Realidades numa chuva de agonia – Por Professor Nazareno

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Segunda-feira modorrenta de mais um novembro sem perspectivas, nublada e quente, eu ainda estressado depois de uma noite mal dormida por causa de enxames de carapanãs famintos por sangue e ainda com muitas redações para corrigir, resolvo dar uma voltinha pelas ruas fétidas da cidade. De repente, não mais que de repente, cai uma colossal chuva que mais se parece com o Dilúvio Universal. Durante mais de três horas seguidas, São Pedro, como se estivesse querendo se vingar não se sabe de quê ou de quem, “abre suas fartas e pouco santas torneiras” sobre a frágil aglomeração urbana sem dó nem piedade. É água jorrando sem controle por todo lado. Bueiros entupidos, ruas alagadas, água podre, fedorenta e contaminada invadindo casas e comércios, pessoas molhadas e ensopadas tentando se proteger do inevitável. O caos sem controle.    
Assim é, foi e sempre será a minha cidade: amaldiçoada em qualquer tipo de tempo. Um lamaçal só, apesar das promessas mentirosas feitas na última campanha eleitoral de acabarem com os nossos alagamentos tão frequentes e até já familiares. Ainda não choveu merda desta vez, como já é esperado há muito tempo por aqui, mas havia fartura do “indesejável produto humano” boiando no meio das ruas tomadas pela lama. Tapurus oriundos das poucas sarjetas competiam num fictício torneio urbano de natação com aranhas peçonhentas, enormes sapos cururus, lacraias, sanguessugas, ratos graúdos, baratas e muitas outras pragas. Ao lado de seres humanos, veem-se fossas cheias até o gargalho dando o tom catinguento à paisagem urbana de uma capital “sem eira nem beira” e completamente abandonada pelas suas autoridades de mentirinha.
Deprimido com o cenário de guerra e desespero geral por causa do aguaceiro, quero sair daqui o mais depressa possível e me refugiar em outro inferno que seja mais ameno. Quero conhecer outros demônios que talvez sejam melhores do que os nossos políticos e administradores. Quero assistir no “maior teatro sem alvará do Brasil” a uma peça de humor nem que seja negro e que não me permitem. Quero passear à noite na ponte sem iluminação. Quero comer a farinha d’água que não foi subsidiada por essa ponte do Madeira. Quero, enfim, viajar até para fora do país a partir de um aeroporto que “é internacional, mas não é”. Serei obrigado a encarar a “decoração natalina” da cidade, a provável epidemia de dengue e outras doenças? Esperarei calado pelo novo escândalo na Câmara de Vereadores ou na Assembleia Legislativa do Estado?               
Enquanto isso, a chuva não para e as alagações continuam inclementes. Cachoeiras e mais cachoeiras de dejetos fazem o horroroso espetáculo pluvial. E entre as pessoas próximas à rodoviária da cidade e também nas principais ruas do centro, que esperam inutilmente a chuva passar, encontram-se mais bostas boiando e serpenteando entre lixos, crianças, homens, mulheres e monturos. A Rua da Beira, avermelhada de tanta lama, está afogada num rali de lodo, lama, imundícies e água contaminada. A desolação está pelos quatro cantos da capital. No entanto, viam-se inexplicavelmente muitas pessoas alegres e sorridentes como que festejando o resultado das últimas eleições no Estado ou se preparando para as votações de 2016 para prefeito da cidade. Indiferente a tudo e a todos, São Pedro continuará seu trabalho, mesmo que corpos desapareçam sob a água torrencial que nunca foi novidade para ninguém por aqui.
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