Política em Três Tempos - por Paulo Queiroz

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Foto: Divulgação

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1 – DELITOS ECLESIAIS Santos, papas, profetas, mártires, guerreiros, bandidos, libertinos, devassos, mais recentemente pedófilos – já teve de tudo na Igreja Católica Apostólica Romana ao longo dos seus turbulentos 20 séculos de muita história. Prova de que, não obstante apresentar-se como o caminho para Deus, não poucas vezes seus agentes deixaram-se alcançar e envolver até a medula com as mais estupefacientes imperfeições seculares da espécie que se propõe salvar. Para quem quiser saber mais sobre a única instituição do planeta ainda na estrada após dois milênios do surgimento, uma boa pedida é o livro “Tu És Pedro”, de Jorges Suffert, que não obstante relatar os erros e os crimes da Igreja fundada por Simão Pedro, é católico dos mais respeitados e bem acolhidos pelo clero francês. Mas é também jornalista de boa cepa. Enfim, quando se imaginava que já se tinha visto de tudo ao percorrermos a atribulada trajetória da Igreja, eis que o mundo volta a ser surpreendido com a estarrecedora história da condenação de um padre católico. Até aí teria morrido o Neves não fora o nexo causal que fez eclodir a pena: colaborador da ditadura argentina, o padre Christian Federico Von Wernich, 69 anos de idade, tornou-se o primeiro membro da Igreja Católica a ser condenado, semana passada, por crimes contra a humanidade. O Tribunal de La Plata, na Argentina, considerou Von Wernich culpado, no papel de co-autor, de 42 seqüestros, 32 casos de tortura e sete homicídios - crimes contra a humanidade e genocídio - e o condenou à prisão perpétua. Suffert trata, principalmente, da crônica do cardinalato católico, das excentricidades papais, por assim dizer, ocupando-se apenas ocasional e tangencialmente do baixo clero. Por essa razão, em que importe a envergadura dos crimes pelos quais a Justiça o condenou, possivelmente Von Wernich só faça por merecer algumas linhas numa eventual reedição atualizada da sua pesquisa. Mas em que pesem escassos, relatos notáveis sobre padres não tratam apenas de crimes. 2 – MÜNZER E LUTERO Ao menos no veredicto da História. No pólo moral diametralmente oposto ao de Van Wernich, por exemplo, pode-se encontrar o caso do padre alemão Thomas Münzer, que enquanto os portugueses rezavam por aqui as primeiras missas, lá na Alemanha, na região de Münster, liderava uma revolta de camponeses contra os grandes latifundiários da época, pela posse comunitária de terras, pela igualdade social e pelo fim da exploração das comunidades pelos nobres. Corre o ano de 1524, sete anos após o monge Martinho Lutero ter fixado as suas “95 Teses” na porta da Igreja do Castelo de Wittenberg. Na ocasião, o padre Münzer foi um dos primeiros religiosos a sair em defesa de Lutero quando o papa Leão X condenou 41 das proposições do monge e, como este não arredasse o pé de nenhuma, o excomungou. Convém lembrar que ao lado dos problemas meramente religiosos, houve uma série de fatores sociais e econômicos que favoreceu a difusão das idéias de Lutero na Alemanha. Destaca-se, entre eles, o fato de a maioria das terras alemãs pertencer à Igreja católica. A nobreza local cobiçava o domínio dessas propriedades. Com fome de poder e de riqueza, as classes elevadas (nobreza e alta burguesia) estavam descontentes com a Igreja e o comando do imperador – aliado do papa. Quando viram Lutero confrontar o papa, nobres e burgueses alemães enxergaram ali uma oportunidade imperdível de aumentar suas posses e tesouros subtraindo-os da Igreja. Münzer acreditou que esses bens, principalmente as terras, seriam divididos também entre os pobres e os incitou à apropriação. Até porque entre as teses de Lutero - que apoiou o movimento no início - muitas contemplavam a igualdade social. As classes dominantes, porém, uniram-se para acabar com a revolta camponesa. Com o papa no seu encalço, Lutero mudou novamente de lado, apoiou os ricos e publicou um manifesto de ódio contra os camponeses revoltados. Na luta, os camponeses foram esmagados. Resultaram assassinados mais de 100 mil e Münzer foi decapitado. 3 – O PADRE ATEU Decerto o leitor já terá ouvido falar no mais virulento lema revolucionário segundo o qual “o homem só deixará de ser miserável quando o último rei for enforcado nas tripas do último padre”. Ou derivações da frase, permanecendo invariáveis o clérigo estripado e alguém estrangulado pelas vísceras do dito cujo. Ocorre que sempre se atribuiu a tirada ora a Diderot (Denis) ora a Voltaire (François-Marie). Por incrível que pareça, no entanto, no original “Eu gostaria, e este será o último e o mais ardente dos meus desejos, eu gostaria que o último rei fosse estrangulado com as tripas do último padre” é da lavra de um padre. Deverá ter sido o rebento mais instigante de quantos a Igreja terá produzido, o padre Jean Meslier - nas palavras do doutor em Filosofia Paulo Jonas de Lima Piva, um pensador que, marginalizado e desconhecido por muitos, seria um importante precursor de algumas das principais linhas de força do iluminismo francês. Desde 1729, ano em que a frase foi publicada, duas grandes revoluções e muitos embates menores arrancaram as tripas de muita gente, até mesmo as de alguns reis e padres. Cura de uma aldeia no interior da França, Meslier (1664-1729) passou seus últimos anos de vida rezando missas, enquanto, na moita, preparava a extrema unção do Estado católico francês. Publicado postumamente – óbvio, porquanto a inquisição ainda estava com todo gás -, o livro do “padre ateu” tornou-o um dos precursores do iluminismo. Voltaire, então com 35 anos, foi seu primeiro editor, fazendo circular por toda a França suas idéias subversivas e anticatólicas numa versão reduzida, "Extrait des sentiments de Jean Meslier”. Piva é o autor de “Ateísmo e Revolta”, tese do doutoramento publicada em 2004, que ao se debruçar sobre Meslier conclui que o religioso viria a ser, paradoxalmente, “o primeiro ateu e comunista que o mundo conheceu”. Como se vê, de Pedro a Bento XVI - passando por Thomas Münzer, Meslier e Von Wernich -, em que importe o Reino dos Céus ser regido por um partido único e lá não se admitir, sequer por hipótese, nenhum tipo de desigualdade, aqui neste vale de lágrimas não há posição em todo o espectro ideológico da história que um representante da Igreja não a tenha ocupado.
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