Rondoniaovivo consultou dois especialistas em Direito Criminal e ambos acreditam que endurecer penalidades não resolvem criminalidade
Foto: Divulgação/Governo de Rondônia
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Recentemente, a Comissão de Segurança Pública do Senado começou a analisar um projeto de lei que pode aumentar penas de crimes cometidos durante a saída temporária de presos, mais conhecida como “saidinha”.
A senadora Damares Alves (Republicanos-DF) é a autora da proposta, que foi levada à Comissão de Segurança Pública em março de 2023 e ficou estagnada no colegiado desde novembro.
O texto prevê que, se o crime for cometido com violência ou grave ameaça à pessoa, a pena será agravada, podendo ser aumentada em um terço até a metade.
Ainda, a proposta também pode afetar aqueles que estão em liberdade condicional, prisão domiciliar ou foragidos do sistema prisional.
O relator do projeto, Esperidião Amin (PP-SC), já declarou ser favorável à proposta. Segundo o parlamentar, os crimes cometidos por presos durante as saídas temporárias são frequentes, e a proposta ajudaria a retrair esses crimes.
“O referido agravamento de pena, ao mesmo tempo em que punirá de forma diferenciada os respectivos infratores, desestimulará os condenados que estejam fora da prisão, em razão de benefício, fuga, entre outros, a cometer novos delitos”, afirmou o senador.
Segundo rápido levantamento feito pelo Rondoniaovivo com fontes das polícias Militar e Civil, a maioria das mortes violentes no estado, envolve queima de arquivo ou acerto de contas. O presidiário sai, comete os crimes e volta pra cadeia ou morre em confrontos com bandidos rivais ou pela própria polícia.
Divergências
O Rondoniaovivo consultou dois advogados especialistas em Direito Criminal e ambos concordam que a medida não deve resolver a criminalidade no país, segundo eles.
“Caso sejam criadas leis que aumentem a pena dos crimes durante a ‘saidinhas’, mas não tenha efetividade no caso concreto, logo não vai resolver o problema da criminalidade. Caso haja efetividade no caso em concreto talvez ajude a mitigar o problema da criminalidade nesse sentido. Porém, não será isso que resolverá o problema. Já que punir não resolve, punir um pouco mais (aumento de pena) talvez não resolva também. Logo, não o aumento de pena que resolverá o problema, mas pode ser um catalisador para minimizar o problema”, detalha Liliane Araújo.
Janus Pantoja vai um pouco além: “Não se tem quaisquer dados sobre eventuais infrações penais cometidas durante “saidinhas”. São apenas especulações e falas jogadas para vender uma ideia que pode não ter qualquer consistência quando confrontada a dados oficiais e confiáveis. E os exemplos existentes? Sim, podem ocorrer, mas se deixarmos que induzam ações e decisões estruturais, significa que estamos trabalhando com indução, ou seja, retrocedendo no tempo pelo menos uns dois séculos e meio”.
Para ele, “nenhum aumento de pena traz a reboque uma diminuição da ‘criminalidade’, que aliás é um termo muito vago: o que temos é violência estrutural, que é a junção da violência social com a violência estatal. As condutas negativas previstas como infrações penais não oscilam, aumentam ou diminuem tenho em vista a pena prevista na lei. Exemplo prático: a lei dos crimes hediondos, que é de 1990, trouxe endurecimento das penas tendo em vista três crimes de sequestro praticados na época, sendo um deles do Roberto Medina, o criador do Rock in Rio. Com a lei dos crimes hediondos, os índices de violência, sobretudo urbana, apenas subiram”.
Fim das saidinhas
Nesta semana, o presidente Lula vetou alguns trechos da Lei que acaba com o benefício das saidinhas em feriados ou datas comemorativas, como Dia das Mães, Pais, Natal e Ano Novo, que foi aprovada pela Câmara dos Deputados e Senado Federal.
Os dois operadores do Direito acreditam que a medida não será educativa, nem diminuir a criminalidade.
“Punir não resolve o problema. Precisa de medidas educativas, treinamentos internos e condições de ressocialização. Ou seja, modificar o comportamento do preso, para que este seja harmônico com o comportamento socialmente aceito e não nocivo à sociedade”, observou Liliane Araújo.
“A segregação do homem não é, em si mesma, meio eficiente para incrementar a prática de condutas reclamadas pela sociedade, pois não se aprende a conviver, vivendo isoladamente. Para quem esteja na situação de prisão deve-se proporcionar ambiente próprio para que, ao retornar à sociedade, esteja em condições de pautar a conduta de modo a não causar danos a outrem nas relações intersubjetivas. Daí a adoção do sistema progressivo, partindo de regime mais severo para, pouco a pouco, e através de estágios, quem recebe a condenação, se submeta a outros menos rigorosos, e assim alcance a liberdade”, pontuou Janus Pantoja.
Foto: Divulgação/Governo de Rondônia
O jornal eletrônico perguntou para ambos operadores do Direito Criminal qual seria a melhor saída para prevenir que esses crimes durante as “saidinhas” aconteçam e ambos apontam caminhos diferentes.
“Apontar a melhor saída é muito subjetivo. Mas vislumbrando o cenário atual é necessário um estudo detalhado para chegar em um denominador comum”, comentou Liliane Araújo.
Já para Janus Pantoja, o ideal é “cumprir a Lei de Execução Penal (LEP). Nós invocamos a lei, em sua força, para acusar a pessoa de um crime e encarcerá-la. Essa mesma energia, na força de lei, sofre uma suavização seletiva, para cumprir a lei que fora utilizada para encerar a pessoa. Então não é a mesma lei. São dois pesos e duas medidas. Para prender, a lei; após a prisão, a lei da conveniência”.
Ele completa: “Então a execução penal não é legal: e fora da lei, da mesma forma que a pessoa estava ao cometer a infração penal. Então o problema do direito penal é o problema do fora da lei: de quem comete e a infração e do Estado. Os dois estão fora da lei. Porque é unânime que a lei de execução penal não é cumprida, nem mesmo em 50% de suas disposições. Por vários motivos, e nem sempre de ordem financeira ou econômica”.
O advogado finaliza a análise: “Sem cumprir a LEP, o mesmo Estado, o fora da lei, edita uma lei declarando sua inadimplência quanto à ressocialização, proibindo a saída temporária. Chama-se populismo penal: a utilização do direito penal, um meio relativamente barato de ‘produzir’, para jogar com a sensação de insegurança das pessoas, que não recebem informações corretas a respeito do problema”.
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