Uma representação formal foi protocolada nesta semana junto ao Ministério Público do Estado de Rondônia denunciando o Governo do Estado por descumprimento sistemático da Lei Federal nº 13.722/2018, conhecida como 'Lei Lucas'.
A lei obriga que professores e funcionários das escolas de educação básica recebam capacitação anual em noções de primeiros socorros e que as unidades escolares estejam preparadas para atender emergências imediatas, como engasgos, quedas, convulsões e crises alérgicas.
Segundo a denúncia feita pelo Centro de Defesa da Criança e do Adolescente Maria dos Anjos (Cedeca/RO), organização que atua desde 1992 na proteção e garantia de direitos da infância e juventude, há mais de cinco anos o Estado de Rondônia deixa de cumprir uma obrigação legal clara e continua expondo aproximadamente 260 mil estudantes da rede pública incluindo crianças, adolescentes e jovens com deficiência a risco direto e evitável.
A representação aponta que o governo estadual jamais estruturou uma política pública universal de formação em primeiros socorros para a rede e não regulamentou a lei no âmbito estadual, embora isso seja uma exigência expressa do Art. 6º da própria Lei Lucas.
'Não estamos falando de algo opcional. A Lei Lucas é obrigatória desde abril de 2019. Cada escola deveria ter pessoal treinado e minimamente preparado para agir no minuto crítico em que uma criança engasga, convulsiona ou sofre uma queda grave. Hoje, em Rondônia, na imensa maioria das escolas isso simplesmente não existe', afirma Thais Campos, médica da organização responsável pela denúncia.
O documento pede que o Ministério Público instaure um Inquérito Civil para investigar a omissão do Governo do Estado, que cobre imediatamente a regulamentação da Lei Lucas e que exija um plano de capacitação anual para todos os profissionais das escolas estaduais.
A entidade também solicita que, caso não haja resposta voluntária, o Ministério Público proponha Ação Civil Pública com pedido de tutela de urgência para obrigar o Estado a cumprir a lei.
Para os autores da denúncia, não se trata de falta de dinheiro, mas de falta de prioridade. A representação destaca que, na Lei Orçamentária Anual aprovada para 2025, a Secretaria de Estado da Educação (SEDUC) tem previsão de cerca de R$ 2,9 bilhões e a Secretaria de Estado da Saúde (SESAU) mais de R$ 2,2 bilhões.
Mesmo assim, não há dotação orçamentária específica para implementar a Lei Lucas de forma universal e contínua.
'Quando o Estado de Rondônia diz que não tem recurso, ele não está dizendo a verdade. O que não existe é decisão política. Com uma fração mínima do orçamento bilionário da educação e da saúde seria possível treinar professores e montar kits básicos de primeiros socorros em todas as escolas. Se isso não foi feito em cinco anos, não é descuido: é escolha', afirma a entidade, que atua desde 1992 na defesa de direitos humanos.
Outro ponto considerado grave pela representação é o fato de o governo estadual não apresentar dados consolidados sobre acidentes e emergências médicas dentro das escolas.
Para a organização, essa ausência de monitoramento é, por si só, evidência de negligência.
'Se o Estado não sabe quantas crianças engasgam, caem ou desmaiam em ambiente escolar, significa que ele não está olhando para o risco. E se ele não está olhando para o risco, ele está aceitando que tragédias aconteçam sem resposta rápida. Foi exatamente para evitar esse tipo de tragédia que a Lei Lucas foi criada', diz a nota.
A denúncia também chama atenção para a desigualdade interna no território. As poucas ações de capacitação divulgadas até agora ocorreram, em geral, em Porto Velho e em caráter pontual, como palestras isoladas ou treinamentos piloto com números muito pequenos de servidores número que representa menos de 1% do universo total de profissionais que atuam nas mais de 400 escolas estaduais. Nas demais regiões do estado, especialmente nas áreas rurais, praticamente não há formação sistemática em primeiros socorros, o que aumenta o risco em locais onde a equipe de saúde e o resgate de urgência podem demorar mais para chegar.
'Quando uma criança sofre um engasgo numa escola da zona rural, não há UTI móvel na esquina. Ou o adulto que está ali sabe agir, ou a gente perde uma vida em minutos. É disso que estamos falando', afirma a organização.
No pedido final ao Ministério Público, a entidade requer uma atuação imediata: recomendação formal ao Governo do Estado para publicar, em até 30 dias, o decreto regulamentando a Lei Lucas em Rondônia; apresentação de um plano de capacitação anual com metas para toda a rede estadual; e, se necessário, assinatura de um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) com prazos, obrigações objetivas e multa diária por descumprimento.
Para a organização, está em jogo um direito básico que antecede qualquer disputa política: 'Garantir primeiros socorros não é um favor do governo. É proteção à vida. A prioridade absoluta da criança e do adolescente está na Constituição. O Estado de Rondônia conhece essa obrigação e, mesmo assim, escolheu ignorar.'
O que é a Lei Lucas?
A Lei Federal nº 13.722/2018, conhecida como 'Lei Lucas', foi sancionada após a morte do menino Lucas Begalli Zamora, de 10 anos, que se engasgou durante um passeio escolar e não recebeu manobras de primeiros socorros a tempo. A lei obriga todas as escolas de educação básica públicas e privadas e os estabelecimentos de recreação infantil a garantir capacitação em primeiros socorros para professores e funcionários, de forma contínua e atualizada. A lei também exige que as escolas tenham kits básicos de emergência e estejam integradas à rede local de atendimento de urgência.