Vou iniciar uma série de artigos críticos de alguns dos filmes que fizeram história no cinema e foram lançados em 1975, ou seja, há 50 anos. São filmes que causaram impacto ou promoveram algum alvoroço na cultura pop, provocando transformações artísticas no modo como foram realizados e depois recepcionados pelo público, se tornando referências.
Um desses filmes é “Tubarão”, do diretor Steven Spielberg, que foi a produção da Universal que quebrou precedentes e barreiras nas bilheterias estadunidense e mundial quando estreou nos cinemas.
A obra marcou o que veio a ser configurado pela indústria cinematográfica como o “filme de verão”, fixando uma data em que as pessoas iriam mais ao cinema e portanto uma janela para futuros lançamentos de filmes mais caros e populares nos cinemas. ‘Tubarão” abre a chamada “era dos blockbusters”, filmes com um orçamento mais caro, de apelo popular e que são feitos para todos os gostos.
O filme tem uma das produções mais complicadas na história do cinema; documentários e especiais contam o drama que o diretor Steven Spielberg, considerado então um prodígio pela produtora Universal. Teve um orçamento inicial de 4 milhões de dólares, o que já era alto, porém devido aos muitos atrasos de filmagens, o diretor não queria filmar somente num tanque gigante, mas no mar, com a equipe técnica registrando as cenas in natura, porém ele não contava com as mudanças de marés ou mesmo o tempo de duração das tomadas sem que comprometesse a continuidade das cenas.
Rodado em sua maior parte na ilha de Martha's Vineyard, em Massachusetts, o local era perfeito para ser a fictícia Amity, onde ocorre a história. Porém, péssimo para filmagens mais longas, principalmente em alto mar.
O custo do filme, por conta dos atrasos subiu oficialmente para 7 milhões de dólares, porém tem versões que apontam que pulou para um custo de 9 milhões de dólares, o que era alto para os padrões da época, aliás muito alto. Talvez o filme mais caro que a Universal investiu até então. Os produtores tinham que ter a segurança de que a obra tivesse um retorno muito bom, excepcional nas bilheterias. O que eles ainda duvidavam.
Perfeccionista, Spielberg perdeu muito tempo buscando a simetria do tempo, exposição da luz natural e o mar. Para piorar, o tubarão mecânico que seria utilizado nas cenas de ação vivia apresentando problemas que levou o diretor a ter rompantes de raiva.
O tubarão mecânico acabou recebendo o apelido de “Bruce”, que era uma menção ao advogado de Spielberg, Bruce Ramer. Porém os técnicos de efeitos acharam justo o apelido como uma forma carinhosa ao desastre que era a articulação de animatronic do bicho.
Vem desde problema de percurso do filme uma das ideias mais geniais do diretor.
Com a restrição da aparição em cena do tubarão, por causa de seus problemas e para não parecer tão falso, Spielberg em contato com o autor da trilha sonora, o compositor e maestro John Williams, pediu um tema de suspense que tivesse um apelo forte e que marcasse a presença do bicho na antecipação dos ataques.
No documentário sobre o maestro John Williams (disponível no streaming MAX, recomendo muito), ele conta que o tema principal das cenas com o tubarão, foi criado a partir de uma alternância de duas notas musicais - identificadas como "E e F" ou "F e Fm" -. Logo na abertura do filme essa sequência musical é mostrada com um vigor que, realmente, nos preparava para o que viria. O tema virou um clássico em filmes de suspense e sinônimo de um perigo próximo.
Foi esse mote da trilha com o tema principal, que o diretor criou as cenas de ataque, pelo ponto de vista da criatura, evitando mostrar o tubarão, acentuando de maneira absurda o suspense em um nível muito alto. Criando diversas passagens clássicas de puro horror, desde o primeiro ataque no início do filme, depois o ataque na praia e a investigação em um barco destruído - que tem um dos melhores sustos da história do cinema.
Com esse recurso Spielberg utilizou o tubarão mecânico em cenas pontuais e que não eram possível perceber as suas falhas. Principalmente no terço final do filme com a caçada em alto mar envolvendo três personagens.
O filme é baseado no livro do autor Peter Benchley, e o roteiro foi escrito por ele e um dos atores do filme, Carl Gottlieb - ele faz o ajudante do xerife, vivido pelo ator Roy Scheider. A Universal comprou os direitos do filme antes do livro ser lançado.
Consta que em 1974 Spielberg estava na sala de um dos chefões, buscando ideias para o seu próximo filme, e viu em cima da sua mesa diversos manuscritos e um em especial chamou a sua atenção, tinha um título curto e atrativo - “Jaws”, que traduzindo literalmente quer dizer “mandibulas”. Ele pegou para ler. E o fez em um dia, encantado com a história de um grande tubarão branco que atormenta moradores de uma ilha, que se prepara para o verão. Os ataques do bicho acabam afetando a vida do xerife da localidade, que entra em conflito com os interesses econômicos do prefeito e comerciantes, que o impedem de fechar as praias por conta da chegada dos turistas.
