Política em Três Tempos - Por Paulo Queiroz

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Foto: Divulgação

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1 – O 25 DE MARÇO São ilegítimas todas as comemorações dos 85 anos de existência do comunismo no Brasil enquanto idéia suporte para organização de partidos políticos objetivando realizá-la. Quando nada, porque são três as agremiações partidárias brasileiras que se atribuem a memória de ser o partido fundado em 25 de março de 1922 propugnando transformar o país numa ditadura do proletariado por intermédio de uma revolução armada. Desse modo, com atividades desenvolvidas em dias da semana passada e que se prolongavam ao longo deste domingo (22), celebraram o octogésimo quinto aniversário nada menos que o Partido Popular Socialista (PPS), o Partido Comunista Brasileiro (PCB) e o Partido Comunista do Brasil (PCdoB). Conquanto mais estrepitosos, os festejos levados a efeito pelo PCdoB constituem o maior esbulho de todos. Senão, vejamos. Bem verdade que a agremiação fundada em 1922 pelo jornalista Astrogildo Pereira e mais oito trabalhadores chamou-se Partido Comunista do Brasil. Mas a sigla que se adotou e pela qual o partido ficou conhecido foi PCB. Até 1962 permaneceu sendo a única organização partidária com expressão nacional a professar a ideologia socialista. Mas então seus dirigentes, no curso de uma série de revisões que vinham introduzindo na agremiação, haviam mudado, em 1958, a denominação para Partido Comunista Brasileiro. A razão da mudança diz respeito à vontade da direção de retornar à legalidade, conquistada em 1945 e perdida dois anos depois. Eis que entre os pretextos levantados pela Justiça Eleitoral para cassar o registro do então Partido Comunista do Brasil encontrava-se exatamente a expressão “do Brasil”. Argumentou-se que o PCB não passava de uma sucursal do Partido Comunista da União Soviética (PCUS), uma filial de Moscou, até porque a sua nacionalidade “brasileira” não estava literalmente expressa na denominação. Desse modo, a expressão “do Brasil” traduziria apenas a localização geográfica de uma organização partidária estrangeira. E como a legislação proibia – proíbe – o funcionamento pleno de partidos estrangeiros no país, o PCB foi posto na ilegalidade. 2 – PARTIDO ALIENÍGENA Mas substituir “do Brasil” por “Brasileiro” na denominação do partido não era a única mudança introduzida no PCB. Sob a influência do XX Congresso do PCUS, quando Khruschev denunciou os crimes do camarada Stalin detonando o stalinismo, o partido vinha enrolando uma série de bandeiras caras aos partidários do marxismo-leninismo em sua forma mais pura, entre as quais o abandono da insurreição armada e a renúncia ao projeto de instalação de uma ditadura do proletariado, ao tempo em que se começou a propor o caminho pacífico para a construção do socialismo. È quando um grupo de dirigentes – Arruda Câmara, João Amazonas, Ângelo Arroio, Pedro Pomar, Maurício Grabois, dentre outros – que havia ganhado notável expressão no Comitê Central, sendo responsável pela elaboração de sua linha política, considera que as alterações equivaliam ao abandono do marxismo-leninismo, provoca o confronto com a alta direção do PCB, é expulso do partido e funda, em 1962, o PCdoB – retomando a denominação de Partido Comunista do Brasil. Repare o leitor que o que há aí é uma dissidência organizada em torno de um novo partido. São comunistas então valorosos que pretendem preservar a pureza ideológica da teoria marxista, então celeremente sendo levada ao mais deslavado revisionismo pelos partidários de Luís Carlos Prestes, no partido desde 1927 e já uma lenda no PCB em função do levante armado que comandara em 1935 e do papel que levara a legenda a desempenhar na resistência à ditadura Vargas e na redemocratização do país uma década depois. O golpe militar de 1964 já encontrou a esquerda brasileira organizada em dois grandes partidos nacionais – justamente o PCB (que pelo conservadorismo recebera dos rivais o apelido de “Partidão”) e o PCdoB (que pelas teses ainda revolucionárias avocara-se a condição de vanguarda do proletariado brasileiro). E já se estabelecera entre ambos a disputa pela memória de 1992 e seu ideário. Mas não obstante uma dissidência, naquele momento, como será levado a concluir qualquer um mais familiarizado com teoria política, é o PCdoB, pela manutenção da fidelidade ao marxismo, quem tem legitimidade para celebrar a data como a da sua fundação. 3 – IDÉIAS X SINECURAS Inútil tentar estabelecer qual das duas agremiações teve um papel mais relevante na resistência à ditadura e no novo e penoso processo de recondução do país à democracia. Se o PCdoB se atribui uma memória mais heróica por conta das perdas sangrentas na Guerrilha do Araguaia, informe-se que um terço do Comitê Central do PCB foi assassinado pela repressão e milhares de militantes submetidos à tortura, alguns até a morte – como o jornalista Wladimir Herzog e o operário Manoel Fiel Filho. É ainda do PCB que saem o Partido Comunista Brasileiro Revolucionário (PCBR) e o já lendário Carlos Marighela para fundar a Ação Libertadora Nacional (ALN) e morrer em combate. Quando a ditadura chegou ao fim, em 1985, um punhado de organizações de esquerda havia desaparecido, parte aniquilada pelos militares e parte dissolvida com o surgimento do PT, em 1982, ao absorver seus militantes. Com expressão nacional e identidade própria, perseveraram o PCB e o PCdoB. Até que, em janeiro de 1992, em meio a congresso extraordinário convocado especificamente para esse fim, o Partido Comunista Brasileiro vira, com aprovação de 70% dos participantes (maioria forjada, sustentam até hoje os dissidentes), Partido Popular Socialista (PPS), entre outras mudanças que o aproximariam ainda mais da social democracia conservadora – para não falar reacionária. Os demais, que ainda no interior da legenda haviam se organizado sob a denominação de Movimento Nacional em Defesa do PCB, se retiraram do encontro e, no mesmo dia, decidiram pela continuidade do “Partidão”, com manutenção do seu nome e sigla históricos, prosseguindo, segundo eles, na luta pelo socialismo. Hoje, no entanto, o que se vê é a idéia do socialismo esbulhada por qualquer das três legendas que se queira considerar. No que diz respeito à data, pelas técnicas da genealogia, quem tem direito a ela vem a ser o PPS. Pelos traços genéticos, porém, seria o PCB. Quanto ao PCdoB, impossível estabelecer critérios capazes de legitimar a pretensão, porquanto o ideário que fez nascer a sigla como merecedora da memória de 1922 há muito se perdeu entre uma e outra sinecura com que o governo petista contempla seus integrantes em troca de apoio servil.
Direito ao esquecimento

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