O pastor também usa as redes sociais com frequência para falar da corrida eleitoral. Em uma postagem compartilhada no Instagram após o primeiro turno das eleições, Bolsonaro é classificado como "falso cristão". O post cita a relação do atual presidente com a Arábia Saudita e o príncipe Mohammad bin Salman.
"Um cristão não pode se comportar da forma que ele se comporta, seja na forma de falar ou na vida", diz. "Não tem como se dizer cristão e não sentir empatia, se solidarizar ou derramar uma lágrima sequer por quem morreu na pandemia."
Há cerca de duas semanas, o pastor também publicou em suas redes sociais um vídeo adulterado em que o atual presidente afirma que a primeira-dama cumpriu três anos de prisão por tráfico de drogas. Trata-se de um áudio falso, manipulado a partir de uma declaração dada em 2019. Na realidade, Bolsonaro comentava sobre a avó de sua esposa.
Questionado pela reportagem sobre o post, o líder religioso afirmou que não sabia que se tratava de uma fake news quando postou, mas que foi avisado posteriormente. "Já apaguei do meu Twitter, mas alguém da minha equipe deve ter esquecido de deletar do Instagram. Vou verificar", disse. O vídeo foi apagado posteriormente.
Outra liderança religiosa que declarou seu voto em Lula foi o bispo Romualdo Panceiro, ex-número 2 da Universal e atual líder da Igreja das Nações do Reino de Deus.
A Aliança de Batistas do Brasil, uma organização que prega a "livre interpretação da Bíblia", a "liberdade congregacional" e a "liberdade religiosa" para todas as pessoas, também se posicionou a favor do petista, afirmando ser contra o "governo perverso e mau que está no poder".
Lei proíbe propaganda eleitoral em igrejas
Segundo a lei eleitoral, é proibido veicular propaganda eleitoral de qualquer natureza em templos religiosos. Esses espaços são definidos como "bens de uso comum", assim como clubes, lojas, ginásios e estádios.
"Falar bem de um determinado candidato não é propaganda eleitoral, mas comparar dois nomes e dizer, por exemplo, que um representa o bem e o outro o mal, pode ser considerado propaganda", explica o advogado eleitoral Alberto Rollo.
A Lei das Eleições, de 1997, estabelece como propaganda eleitoral não apenas declarações, mas também exposição de placas, faixas, cavaletes, pinturas ou pichações. O mesmo vale para ataques a outros candidatos - a chamada campanha negativa.
O descumprimento da lei pode gerar multa de R$ 2 mil a R$ 8 mil. "A multa é aplicada para quem fez a propaganda ou para o candidato beneficiado", diz Rollo.
O especialista explica ainda que igrejas são consideradas pessoas jurídicas e, pela lei, nenhum candidato pode ser financiado por empresas. Transgressões são consideradas abuso de poder econômico e podem levar ao cancelamento do registro da candidatura ou à perda do cargo.
Veículos ou meios de comunicação social, incluindo os religiosos, também não podem atuar em benefício de candidato ou de partido político.
Segundo Rollo, porém, declarações feitas nas redes sociais pessoais de líderes religiosos não se enquadram na regra. "Os pastores são cidadãos e pessoas físicas, não jurídicas, portanto aquilo que dizem em suas redes sociais pessoais não está sujeito a essa lei. Mas essas declarações não podem acontecer nas redes sociais da própria igreja, por exemplo."
Há também, no Código Eleitoral, um artigo que proíbe o uso de ameaças para coagir alguém a votar, ou não votar, em determinado candidato ou partido, sob pena de reclusão de até quatro anos e pagamento de multa.
'Não vamos votar no novo papa'
Pastores moderados e lideranças religiosas criticam o uso da religião e do palanque de igrejas para fazer campanha e coagir fiéis a darem seus votos para determinados candidatos.
A pastora Romi Bencke, secretária-geral do Conselho Nacional de Igrejas Cristãs do Brasil (Conic), ressalta que para além de qualquer proibição da lei eleitoral brasileira, fazer uso da posição de autoridade, de celebrações ou de canais de televisão religiosos para esse fim não é ético.
"Não creio que seja correto que lideranças religiosas se utilizem de sua autoridade perante os fiéis para estimular votos em candidatos específicos", diz. "As lideranças religiosas são respeitadas, escutadas e têm uma legitimidade em suas comunidades."
Para Valdinei Ferreira, professor de teologia e pastor titular da Primeira Igreja Presbiteriana Independente de São Paulo, há uma linha muito tênue que separa as convicções pessoais de pastores e outros religiosos de seu papel público. "Mas devemos evitar cruzar essa linha e usar a autoridade religiosa para respaldar ou legitimar nossa opção político partidária", afirma.
"Eu me sinto tentado a me pronunciar em alguns momentos, mas resisto a fazer isso na condição de pastor e mais ainda usando o púlpito e o culto."
Ferreira critica ainda o uso de discursos camuflados para apoiar determinadas ideologias políticas a partir de preceitos religiosos. "Há valores tanto da direita quanto da esquerda que são compatíveis com o evangelho. Dizer que cristão não vota em candidatos de uma determinada ideologia é manipulação", afirma.
"No dia 30 de outubro [dia do segundo turno], não vamos votar no presidente de uma igreja ou no novo papa, mas no presidente do Brasil. As mobilizações precisam ser laicas, até porque a pessoa eleita vai governar ao longo de quatro anos um Brasil que é plural em termos de religião", completa Romi Bencke.