CRÍTICA - A difícil tarefa de um fã em descer a “sarrafa” no Homem-Aranha 3 - Por: Marcos Souza
ADVERTÊNCIA – Se você ainda não assistiu o filme “Homem-Aranha 3” e pretende assisti-lo, não leia o texto abaixo, que está cheio de spoilers.
Missão difícil para um fã da série cinematográfica do aracnídeo conhecido como “amigão da vizinhança”, mas é um mundo ingrato, injusto e certas tarefas são cruéis de fazer, pois é, “Homem-Aranha 3” periga ser um dos piores filmes do ano e só não o vai, na minha concepção de espectador, por causa das seqüências de ação, que estão entre as melhores já feitas em todos os tempos, com uma belíssima concepção de efeitos digitais e câmera vertiginosas – e o que é melhor, dá para entender o que acontece em meio a profusão de cortes rápidos, música alta e movimentações alucinantes de câmera.
Para quem criou expectativa como eu, a partir do segundo filme da série, uma pequena obra-prima dos filmes de ação – com certeza a melhor adaptação de um super-herói em quadrinhos para o cinema desde “Super-Homem, o filme” (de Richard Donner/1978) -, o “Homem-Aranha 2” tinha o cuidado de ter coerência nas duas situações do personagem, tanto no do herói quanto no homem, Peter Parker, com uma trama bem centrada nas diferenças entre um e outro, com a velha máxima de sua filosofia de almanaque: “com grandes poderes, vem grandes responsabilidades”. Era perfeito, desde a continuidade das pontas soltas no primeiro filme, como a morte de Norman Osborn (pai do seu melhor amigo, Harry, e que culpa o Homem-Aranha por isso), a situação mal resolvida de Peter e Mary Jane Watson, que acha uma solução dramática e romântica ao mesmo tempo, até o conflito interno de Peter entre ter uma vida comum e praticar heroísmo, correndo todos os riscos na busca do reconhecimento pra isso.
Tudo encaixado, até a vilania de Dr. Octopus é bem justificada, mas o que o segundo filme tinha de sutileza, primor de diálogos bem estruturados, com situações limites de humanidade e heroísmo levando o Homem-Aranha ao seu limite, essa terceira parte comete o incrível pecado de querer superdimensionar tudo, deixando de lado a história, a sutileza e, principalmente, a coerência – algum crítico já deve ter escrito isso, mas vale o reforço, o roteiro tem furos monumentais e que fazem o filme descer ladeira abaixo, colocando-o, com razão, como o pior da série. Infelizmente, escrevo isso, com uma dor no coração, pois como muitos fãs do personagem – e eu sou fã mesmo, de colecionar gibis, bonecos, assistir desenhos, etc – me decepcionei.
O filme tem três vilões, Homem-Areia (Flint Marko/Thomas Church), o novo Duende Verde (Harry Osborn/James Franco) e Venon (Eddie Brock/Topher Grace); além de Mary Jane Watson (Kirsten Dunst) aparece (lindamente, diga de passagem) Gwen Stacy (Bryce Dallas Howard) – que nos gibis foi o primeiro grande amor de Peter Parker (Tobey Maguire)– para mexer na relação amorosa de Peter, isso sem contar que as seqüências de ação estão maiores, mais elaboradas e grandiloqüentes, justificando o investimento de 245 milhões de dólares no orçamento (já é o filme mais caro da história).
O roteiro assinado pelo diretor Sam Raimi, o seu irmão Ivan Raimi e o veterano e experiente Alvin Sargent – autor do roteiro do segundo filme – comete alguns erros graves, mas procura o paradoxo de seguir uma seqüência coerente dos argumentos de histórias em quadrinhos, mas parece que esqueceram que estamos lidando com cinema e nem sempre a dinâmica que está nos gibis convence de maneira satisfatória do que se mostra nas telas. Só essa explicação pode justificar erros de falta de sutileza como o fato do sibionte – que dá origem ao uniforme negro e personalidade má do “Aranha” – que vem do espaço cair “coincidentemente” próximo ao local onde Peter está namorando com Mary Jane e o “bicho” acompanhá-lo até dentro do seu apartamento sem que ninguém perceba nada.
E a transformação do ladrão de meia-pataca Flint Marko em Homem-Areia, que coincidentemente (ou acidentalmente) cai dentro de um silo experimental após estar fugindo da polícia, numa área restrita e que se mexe com experiências radioativas. Creio que um local que faz esse tipo de experimentos tem uma segurança diferenciada. Forçou a barra.
