O natal é uma data muito especial e está cercada de simbolismo. Cada povo comemora a chegada do menino Jesus conforme seus costumes e sua cultura, com o simples propósito de lembrar e celebrar a vinda de um personagem que dividiu a história, trouxe uma nova filosofia de vida, pautada na solidariedade, tolerância e amor ao próximo.
Os povos amazônicos têm um jeito bem peculiar de festejar esta data. Foi o que aconteceu em Papagaios, que é o nome de uma localidade do baixo madeira que fica a dez horas de barco da capital Porto Velho. Lá moram cerca de 42 famílias, totalizando aproximadamente 225 moradores. É uma comunidade com hábitos simples, porém ordeira e hospitaleira, que vive basicamente do cultivo da mandioca, macaxeira, banana, melancia, açaí, da pesca, farinha e extração de ouro.
Em minhas andanças pelo baixo madeira, tive o privilégio de participar do encerramento do ano letivo daquela localidade, na qual conheci o Projeto Ribeirinho, através dos seguintes professores: Enir Andrade, Regis Rios-professor de educação física, Eliza Alves Barbosa - diretora do colégio Aquiles Chaves Paraguaçu, Ricardo e Flavio Dutka - professor de história e artista plástico, ex integrante do Coletivo Madeirista do também artista plástico Joesér Alvarez.
Moradores de localidades como Catarina, São José, Santa Rosa, Conceição, Ilha de Assunção e Ilha Nova, começaram a chegar de rabetas, voadeiras e barcos pequenos, com o intuito de participarem da solenidade festiva que seguia uma rigorosa programação, incluindo: Coreografias, apresentações de corais e até a interpretação de “Imagine” de John Lennon. Mas o que chamou mais atenção do publico, foi a peça “Jesus é ribeirinho”.
O anjo Gabriel foi interpretado por um aluno do projeto, que vestido como um típico ribeirinho com chapéu de palha na cabeça, fez o anúncio do nascimento do menino. Maria, já perto de dar a luz, estava vindo simbolicamente de canoa, sendo remada por um caboclo beradeiro representando José. Enfrentando correntezas e fortes banzeiros, a canoa passa em frente a palafita do seu Pedro Lopes, seu Lourival e dona Nair.
Por fim, o casal chegou a Papagaios e foi procurar aconchego para dar a luz, em um abrigo coberto de palha de abacabeira. Hora, todo parto tem que ter uma parteira e para isso, ninguém melhor que dona Raimunda, moradora antiga daquela localidade, que já fez tantos partos quanto dona Safira, parteira lá de Calama. O menino Jesus ribeirinho nasceu e como presente, não recebeu ouro, incenso e mirra, mais sim, presentes regionais como: bananas, açaí, pupunha, tucumã, mamão e cupuaçu. Após a entrega dos presentes, o curumim, foi apresentado a platéia ao som solene de Also Sprach Zarathustra de Richard Strauss. Esse momento foi o máximo, indescritível, alguns não conseguiram conter as lágrimas.
A apresentação da peça “Jesus é ribeirinho”, pode até parecer singela, mas traduz o sentimento e o carinho que as comunidades do baixo madeira tem em preservar os valores cristãos. Sentimentos que aqui na cidade perdemos, porque não temos tempo, andamos ocupados demais com a estressante correria do dia a dia. Como se não bastasse, ainda temos que enfrentar a violência urbana, o caos no trânsito, incertezas e falta de segurança nos superlotados presídios, presos de alta periculosidade em nossa capital, saúde publica na UTI em estado terminal, obras do PAC superfaturadas e paralisadas, políticos corruptos que só nos envergonham e a lei da ficha limpa que não funciona.
Partindo dessa ótica, as pessoas que moram no baixo madeira, têm uma melhor qualidade de vida do que a nossa, que pouco a pouco vamos perdendo nossas raízes culturais, os valores familiar. Que neste natal e no ano novo, possamos fazer uma introspecção, refletir a vida, sermos melhores.
Feliz Natal e um 2011 cheio de realizações
Bosco Cardoso - Jornalista