Momento Lítero Cultural - Por Selmo Vasconcellos

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ENTREVISTA COM JOESER  ALVAREZ – Porto Velho, Rondônia.

 
SELMO VASCONCELLOS - Quais as suas outras atividades, além de literatura e artes plásticas ?
 
JOESER ALVAREZ - Estou funcionário público a quase três décadas, mas vivo como  artivista, pesquisador, cineasta, ilustrador, ceramista, conforme a ação do momento. Como minha mente é muito inquieta, tenho projetos em andamento em várias mídias,e, a partir do foco em questão,atiro pro lado do vídeo, design gráfico, ilustração, prosa, roteiro, cerâmica, poesia, intervenção, site specific e por aí vai.
 
SELMO VASCONCELLOS - Quando e como você descobriu sua vocação para à literatura e as artes plásticas ?
 
JOESER ALVAREZ - Desde cedo. Tive como incentivadora uma mãe poeta, cantora de coral e artista plástica. Dona Juju (Judith) possuía um programa na Rádio Cultura, em Pelotas, chamado "Boa Noite Amor..." com uma prosa um tanto romântica onde lia alguns textos da própria lavra e a gente ficava ouvindo  sem entender muito aquela coisa de amor, romance, etc...Desde menino, ali pelos, ela nos colocava pra  interpretar poemas na igreja (nessa época eu era evangélico), decorar versículos, etc...Quando ficou divorciada, ao ir trabalhar pela tarde, deixava meu irmão e eu na biblioteca pública infantil, cheia de livros raros, repletos de historietas, brinquedos e coisa e tal. A partir dali, o mundo da literatura só ampliou, e, como a seção fosse contígua à adulta, uns 3 anos depois já estava lendo os compêndios da revista Seleções,  Julio Verne, Dante, Tagore, dentre outros.Fiz meu primeiro livro de poemas aos 18, "Fogo Fátuo" - nunca publicado, mas dei a cara a tapa e concorri ao II Premio Nestlé de Literatura, na década de 80 ainda, quando morei no RS. 
 
SELMO VASCONCELLOS - Quais as figuras marcantes do universo da literatura e das artes plásticas que exerceram de certa forma influências em sua vida como poeta e artista plástico ?
 
JOESER ALVAREZ - Nas artes plásticas, primeiro a mãe, depois todos os outros.Vi desde pequeno, minha mãe mexendo com pintura em gesso, fazendo esculturas em madeira, incentivando a gente a desenvolver nossos talentos.Como tinha vocação pro desenho, comecei a rabiscar desde cedo,ali pelos 5/7, e, aos nove anos de idade já conseguia transferir ao papel qualquer figura que me caísse nas mãos como modelo, só olhando, sem nunca ter frequentado um curso, tudo no lápis, com noções de perspectiva e sombreamento. Nessa idade, parafraseando Picasso, eu desenhava tão bem quanto Rafael ou Michelângelo. Até então,pintura era uma arte menor pra mim. Bom mesmo, eram os traços do Stan Lee, Milo Manara e todos os personagens de histórias em quadrinhos criados por eles, que eu intentava replicar em meus cadernos escolares.Também tive influência da obra de Mestre Vitalino e seus bonecos de barro, que nortearam minhas primeiras esculturas em argila, na época.
 
Mais tarde, no final da adolescência trabalhei numa fundição de ferro e bronze, o que me deu uma certa bagagem técnica,e, nessa mesma época conheci a poesia de Gullar, João Cabral, Drummond, então comecei produzir os primeiros versos. Só fui desenvolver algum talento pra pintura depois dos 33, quando entrei na universidade, já em Porto Velho, no início da década de 90.
 
Costumava fazer painéis e cartazes pra igreja. No curso de História, comecei a me interessar pela história da arte e pela literatura com um leque mais amplo. A partir de então comecei a prestar atenção na obra de Van Goh, Picasso, Monet, Der Stjil, os modernistas de 22, Michelangelo, Da Vinci, nas artes plásticas, e os irmãos Campos, Mallarmé, Baudellaire, Misloz, Pound, Ferreira Goulart, Paz,  na poesia. Na prosa, Garcia Márquez, Galeano e Borges, continuam sendo referências importantes.
 
SELMO VASCONCELLOS - Onde e quando você expôs seus trabalhos literários e artísticos dentro e fora do país?
 
