A juíza substituta Juliana Couto Matheus, da 1ª Vara Criminal de Porto Velho, condenou o escrivão de polícia civil Reginaldo Ferreira de Souza a 2 anos e 4 meses de prisão pelo crime de tortura e abuso de autoridade contra Celicleudo Maia França.
Consta da ação penal, iniciada por meio de denúncia oferecida pelo Ministério Público, que no dia 04 de abril de 2005, no interior da Delegacia Central de Polícia Civil, o escrivão, contando com o auxílio de outro indivíduo ainda não identificado, submeteu à tortura a vítima Celicleudo Maia França, pessoa que se encontrava naquela delegacia, detida em flagrante, sob acusação de suposta tentativa de furto contra a residência de Giuliana Mariá Macori Pascoal de Souza, impondo-lhe sofrimento físico e mental, mediante violência física (estrangulamento, socos, pontapés e golpes nos braços e nas costas, mediante utilização de uma barra de ferro).
Ainda segundo o processo, na noite anterior, a vítima Celicleudo teria se envolvido afetivamente com Giuliana Maria, enquanto se divertiam no interior da danceteria “Dimples”. Terminado o baile, a vítima Celicleudo Maia, ao invés de seguir para sua residência, dirigiu-se para a residência de Giuliana e, embriagado, passou a gritar chamando por ela, dizendo que pretendia namorá-la.
Diante da recusa de Giuliana em abrir-lhe a porta, Celicleudo subiu no telhado da casa e, utilizando-se de uma barra de ferro e de um cabo de vassoura, tentou arrancar algumas telhas, razão pela qual Giuliana acionou a força policial que deu voz de prisão a Celicleudo, sob a acusação de tentativa de furto. Consta, ainda, que em razão do ocorrido, Reginaldo Ferreira, o qual teria envolvimento amoroso com Giuliana Maria, deslocou-se até a Delegacia Central de Polícia onde se encontrava Celicleudo e, embora não fosse lotado naquela repartição pública, mas prevalecendo-se do fato de ser agente público (Escrivão de Polícia, lotado na Direção Geral de Polícia), contando com a ajuda de terceira pessoa, retirou Celicleudo da cela e passou a espancá-lo, deixando claro para a vítima que ela não deveria se envolver com a sua namorada, além de deixar implícito que se assim não procedesse as conseqüências seriam trágicas, vez que ele, Reginaldo, sabia onde a vítima morava.
Ao ser interrogado em juízo, Reginaldo negou a autoria do crime. Na oportunidade, justificou-se argumentando o seguinte: "Que eu recebi um telefonema do pai da Giuliana dizendo que uma pessoa havia tentado furtar a casa dela e que eu pudesse ver o que estava acontecendo; que eu estava trabalhando e pedi para o agente de polícia Jales, chefe da SEVIC do 5º DP para que ele fosse até à Central de Polícia e olhasse o que estava acontecendo; que o Jales foi até a Central de Polícia e constatou que a vítima Celicleudo estava detida, mas que não tinha condutor ou testemunhas para a lavratura do auto de prisão em flagrante; que diante dessa informação eu pedi para o Jales ir até a casa da Giuliana e levá-la, juntamente com as testemunhas para a Central de Polícia; que eu estive na Central de Polícia por volta das 16 horas daquele dia, visando pegar o ofício destinado ao Instituto de Criminalística para a Perícia na casa da Giuliana; que eu não mantive contato com a vítima Celicleudo e não sei por qual motivo estou sendo acusado da prática de tortura contra o mesmo; que eu nunca namorei a Giuliana".
Para a juíza, no entanto, a materialidade do delito foi demonstrada através de fotografias, Laudo de Exame de Corpo de Delito - lesão corporal e pela prova oral colhida durante o processo.
“ Em que pese o acusado Reginaldo Ferreira ter negado a prática do delito, o conjunto probatório colhido na instrução do processo demonstrou que a responsabilidade penal deve recair sobre ele”, concluiu a magistrada, que anotou na sentença: “Ao prestar declarações na 8ª Promotoria de Justiça, a vítima Celicleudo afirmou que enquanto estava detido na delegacia, foi retirado da cela por dois policiais, tendo um deles se identificado como sendo Reginaldo. Neste ato, Reginaldo tentou enforcá-lo, fato que deixou marcas visíveis em seu pescoço. Em seguida, Reginaldo aplicou-lhe vários socos e pontapés em suas costas, bem como golpes no seu braço esquerdo e nas suas costas, mediante uso de uma barra de ferro. Acrescentou, ainda, que enquanto o acusado Reginaldo lhe espancava, dizia que era namorado de Giu (Giuliana Mariá), enfatizando que declarante não deveria se relacionar novamente com Giuliana, senão ele iria buscá-lo em sua casa”.
