Vó Inácia não tinha brechó por Andrey Cavalcante

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Mas era, sem dúvida alguma, uma mulher empreendedora, muito à frente de seu tempo. Ela colecionou histórias de sucesso empresarial, com destaque para o comércio. Sem descuidar da elegância, do pioneirismo e, especialmente, da educação de filhos e auxiliar na dos netos. Sua amada lembrança é, para a saudade que emoldura meu espírito, tão permanente quanto foi aquela, imortalizada nos versos de "Minha Avó Tinha Brechó", poema do igualmente imortal (sem fardão) Carlos Drumond de Andrade. Versos que me vem à mente a cada momento em que a saudade angustia ou que seus ensinamentos me orientam sobre como prosseguir, que escolha fazer ou que atitude tomar. 
 
Eles estão lá, indispensáveis como a lembrança de sua presença, mesmo quando se completa um ano de sua retirada desse plano de existência, Vó Inácia, neste 21 de janeiro. Como nas "Memórias" de Drumond, os versos ensinam que: "Amar o perdido / deixa confundido / este coração./ Nada pode o olvido / contra o sem sentido / apelo do Não./ As coisas tangíveis / tornam-se insensíveis / à palma da mão./ Mas as coisas findas,/ muito mais que lindas,/ essas ficarão". Minha avó, Maria Inácia da Silva, é uma dessas coisas lindas. E perenes. 
 
Com ela aprendi, muito cedo, que o planeta terra não deixa necessariamente de girar por minha causa, como até naturalmente imaginam os jovens. Mas era uma dessas pessoas "sentipensantes", na classificação de Eduardo Galeano, que chama assim aos que não separam a razão do coração: "Pessoas que sentem e pensam ao mesmo tempo. Sem divorciar a cabeça do corpo, nem a emoção da razão". Já escrevi - e insisto - que tive a felicidade de conviver com isso por toda a minha vida, na companhia de minha mãe, Lurdinha Cavalcante, e minha saudosa avó, Inácia. 
 
Duas personalidades excepcionalmente fortes e no entanto capazes de aplicar dosagens perfeitamente equilibradas de racionalidade e amor a cada manifestação, a cada escolha, cada decisão.  Em cada gesto, afinal. Minha avó literalmente encarnava, como personagem, o tipo de pessoa que certamente inspirou J. R. R. Tolkien a sentenciar: "Não despreze a tradição que vem de anos longínquos; talvez as velhas avós guardem na memória relatos sobre coisas que alguma vez foram úteis para o conhecimento dos sábios". Estou certo de ser esta uma virtude comum a cada mulher, cada mãe e muito especialmente, a cada avó.
 
Nascida em Manaus, criada até a adolescência em Xapuri. Filha de Maria dos Anjos, portuguesa de serra da estrela, minha avó Inácia foi pioneira em Rondônia!  Foi a primeira mulher a dirigir um automóvel em Porto Velho. Coisa que demonstra sua capacidade de romper obstáculos e estabelecer novos paradigmas. Tudo isso sem descuidar da beleza, da elegância, do trabalho e especialmente da generosidade. Junto com meu avô Enéas, empresário pioneiro, instalou, na Rua Henrique Dias a Casa Manicoré, para comercializar materiais de construção e garimpo.
 
Foi com a senhora. Vó Inácia, que aprendi a confiar mais nas pessoas, a batalhar pelos meus objetivos e não desistir dos meus sonhos. Foi a senhora que me ensinou a acreditar no amor e fazer tudo sempre em busca de ajudar os outros. E aprendi mais, e melhor, pelos ensinamentos terem sido embalados em elevadas dosagens de carinho e paciência, transbordantes de amor e atenção. 
 
Há coisas na vida que somente a experiência é capaz de proporcionar. Sua forma serena de encarar o mundo, Vó Inácia, me permitiu saber, por exemplo, que o amor compartilhado não esgota a fonte. E nada mais feliz do que conhecer a vida por seus exemplos. Parece que somente você é capaz de compreender meus erros e aplaudir meus acertos.
 
Obrigado para sempre, minha amada Vó Inácia!
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