Nesse país injusto, onde prosperam em solos férteis as ervas daninhas e sobrevivem em terras áridas as plantas virtuosas, onde, nas palavras do visionário jurista Ruy Barbosa, na sua célebre “oração aos moços: “de tanto ver agigantarem-se os poderes nas mãos dos maus, o homem chega a desanimar da virtude, a rir-se da honra, a ter vergonha de ser honesto”, sempre imperou a impunidade dos grandes, no linguajar popular, dos “tubarões”. Só são punidos os “peixinhos”.
A impunidade dos grandes é histórica e parece que só mudam os anos. Os fatos se repetem.
“Quase um século após o descobrimento do nosso Brasil, o rei designou a responsabilidade das obras do governo a um português chamado Pero Borges. E, logo em sua primeira grande obra, um aqueduto, o dinheiro destinado pela Coroa sumiu antes do término da empreitada. Pressionado pelos protestos do povo, o rei condenou Pero Borges a devolver metade do dinheiro recebido, e a cumprir 3 anos de prisão pelo delito.
Surpreendentemente, esse mesmo rei, um ano depois, mandou soltar o tal do Pero Borges e, ainda, o promoveu a ministro. Pasmem, Pero Borges foi empossado como o primeiro ministro da Justiça do Brasil. Em virtude desse fato, e de outros da nossa História, há uma citação, no referido livro, de que a burocracia, a corrupção e a impunidade do Brasil têm origem na Cultura Ibérica e no Poder Judiciário. (O Globo Opinião – 11/07/2008).”
Atualmente, dois recentes fatos chamam a atenção pela repercussão na mídia nacional e local, respectivamente: a declaração da corajosa ministra Eliana Calmon, afirmando que o Judiciário está cheio de bandidos togados e a prisão em flagrante pela justiça de Rondônia, por vários crimes, do presidente da Assembléia Legislativa Do Estado, deputado Valter Araújo e alguns de seus comparsas, na operação Termóphilas, da Polícia Federal.
No caso de Rondônia, o rico deputado ficou poucos dias na cadeia. Foi solto por ordem monocrática de uma ministra do STJ (Superior Tribunal de Justiça).
Esses episódios evidenciam uma realidade que poucos tem coragem de falar: os maiores bandidos estão escondidos atrás de um alto cargo na polícia, na política, no judiciário, nos templos, etc.
Historicamente, os tubarões sempre foram protegidos pelo sistema vigente, com seus altos cargos ou seu poder econômico.
“Mesmo aqueles que, por credo, deveriam andar com retidão, por vezes, quando detém o poder, filósofos e falaciosos, do alto de seus capitéis ou sentados em suas poltronas, abandonam seus cinzéis e alinham seus canhões contra o povo. Nepotistas, nomeiam asseclas de sangue e de grau. Irresponsáveis, entregam a fazenda do povo nas mãos de larápios. Injustos e sem noção de austeridade, dispensam tributos bilionários dos grandes enquanto arroxam os pequenos. Nocivos à sociedade, roubam vidas e ceifam esperanças.”
Mas o pior, o momento vil, o desfalecer da última esperança, é quando a bandidagem atinge o judiciário – depositário das derradeiras soluções do povo.
O ciclo do mal se fecha e a estilência institucional paira sobre o povo quando a corrupção interage nos 3 poderes – Executivo, Legislativo e Judiciário, por vezes, sob a proteção dos cães de guarda do sistema – a cúpula da segurança pública, diga-se, das polícias civil e militar. O filme documentário “Tropa de Elite 2” retrata bem essa realidade, que certamente, não é exclusividade do Rio de Janeiro.
A crítica da ministra Eliana Calmon, corregedora do Conselho Nacional de Justiça – CNJ, foi explícita e balançou a velha estrutura corporativista do judiciário, poder tecnicista, conservador e fechado ao povo.
A revista Veja da edição daquela semana citou vários casos e nomes de componentes de Tribunais superiores, entre os quais, o ministro Paulo Medina, do STJ, envolvidos em corrupção e que tiveram, até agora, como punição, a aposentadoria compulsória, com salários integrais.
Em entrevista posterior, a ministra enfatizou que os bandidos do judiciário via de regra, não habitam o primeiro grau, diga-se, os juízes iniciantes – até porque ostentam pouco poder de decisão, uma vez que suas sentenças são objetos de recursos para os instâncias superiores – mas sim, os Tribunais Superiores.
A Ministra Eliana Calmon, baiana de Salvador, corajosa e íntegra, cumpre com dignidade seu papel como corregedora do CNJ, numa atuação sem precedentes e que encontra resistências severas no secular corporativismo do judiciário.
Francisco das Chagas Barroso
Bacharel em Direito – Pós graduado em Direito Público