Em juízo, o depoimento da vítima Celicleudo ficou assim registrado: "Que naquela noite eu fui até a boate Dimples e lá me encontrei com a pessoa chamada Giuliana de Souza, com quem passei a trocar beijos; que depois de um tempo a Giuliana disse que ia embora e me convidou para dormir na casa dela; que eu ainda permaneci mais um pouco na boate e depois fui em direção à casa da Giuliana; que eu chamei pela Giuliana e bati na porta, mas ela não atendeu; que com a chegada da polícia eu subi no telhado da casa da Giuliana e acabei detido sob a acusação de estar tentando praticar furto; que eu fui levado para a Central de Polícia; que eu fui retirado da cela e uma pessoa me segurou, sendo que uma outra passou a me espancar com socos e pontapés; que eu também fui agredido com um pedaço de pau ou de ferro; que como eu estava embriagado eu não vi o rosto dos agressores; que eu fui levado ao IML e submetido a exame de corpo de delito; que quando minha mãe foi me buscar na Central e me viu machucado, ela disse que iria registrar a ocorrência policial pela agressão, oportunidade em que lhe informaram que o meu agressor teria sido o acusado Reginaldo; que foi o Delegado de Polícia e a Escrivã que apontaram o réu como sendo o autor das agressões; que eu só fiquei sabendo que a Giuliana era namorada do acusado quando fui registrar a ocorrência pelas agressões; que o meu agressor também tentou me enforcar; (...) que eu não conhecia o réu antes do fato; (...) que eu não tenho desafeto na polícia civil; (...) que eu não sei identificar o local onde fui agredido, mas o mesmo era dentro da Central de Polícia" .
A testemunha Filadelfo Ferreira da Silva, delegado plantonista no dia dos fatos, disse que a vítima Celicleudo foi levada à Central de Polícia sob a acusação de tentativa de furto. Na ocasião o condutor lhe disse que desconhecia os fatos, pois quem teria tomado a frente do caso teria sido o Policial Militar Adamilton que, por sua vez, não compareceu naquela Central para ser ouvido quando da lavratura do auto de prisão em flagrante delito. Ainda segundo a testemunha Filadelfo, a vítima Celicleudo foi colocada em uma cela chamada "corró", onde permaneceu sozinha. Feito isso, a testemunha ouviu formalmente os policiais e não se convenceu da ocorrência de tentativa de furto, o que foi reforçado pelos depoimentos de Giuliana de Souza, Suelem e do irmão desta, colhidos na mesma oportunidade. Esse sentimento, segundo a testemunha, foi compartilhado com o plantonista anterior, delegado Paulo Abemor, o qual lhe informou que o caso, no máximo, resultaria na lavratura de um termo circunstanciado.
Ao retornar do almoço, Filadelfo disse que foi procurado pelas escrivãs Josefa e Iara, que lhe afirmaram que Reginaldo havia retirado a vítima Celicleudo do "corró", agarrando-a pelo pescoço, levando-a para a sala da Sevic (Serviço de Vigilância e Capturas) e, referindo-se a Giuliana, teria lhe dito: "tá vendo aquela moça ali? É pra você nunca mais se meter com ela, pois sei aonde você mora".
Diante da informação, Filadelfo solicitou que Celicleudo fosse encaminhado à sua sala, ocasião em que constatou que o rapaz tremia e lhe afirmou que após ser retirado do "corró" foi agredido por dois policiais, um civil e um policial militar, sem declinar o nome dos mesmos. Ao pedir que Celicleudo tirasse a camisa, o delegado disse ter ficado chocada ao perceber as várias manchas no corpo do rapaz, razão pela qual solicitou o seu encaminhamento ao IML para exames, pois "os sinais que eu vi no corpo da vítima eram diferentes dos eventuais provocados por queda de um telhado", como também, "que os sinais que eu presenciei davam a entender que a vítima tinha sido agredida com um pedaço de pau ou ferro". E mais, "que a vítima não tinha os hematomas mencionados na referia ocorrência policial e sim os anteriormente mencionados, fruto da agressão com pedaço de pau ou ferro" .
Ainda nessa oportunidade, Filadelfo destacou que o denunciado Reginaldo não fazia parte do quadro de funcionários lotados na Central de Polícia. No entanto, no dia dos fatos Reginaldo esteve por três ocasiões naquela Central de Polícia. Numa delas, justificou-se dizendo que sua permanência ali era atender a uma solicitação do pai de Giuliana, que lhe pedira para acompanhar o desenrolar da tentativa de furto na residência da mesma. Noutras, para cobrar da testemunha a lavratura do auto de prisão em flagrante delito. Mais uma vez Filadelfo lhe disse que não ira lavrar o requerido auto, porque não estava convencido da ocorrência de crime. Diante disso, o próprio acusado apresentou um ofício ao cartório solicitando a realização de exames de danos na casa de Giuliana, mesmo que tal providência não lhe coubesse, vez que incompetente para o ato.
Para a juíza Juliana Couto Matheus, “as circunstâncias do crime demonstram o modo repugnante utilizado para subordinar a vítima, as conseqüências do crime foram danosas, dado o sofrimento físico e mental da vítima e a conduta da vítima não contribuiu para a prática delitiva”.
A juíza decretou a perda do cargo público, bem como a sua interdição para o seu exercício pelo dobro do prazo da pena aplicada. O escrivão permaneceu solto durante o processo, razão pela qual lhe foi concedido o direito de apelar em liberdade.
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