Outro detalhe é a explicação ilógica e fora de sentido para que o personagem de Flint Marko, o Homem-Areia, seja o verdadeiro assassino do tio Ben (Cliff Robertson), a motivação que transformou o franzino Peter Parker no Homem-Aranha, combatente do crime. Essa mudança na mitologia do personagem é de fazer qualquer fã querer jogar óleo quente nas costas de Sam Raimi. Sem contar que na seqüência final, quando Flint após quase matar o Homem-Aranha na porrada, confronta Peter para tentar justificar o seu ato de matar o “querido” tio Ben, em meio a lágrimas e pedido de perdão é de lascar.
Por vezes apenas uma fala de personagem justifica toda uma seqüência e trama que deve dar sentido às ações que se desenrolam, como o fato de Venon contactar casualmente o Homem-Areia e dizer que sabe tudo da vida dele, sem que ambos nunca tivessem se encontrado antes, e mesmo assim fazem uma parceria para matar o Homem-Aranha.
Na história do filme os pecados são inúmeros e que beiram o maniqueísmo puro e simples, não que qualquer roteiro não tenha o seu sentido manipulativo, mas “Homem-Aranha 3” comete em série e com, vou me repetir, uma grande falta de sutileza. Por exemplo, nada justifica o Homem-Aranha repetir aquela cena do beijo, que se tornou clássica no primeiro filme, com Gwen Stacy em meio a uma homenagem.
A perda temporária da memória de Harry Osborn é justificada para dar o contraponto na relação conflituosa entre Peter e Mary, como na boa seqüência da cozinha em que Mary e Harry estão preparando uma omelete ao som de “Twist”, de Chubby Checker, mas não justifica quando após o mesmo recuperar a memória voltar com a idéia de vingança sobre Peter Parker e resolve atingi-lo obrigando Mary Jane a romper o namoro com ele. Taí, com que justificativa Mary Jane acaba o namoro? Com a drama lacrimosa que ela cria para romper com Peter, não justifica o ímpeto desse rompimento, pois ela poderia acabar com a “chantagem” – eu suponho que tenha sido isso, pois não aparece ou surge explicação lógica para ameaça que Harry, vestido de novo Duende Verde, faz com ela – simplesmente contando ao “Homem-Aranha”, seu namorado, que estava rompendo com ele por ter sido ameaçada. Simples. Não, pois aí não teríamos o rompimento, o conflito e a queda pelo mal de Peter Parker, ao assumir o uniforme negro (com sibionte).
Difícil ficar impassível diante disso. Impressionante é que uma revisão mais elaborada em cima do roteiro poderia se consertar essas falhas. Mas diante da magnitude que se transformou a série (rendendo milhões de dólares, tornando a franquia mais rentável da produtora Sony) parece que os roteiristas, produtores e o diretor ficaram cegos. Para ter uma idéia essa terceira parte bateu todos os recordes de estréia de um filme no mercado norte-americano e mundial. Até segunda-feira, 14, o filme já tinha uma renda mundial de 650 milhões de dólares, e já está prevista uma nova trilogia do personagem.
Bom, para finalizar, o filme tem muitos defeitos, mas tem suas qualidades também e que acham que o ajudam a não cair tanto assim. Os efeitos especiais são incríveis, as cenas de lutas são fantásticas – o embate final quando Homem-Areia e Venon se unem para derrotar o Homem-Aranha, utilizando Mary Jane como isca é de tirar o fôlego, principalmente quando surge uma ajuda providencial. O fato de praticamente todos os personagens que apareceram nos filmes anteriores estarem presentes; o surgimento de dois personagens essenciais na mitologia do personagem: Capital George Stacy (James Cromwell) e a sua filha, a estudante Gwen Stacy; as ótimas seqüências de humor que o filme apresenta, principalmente com o stressado editor do Clarim, J. J. Jameson (J. K. Simmons), e o maitré francês impagável que atende Peter no restaurante e as boas tiradas do “lado negro” de Peter Parker, principalmente na cena da boate, onde Mary trabalha como garçonete/cantora.
Olha, só para complementar, apesar de ser o mais fraco dos três filmes e talvez seja o filme mais rentável do ano, ainda assim vale uma vista pelo menos. Porém, em comparação, dessa vez eu vou ficar com os gibis para curar a decepção – principalmente da fase da dupla Brian Michael Bendis/Mark Bagley à frente da revista “Homem-Aranha Millenium”, que é excepcional.