JOESER ALVAREZ - Só de festivais de cinema foram mais de 200, sendo meu trabalho conhecido mais fora do que dentro do Brasil. Já participei de eventos nos EUA, Cuba, México, Argentina, Equador, Colombia, Venezuela, Espanha, Itália, India, Bielorússia, Ucrânia, Rússia, Japão, Inglaterra, Alemanha, Grécia, Filipinas, Bálcãs, enfim, perdi a conta dos lugares. Viajei pra cá e pra lá algumas vezes, não tantas quanto gostaria,e no entanto, mais do que esperava.
 
SELMO VASCONCELLOS - Qual (is) o(s) impacto(s) que propicia(m) atmosfera(s) capaz(es) de produzir poesia e a arte de pintar ?
 
JOESER ALVAREZ - Para mim, o impacto da distopia é sempre o mais pródigo. O insight  pode chegar a qualquer momento e em qualquer ambiente e ir da mediocridade à obra prima. Depende do lugar e do ar que se respira.Em geral, trabalhar sob pressão, é extremamente estimulante.Mas tem também o momento de depressão, onde a última bóia nos salva de nós mesmos e/ou do mundo que não cabe mais.Esse momento de criação é vivo, ninguém controla os bósons do insight.Ou como diria a poeta Cátia Cernov de outra forma: "- Que venha a santa embriaguês."
 
SELMO VASCONCELLOS - Qual mensagem de incentivo você daria para os novos poetas e artistas plásticos ?
 
JOESER ALVAREZ - Leiam muito, vejam muito e absorvam tudo o que puderem. Pratiquem todas as técnicas aprendidas em dobro.Depois, e só depois de ter toda essa "bagagem", com fé em si e no que sabem fazer, deem a cara à tapa e vão à luta. Larguem desse papo velho e manjado que muitos artistas entoam, de ficar chorando atrás de verba pública pra produzir, publicar, expor. Como diria Picasso: "um poeta não deve depender de apoio do Estado, porque a arte que faz (quando é arte) é contra o sistema que o Estado defende" - a arte deve depender de um único tipo de estado: o de espírito.A cultura digital está aí pra quebrar esses paradigmas.
 
SELMO VASCONCELLOS - Com os novos recursos oferecidos pela informática, como você vem realizando experiências com a poesia digital ?
 
JOESER ALVAREZ - Comecei minha aventura c/ poesia digital com o grupo Fronteiras 2001, um coletivo de artistas linkados em rede a partir de uma iniciativa da artista Regina Célia Pinto juntamente com os artistas Marcelo Frazão e Paulo Vilella,no Rio de Janeiro, cujos nodos estavam distribuídos também por Nova York (Hellenice Dornelles),Valparaíso (Nilda Saldamano),São Paulo (Jorge Luis Antônio) e Porto Velho.Fizemos alguns experimentos com net.art e hipertexto, e, dessa experiência surgiram os primeiros poemas visuais e videopoemas. Participei da II Mostra Interpoesia em 2002, e depois disso, de vário festivais de arte eletrônica nos quais minha poética se encaixou.
 
SELMO VASCONCELLOS - Qual é a importância da música para o seu trabalho poético e artístico?
 
JOESER ALVAREZ - Tive uma formação clássica em música. A partir dos 9 anos de idade, passei 5 anos em conservatório musical, tocando Bach, Chopin, Mozart, Beethoven, fazendo ditado e solfejo (argh!). Um  tempo depois aprendi a tocar violão, aprendizado que não terminou ainda, então a formação musical ajudou muito a ter ouvido pras trilhas sonoras que iria compor mais tarde. Ultimamente, com trabalhos ligados à cultura surda, é que tenho de repensar a questão, mas é um caminho novo a ser feito no percurso de forma experimental, sempre.
 
SELMO VASCONCELLOS - O que aconteceu com a poesia e a pintura, quando lhe deram o adjetivo digital?
 
JOESER ALVAREZ - A partir do momento em que começaram a ser transportadas ao numérico, a cultura digital passou a utilizar-se das diversas mídias possíveis e pensáveis pra reinventar novas maneiras de se pensar e fazer as diversas manifestações artísticas, o que, por um lado, não eliminou, mas, no dizer de Jorge Luis Brea, "fez esfriar a aura" da obra de arte, que, da era da  reprodutibilidade técnica, passou à telemática. Em que pese o nariz torcido dos praticantes das antigas técnicas para as novas, essas trouxeram a possibilidade de acesso a um público muito maior, tanto de criadores como de leitores e colecionadores. Ou seja, aumentou o potencial quantitativo. mas é de domínio público que só o qualitativo torna-se permanente.
 
SELMO VASCONCELLOS - Qual é o seu grande objetivo ?
 
JOESER ALVAREZ - O desapego - amplo, geral e irrestrito.
 
Direito ao esquecimento

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