BAIXIO DAS BESTAS: Filme polêmico sobre exploração de menor e violência no sertão brasileiro - Por Marcos Souza

BAIXIO DAS BESTAS: Filme polêmico sobre exploração de menor e violência no sertão brasileiro - Por Marcos Souza

Foto: Reprodução

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O diretor pernambucano Cláudio Assis adota um formato de cinema contemporâneo que se destaca por retratar, de forma crua, o cerne do habitat peculiar das pequenas cidades interioranas do sertão. Seus filmes exploram as corruptelas do caráter, os dramas cotidianos e um universo onde personagens populares coabitam um ambiente geralmente machista, bruto e imediato — sem qualquer tentativa de suavização, com cenas fortes e explícitas de violência íntima, dentro de um contexto de degradação, perdição e abuso.
 
Assis já havia deixado uma assinatura artística marcante com seu primeiro longa, “Amarelo Manga” (2003), uma produção de baixo orçamento, mas de enorme potência estética e narrativa.
 
“Baixio das Bestas”, seu segundo longa-metragem, lançado em 2006, é, sem dúvida, uma das obras que mais intensamente retrata as características do povoado sertanejo. O filme descreve o cotidiano de uma comunidade em uma pequena cidade da Zona da Mata pernambucana, cuja economia gira em torno das plantações de cana-de-açúcar e do fluxo de caminhoneiros que utilizam o único posto de combustível da localidade como ponto de parada.
Nesse microuniverso, Assis consegue construir um drama social e familiar ao colocar em cena a situação que dá título ao filme. O “baixio” é um local ermo, situado nos fundos do posto de combustível, um espaço escuro, iluminado por uma única lâmpada presa a um poste isolado.
 
 
É ali nesse cantinho, que um idoso, Heitor (ótimo Fernando Teixeira), leva a sua neta de 16 anos, Auxiliadora (Mariah Teixeira, excelente atuação), para se despir e ficar exposta nua para um grupo de homens, geralmente caminhoneiros e viajantes, que se divertem olhando e para tocar (somente isso) precisam pagar um valor ao velho. Esse é um dos meios mais seguros do seu Heitor ganhar dinheiro às custas da neta. 
 
Porém, entre os espectadores, está o estudante Cícero (Caio Blat), cria da cidade, que foi estudar fora e agora voltou, ele é de uma família tradicional de classe média, e acaba desenvolvendo um desejo secreto por Auxiliadora.
 
O diretor constrói um roteiro sem ser unidimensional, porém aleatório (imprevisível) — sem se fixar em um personagem principal, mas distribuindo o protagonismo entre vários —, com o objetivo de realizar um estudo de comportamento social. Ele não se aprofunda na história de vida de cada personagem, mas deixa evidente como as atitudes de cada um refletem e reforçam o imediatismo brutal daquela pequena cidade. Ali, os jovens se divertem em cabarés, e as mulheres são tratadas com constante desrespeito, dentro de uma lógica de patriarcado estrutural — bem exemplificada na relação de Cícero com sua própria mãe, no modo como ele a trata.
 
Para piorar, há ainda um moralismo latente, que parece funcionar como uma justificativa para que até as condutas mais equivocadas e abusivas sejam vistas como aceitáveis dentro daquela míriade de erros.
 
O velho Heitor, que vive cobrando respeito e um comportamento adequado da neta dentro de casa e perante os vizinhos, é o mesmo que a explora como mercadoria barata, exibindo seu corpo para um grupo de marmanjos.
 
 
Ao mesmo tempo, o filme nos apresenta dois polos distintos, que vão da vilania ao bom mocismo.
 
Com Everardo (Matheus Nachtergaele, sempre impecável), temos o retrato do mal. Amigo de Cícero, ele sustenta uma psicopatia sexual hedonista, frequentando constantemente o cabaré, entregue a bebedeiras e orgias. Acaba se envolvendo com a prostituta Bela (Dira Paes, em atuação destemida e sem pudores), que nutre o sonho de juntar dinheiro e fugir daquela cidade.
 
O bom mocismo fica a cargo de Maninho (Irandhir Freitas), vizinho que mora ao lado do velho Heitor — que nutre um profundo ódio pelo rapaz, acusando-o de preguiçoso e vagabundo. Maninho trabalha na escavação de uma fossa, trabalha no canavial e demonstra carinho por Auxiliadora, embora saiba que o avô dela a maltrata e, infelizmente, nada possa fazer para ajudá-la.
 
O filme não se aprofunda na construção dos personagens, e algumas situações ficam em aberto ou apenas sugeridas. Ainda assim, a força da mensagem é brutal, transmitida por meio de sequências extremamente impactantes — que, por escolha, não cito aqui —, nas quais se coloca em xeque a condição da mulher desprotegida, vulnerável e sem perspectiva de vida.
 
 
Não há espaço para metáforas: o filme opta por um realismo cru, que, em outros contextos, poderia até se aproximar de uma poesia trágica, não fosse a dureza absoluta dos crimes e das violências retratadas.
 
Assis consegue extrair momentos sublimes, valorizando elementos da cultura e do folclore da região, como na representação — ainda que breve — da festa do Maracatu. No entanto, é na parte técnica, especialmente na fotografia excepcional — assinada pelo brilhante diretor de fotografia Walter Carvalho (responsável por obras como “Abril Despedaçado”, “Terra Estrangeira” e “Central do Brasil”) —, que o filme revela sua maior força. São momentos inesperados, mas de beleza plástica indiscutível, que podem ser interpretados até como certo preciosismo visual: o banho de Auxiliadora, o pôr do sol na mata, os trabalhadores nos canaviais, a estrada, e até as sombras projetadas nas paredes de um velho cinema, mostrando uma cena de violência sexual.
 
Um aspectoimpressionante no trabalho do diretor Cláudio Assis é sua capacidade de produzir cinema com baixo orçamento, sem abrir mão da qualidade.
Ele consegue dar uma dimensão estética e dinâmica utilizando cenários naturais, além de contar com um elenco que mescla atores consagrados — como Dira Paes e Matheus Nachtergaele, que também atuaram em seu primeiro longa, “Amarelo Manga” —, e de investir fortemente na excelência da pós-produção. A trilha sonora, a cargo do músico Pupillo — ex-integrante da banda Nação Zumbi e produtor musical de grande prestígio no Nordeste —, aliada a uma edição de som cuidadosa e ao tratamento meticuloso da fotografia, reforçam a potência estética do filme.
 
 
“Baixio das bestas” é um dos mais premiados filmes brasileiros dos últimos anos, com prêmio de melhor fotografia para Walter Carvalho no “Trófeu APCA 2007”. Recebeu o prêmio Tiger Award de 2007, do Festival Internacional de Cinema de Rotterdam e fez um arrastão de prêmios no Festival de Cinema de Brasília em 2006, um dos mais tradicionais do país, onde recebeu os prêmios de melhor Filme (tanto Júri Oficial quanto Crítica), atriz para Mariah Teixeira (a Auxiliadora), ator coadjuvante para Irandhir Santos, Dira Paes recebeu o de atriz coadjuvante. O filme ainda foi premiado pela trilha sonora do músico Pupilo. 
 
“Baixio das bestas” está disponível no catálogo de streaming da Imovision - que integra o pacote da Prime Vídeo.
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