Já está disponível no catálogo do serviço de streaming da Netflix o novo filme da documentarista Petra Costa, “Apocalipse Nos Trópicos'” (2024), filme que teve a sua estreia muita comentada e ótima repercussão no Festival de Veneza de 2024.
Não vou ater uma crítica apresentando muitos detalhes do que é mostrado nesse documentário muito bem realizado, mas ressaltando o notável trabalho da diretora em captar imagens, a pesquisa e imagens de arquivo - como a construção de Brasília, por exemplo - e realizar entrevistas que capturam alguns momentos políticos mais impactantes da era pré-Bolsonaro presidente até a quebradeira no motim contra a democracia que ocorreu em Brasília no dia 08 de janeiro de 2022.
A narrativa de acontecimentos segue uma ordem cronológica bem moldada por Petra, que faz um retrato social e político conciso, porém bem explicativo sobre a influência das igrejas evangélicas na política brasileira, principalmente ao criar um forte e sólido grupo de parlamentares que ditam ou tentam influenciar nas pautas que beneficiem a extrema direita e refutem os progressistas.
Desde o início somos apresentados a figura messiânica do pastor Silas Malafaia e como o seu exercício de influência ao romper com o PT recai sobre a ascenção política da extrema direita ao propor desígnios conservadores e que quebrem o paradigma da gerência federal progressista com pautas sociais, que são vinculadas a ajudar, principalmente as minorias menos favorecidas.
A cineasta Petra Costa apresenta um texto enxuto para a sua narração, mas profundo na observação jornalística em dar suporte ao que é mostrado, principalmente nos trechos que antecedem as entrevistas.
Ela não tem medo de focar o seu olhar a atos capitais da política brasileira dos últimos anos, principalmente em como um deputado federal de pouca repercussão, Jair Bolsonaro. conseguiu cria uma metástase de influência popular a partir do momento em que é abraçado pelo pastor Silas Malafia e na sua conversão à igreja evangélica.
Na abertura do documentário Petra conseguiu fazer imagens e entrevistas impressionantes do Congresso Nacional, como a do deputado federal Cabo Daciolo, então pastor, dentro do pleno da Câmara Federal a fazer um círculo de oração com seus obreiros e abençoar as cadeiras dos parlamentares.
A liberdade desses obreiros e como a agenda improvisada de orações, pequenos cultos patrocinados por deputados evangélicos, adentrou o Congresso como uma febre que vai aos poucos tomando conta, acaba criando um vínculo indivisível com pautas conservadoras e um crescente brilho da ascenção da igreja cristã dentro parlamento.
As entrevistas de Silas Malafaia são perpetradas de verdadeiros clamor de poder de influência e como ele comanda de fora o crescimento de deputados para a chamada “Bancada evangélica”, e em seus pronunciamentos públicos brada que o “Brasil não vai ser mais um país LAICO, e sim Cristão”, apontando para o então candidato à presidente Jair Bolsonaro como o presidente escolhido para um Brasil “ideal” com valores de família, pátria e Deus.
O documentário é preciso ao mostrar o afastamento de Luís Inácio Lula da Silva das eleições de 2018, dado como favorito nas pesquisas, e a chegada da Operação Lava Jato, através de procurador de Curitiba, Dalton Delagnol, e a permissividade de um juiz que ficou notório, Sérgio Moro, depois ministro da Justiça do presidente Bolsonaro. Essa operação acusou, julgou e prendeu Lula - ele não foi para nenhum presídio, mas ficou detido por 580 dias (1 ano, 7 meses e um dia) em uma prisão na sede da Superintendência Regional Polícia Federal do Paraná, em Curitiba.
A diretora então mostra os detalhes da campanha de Bolsonaro, desde a pregação de ódio contra o PT e outros partidos progressistas, a comemoração pela prisão de Lula, o crescimento popular com os evangélicos criando um fanatismo religioso perpetuado em notícias falsas e ilações espalhadas em grupos de redes sociais - fator esse prepoderante como uma das chaves de virada para as eleições.
Até mesmo a “facada” que sofreu Bolsonaro foi o suporte necessário para a sua vitória certa, com Silas Malafaia pregando dentro do quarto onde ele recuperava.
A partir da vitória na eleições e a sua posse, o documentário mostra que Malafaia acompanhou todo o processo, já promovendo uma grande catarse em torno do presidente que ele escolheu. O crescimento de parlamentares conservadores e muitos evangélicos, ajudou a dar o suporte político a Bolsonaro.
Não vi momentos mortos no documentário, pois Petra consegue expandir o que foi a expansão do poder evangélico a partir de decisões dos EUA nos anos 60, com medo do Comunismo e da vinculação da igreja católica ao socialismo na América do Sul, em especial o Brasil. O país do Tio Sam acabou patrocinando o golpe de Estado em 1964 e depois apostando alto com o lobby estadunidense chamado The Family, acabou enviando missionários ao Congresso Brasileiro. Apontado em sua pesquisa e na narrativa: “para evangelizar congressistas, desde os anos 60 até o fim da ditadura militar”.
Obrigatório assistir como esse poder de influência desenhado desde os anos 60 encontrou forte retorno com o governo do Jair Bolsonaro e como a figura centralizadora de Malafaia foi importante.
O documentário expõe os momentos de crise com negacionismo do Governo no período da pandemia da Covid 19, o recuo popular, porém dando voz a pessoas ilibadas no exercício do conservadorismo, muitas vezes retrógrados. Vai de cada um entender o que é mostrado.
Mas acredito que o documentário se torna muito importante ao verificar falhas dos partidos de esquerda em se distanciar dos evangélicos, mas com a soltura do Lula e a sua elegebilidade para a presidência, em como essa fórmula de estreitar laços com a igreja evangélica só foi possível ao aceno de algumas congregações que não comunhavam com as ideias de Malafaia e suas pautas antisociais.
No terço final do documentário vamos verificar a disputa eleitoral de Lula contra Bolsonaro, as vitória, como isso foi um estopim para a tomada da frente dos quarteis pelos eleitores da direita, como a violência, o cunho político de extremismo transformou o Brasil num paio de pólvora preste a explodir.
E explodiu no dia 08 de janeiro.
Vale a pena assistir esse filme, um importante documento e registro de um Brasil que faz história. Petra segue do lado certo da história, como testemunha de uma época de turbulência nunca antes vista no país.