O livro narra muito bem os ataques dos tubarão e o conflito do xerife que após um incidente com uma vítima tenta fechar as praias até conseguir eliminar a feroz criatura, e conta com a ajuda de um biólogo marinho rico, mas lutam contra o sistema até tudo sair do controle e mais ataques acontecer.
A ideia e concepção da narrativa era surpreendente, principalmente por causa do desfecho envolvendo uma caça ao tubarão em alto mar.
Quando o livro foi lançado fez um grande sucesso de vendas, se tornou um best seller imediato, o que motivo mais ainda Spielberg e a Universal a fazer o filme.
O filme depois de pronto foi lançado no dia 20 de junho de 1975, precedido de uma gigantesca campanha de marketing. A crítica especializada adorou o filme e longas filas foram registradas em todos os cinemas norte americanos, com lotação em todas as sessões. O sucesso comercial foi assombroso, pois “Tubarão” arrecadou 470 mihões de dólares, considerada até então a maior bilheteria de todos os tempos. Superada depois em 1977 com o lançamento de “Star Wars”, de George Lucas.
O filme foi indicado a cinco Oscars, incluindo melhor filme, mas ganhou só os técnicos, como melhor som, melhor montagem e também de melhor trilha sonora ao maestro John Williams, Por incrível que pareça o diretor Steven Spielberg não foi indicado a melhor direção, o que o chateou muito na época e alguns jornalistas consideraram um escândalo da Academia.
A produção acabou gerando três sequências, nenhuma com a participação de Spielberg ou Benchley (autor do livro e co-roteirista), invariavelmente ruins ou imitando o próprio clássico. São ela: Tubarão II (1978), Tubarão III (1983) e Tubarão IV - A Vingança (1987). Evite.
CONSIDERAÇÕES PESSOAIS
Nos anos 70, criança, eu assisti a primeira vez “Tubarão” em super 8, meu pai tinha trazido um projetor de Manaus, e instalou em casa para a família se divertir. O filme vinha em duas fitas de rolo, com uma duração conjunta de 40 minutos. Ou seja, a versão em super 8 era reeditada deixando somente as melhores cenas, com ênfase ao terço final do filme.
Mesmo retalhado para mim, criança, era um choque ver que tinha um filme com um tubarão que atacava pessoas na praia. O meu medo para tomar banho de mar se tornou real e muitas pessoas na época e que assistiram o filme tiveram o mesmo sentimento,
Nos anos 80, já adolescente, nas matinês de reprise do extinto Cine Lacerda, o filme entrou em cartaz novamente. Aí foi a vontade de assistir o filme de forma integral na telona, com o som Dolby Stereo ecoando na sala. A cópia era ruim, pois tinha riscos e as vezes dava saltos de alguns fotogramas. Mas estava lá completo. E saí do cinema esfuziante e muito feliz, pois tinha dado conta que o filme é de fato uma obra prima.
Logo depois eu comprei o livro homônimo, do Peter Benchley, que havia acabado de ser publicado pela coleção Grandes Sucessos (série branca), da editora Abril. E o livro foi uma decepção comparado ao filme. O incrível caso de um fime melhor que a obra que inspirou.
Seguem dois spoilers do livro e consequentemente do filme. No livro, o personagem do biólogo marinho, Matt Hooper (no filme feito pelo ator Richard Dreyfuss), acaba tendo um envolvimento sexual com Ellen Brody (vivida pela atriz Lorraine Gary, esposa de um dos chefões da Universal), que é a mulher do xerife Martin Brody (interpretado por Roy Scheider), e isso tem uma consequência na relação dos dois homens quando vão caçar o tubarão. Pois como uma punição moralista, Hooper, no livro, acaba morrendo com metade do corpo devorado pelo tubarão.
No filme esse envolvimento não existe, o que ficou muito melhor pois não acrescenta uma trama aleatória ao foco principal, pelo contrário, os personagens Hooper e Martin desenvolvem uma amizade e na sequência final, os dois sobrevivem a caçada e nadam juntos em um pedaço do barco que foi destruído pelo tubarão após mata-lo.
“Tubarão” está disponivel no serviço de streaming da Prime Video.
Recomendo muito também o bluray que foi lançado há alguns anos, numa embalagem de lata com alguns mimos para fãs - um livreto com a história da produção e fotos, uma miniatura imãtada do cartaz do filme. E acompanha o sensacional documentário de bastidores. Esse bluray é item de colecionador e pode ser encontrado em sites como OLX, Shopee, Mercado Livre ou de sebos. É raro.
O filme é um marco na minha vida como fã dos filmes de Spielberg, e pra mim ainda é um dos melhores da história do entretenimento pop no século 20. Um autêntico clássico.