da coleção James Watson Webb Papers, dos anos 1862 e 1863. 

“A grande necessidade do Brasil agora é mão-de-obra. Pelas características de clima e solo, o trabalho negro é preferível ao branco”, justificava Webb no plano americano. E não deixa de elencar as vantagens do uso do negro americano. “O negro que está prestes a ser manumisso (libertado) foi treinado para o trabalho, além de ser dócil e tratável. O Brasil sofre pela falta de mão-de-obra. Quatro milhões de negros preparados para o trabalho, cada um valendo o equivalente a três africanos nativos, estão suspirando por liberdade e prontos para comprá-la no solo congenial do Brasil e sob as leis e instituições liberais brasileiras.”

 

A partir do material levantado, a historiadora escreveu a dissertação, “Fronteiras negras ao Sul”, na USP, onde o trabalho foi recentemente defendido. “Esse estudo revela as pouco conhecidas influências da Guerra Civil no Brasil. A ironia está no fato de o presidente Barack Obama ter Lincoln como modelo. Se houvesse prevalecido a vontade dele, os EUA teriam expatriado os afro-americanos”, diz.

 

Eis como a história termina: "General: tive o prazer de ler com a máxima atenção os documentos que me confiou e agora lhe dou retorno em relação ao seu plano de introdução de negros libertos no Brasil. Devo admitir que o objetivo em si é altamente interessante. É minha opinião pessoal que suas ideias merecem consideração e que muitas delas, em circunstâncias favoráveis, seriam de grande utilidade. No entanto, nada dessa ordem poderá ser tentada em nosso país, pois temos uma lei que impede expressamente a entrada de qualquer negro liberto em nossas fronteiras. Encaminho a lei para seu conhecimento. Renovo meus votos de apreço e estima. Abrantes.” O projeto foi arquivado.

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