O mundo simbólico das águas – por Marquelino Santana

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As populações tradicionais e originárias da Amazônia brasileira não abdicam ao direito de viverem entrelaçadas ao simbólico mundo de seus lugares e às suas divinais ancestralidades e representações cosmogônico-mitológicas dos estetizantes e embelecidos modos de vida suntuosamente imbricados no frescor das águas.
 
Sobre o frescor das águas, Gaston Bachelard - filósofo francês de Bar-sur-Aube – nos diz que a todos os jogos das águas claras, das águas primaveris, cintilantes de imagens, é preciso acrescentar um componente da poesia das águas: o frescor. Para o geógrafo francês Erich Dardel, as águas, pela sua mobilidade, pelo salto soletrado da corrente e pelo movimento ritmado das vagas, elas exercem sobre o homem uma atração que chega à fascinação.
 
Essa fascinação harmoniosa e embelecida das águas amazônicas que briosamente preenchem as veias dos rios, também se estendem a outros mundos, a outros espaços e a outras vidas. João de Jesus Paes Loureiro nos esclarece que o rio é o fator dominante nessa estrutura fisiográfica e humana, conferindo um ethos e um ritmo à vida regional. Segundo Loureiro, dele dependem a vida e a morte, a fertilidade e a carência, a formação e destruição das terras, a inundação e a seca, a circulação humana e de bens simbólicos, a política e a economia, o comércio e a sociabilidade.
 
Para o sociólogo brasileiro Octavio Ianni, a Amazônia está no imaginário de todo o mundo, como a vastidão das águas, matas e ares; o emblema primordial da vida vegetal, animal e humana; o emaranhado de lutas entre o nativo e o conquistador; o colonialismo, o imperialismo e o globalismo; o nativismo e o nacionalismo; a ideia de um país imaginário; o paraíso perdido; o eldorado escondido; a realidade prosaica, promissora, brutal e uma interrogação perdida em uma floresta de mitos.
 
Nambu Macurap fez os rios Guaporé e Mamoré riscando com os pés, enquanto que Paricot Aruá encontrou o olho da água com o pauzinho e furou até abrir. A água correu pelo mundo e deixou o Guaporé mais largo e o Mamoré mais violento. Kuraherinoti Jabuti é também o dono da água, a água é tampada com uma pedra e é distribuída aos homens conforme a sua vontade. Wawãpod Ajuru também era dono dela, e regrava a água com uma cobra que era uma espécie de torneira, tendo muito cuidado com a sua distribuição.
 
À humanidade coube o dever de cuidar da água e dela arrancar o seu sustento. A água precisa ser utilizada sem mácula, sem aversão, sem execração, sem infortúnio e sem belicosidade. A dadivosa água está sendo defraudada, os rios maviosos e inefáveis estão sendo extirpados, os saberes originários estão sendo hostilizados, enquanto as nossas vidas estão sendo exauridas diante do impropério e da incúria ardilosa da derrocada humana.
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