Dentro da série de artigos críticos dos 50 anos de lançamentos de filmes importantes nos cinemas, destaco “Um dia de cão” (Dog day afternoon – 1975), do diretor Sidney Lumet, com Al Pacino e John Cazale como protagonistas de um assalto mal sucedido em um banco no Brooklyn. Baseado em fatos reais, a partir de um artigo jornalístico da época.
Esse é uma das mais notáveis produções a respeito de um assalto já feito pelo cinema, mas nas entrelinhas, ainda que baseado em um fato real, é também um libelo urbano realista do período político e social que estava ocorrendo nos EUA naqueles primeiros anos 70.
Reassistindo percebo que se trata de um filme atualíssimo, contemporâneo e que mesmo num período sem internet ou redes sociais, tinha um tratamento de efeito midiático absoluto, pois a mal sucedida intenção do roubo, a confusão provocada acabou resultando no cerco da polícia ao local, com a imprensa presente – TV e rádio principalmente -, além de espectadores de ocasião testemunhando o fato, entre estudantes, donas de casa, pessoas comuns, vendo nos bares ou barbearias a transmissão ao vivo do que estava acontecendo.
“Um Dia de Cão”, tem como base a história de John Wojtowicz, homem gay, que com a ideia de ajudar sua esposa, uma mulher transgênero, a fazer uma cirurgia de mudança de sexo, decidiu assaltar uma filial do Chase Manhattan Bank, em Gravesend, Brooklyn. E a consequência do seu erro provoca uma celeuma sem precedente.No dia do assalto o dinheiro do cofre não estava mais guardado, pois tinha sido transferido via caixa forte horas antes, ficando uns trocados que não lhe ajudavam muito para o seu intento.

O diretor e um dos roteiristas do filme, Sidney Lumet, pegou o gancho do assalto para destilar através dos personagens Sonny (Al Pacino) e Sal (John Cazale), conseguir transitar em pautas daquele período inicial dos anos 70, como as tensões provocadas antes da trégua na Guerra do Vietnã, a condução política e investigativa do escândalo de Watergate – que acabou provocando a renúncia do presidente Richard Nixon -, e o massacre no presídio de Áttica, movimento policial ocorrido num centro de correção que acabou em tragédia e ocasionou a morte de 42 pessoas. A ação da polícia foi muito criticada pela opinião pública, desmoralizando a sua condução no caso. Aqui isso é citado por Sonny quando confronta a polícia fora do banco cercado, e ele grita “Áttica, Attica!” – uma cena emblemática.
Os fatores que transformaram “Um dia de Cão” em um clássico quase instantâneo foi o talento do diretor Lumet na forma como escreveu o roteiro e fez o filme, uma crônica violenta e com um humor improvável às vezes que parece involuntário, a começar pelo fato dos dois assaltantes perder um terceiro parceiro, que se acovardou e fugiu logo no início, deixando para Sonny e Sal a ação do delito. Claramente vemos que são amadores. É um estudo de personagens vigoroso, pois logo simpatizamos com os assaltantes em vista do que é mostrado. As motivações do assalto depois revelada, faz com que tudo se humanize e é até ousado para a época, num período em que o cinema mais conservador não permitia debates ou mostras de assuntos polêmicos vir à baila.
No assalto, quando percebem que o plano deu errado, resolvem fazer reféns os clientes do banco, cerca de 20 pessoas, mais os funcionários. Logo são cercados pela polícia, FBI e atiradores de elite que ficam à espera de um acordo que Sonny, assumindo a condução da negociação, possa fazer com as autoridades para libertar as vítimas. Esse entrevo se sustenta por um longo tempo porque Sonny quer ser conduzido com todos os reféns até o aeroporto e lá pegar um avião que os deixe em alguma ilha ou pais fora da jurisdição americana.
Porém todo o tempo gasto na negociação é coberto pela mídia e ganha proporções que extrapolam a condução de negociação dos policiais encarregados, principalmente em tratar com Sonny, irredutível em manter o seu plano de fuga. Com isso e a simpatia dele, a multidão que fica em frente ao banco começa a apoiar a sua causa e compreender que o assaltante é uma pessoa comum, proletária, ciente dos limites que cruzou, combatendo o sistema. A polícia no caso são os vilões para essas pessoas, a inversão de valores chega até nós, espectadores, torcendo para que ele consiga executar a sua fuga espetacular do cerco policial.
Outros pontos positivos dos filme é a dinâmica de utilizar dois cenários fixos durante toda a sua projeção; o interior do banco, onde Sonny e Sal tentam manter o controle da situação, e a parte externa, onde os agentes policiais tentam encontrar uma saída para acabar o assalto, resgatar os reféns e prender os dois assaltantes.
O fato do filme não ter uma trilha sonora que conduza o plot narrativo e tudo ficar com o som natural ou sem a emoção regrada por alguma melodia ou música, deixa a nossa perspectiva de testemunha mais pura, autêntica ao assistir. É o diretor Lumet, sendo Lumet. Dois anos antes ele havia feito outro grande filme policial, “Sérpico” (1973), também com o ator Al Pacino – onde ele fez um personagem real de um policial íntegro e que não aceitou se corromper no seu distrito, sendo ameaçado e perseguido.
Realizado quase no mesmo formato realista e natural.
Lumet permitia também que os atores improvisassem em cima dos diálogos no roteiro, aberto ao cinema de experimentações que surgiu nos anos 60, o diretor permitia esse tipo de liberdade, acreditando que esse fator deixava a história mais real e autêntica. Como na cena em que Sonny fala ao telefone com o personagem trans de Chris Sarandon, que fazia a sua esposa no filme. E ficou muito bom.
O filme tem uma conclusão impactante e muito bem elaborada, passada no aeroporto, numa cena de pura tensão e condizente com o que aconteceu de fato com os envolvidos.
“Um dia de cão” foi indicado a seis Oscar em 1976, por Melhor Filme, Direção, Ator (Al Pacino), Ator Coadjuvante (Chris Sarandon), Edição e acabou recebendo a estatueta de Roteiro Original.
A HISTÓRIA REAL
O personagem Sonny, de Al Pacino, teve como base o americano de Illinois, John Wojtowicz, que era ex-bancário e realmente cometeu o assalto em 1972 para a sua esposa trans, Elizabeth Eden, fazer uma cirurgia de mudança de sexo, quando ela em depressão tentou se matar após ter o procedimento negado por um hospital.
Após o assalto mal sucedido, John foi preso e condenado a 20 anos, porém por bom comportamento ele acabou sendo soltou em 1978, já havia se separado de Elizabeth, que conseguiu fazer a cirurgia e depois casou com outro homem, mas morreu em 1987 por complicações relacionadas ao vírus do HIV (aids).
John pelo assalto frustrado, quando ainda estava na cadeia já tinha uma proposta de vender a sua história para o cinema no valor de US$ 7.500 dólares com direito a receber 1% dos lucros da bilheteria do filme. O que acabou lhe dando um certo conforto quando saiu da prisão.
Em 2014, foi produzido e lançado documentário sobre John Wojtowicz, intitulado “The dog”, dos diretores alemães Allison Berg e Frank Keraudren.
“Um dia de cão” está disponível no catálogo clássico do serviço de streaming do MAX. O documentário “Dog”, que conta a vida real do verdadeiro assaltante pode ser encontrado no Youtube ou baixado direto do Torrent.