Pela primeira vez, Associação dos Magistrados de Rondônia tem presidente mulher em 40 anos de fundação
Foto: Presidente da Ameron participa de solenidade onde foi homenageada - Arquivo Pessoal/Euma Tourinho
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A luta das mulheres por espaços iguais com a mesma remuneração no mercado de trabalho é antiga. São séculos e séculos travando batalhas e fazendo protestos, com pequenas ou grandes vitórias em diversos segmentos de tempos em tempos.
Isso inclui também o Poder Judiciário estadual, já que de 176 magistrados, sendo 155 juízes e 21 desembargadores, 50 são mulheres. Ou seja: menos de 40% do total.
E um desses avanços se traduz em comando: depois de 40 anos de fundação, a Associação dos Magistrados de Rondônia (Ameron) tem como presidente uma mulher, a juíza do Tribunal de Justiça de Rondônia (TJRO), Euma Tourinho. O sobrenome é conhecido dos rondonienses: ela é neta do jornalista Euro Tourinho, fundador do antigo jornal Alto Madeira.
Três anos atrás, ela foi eleita para seu primeiro mandato de dois anos. E um ano atrás, foi reeleita para o segundo mandato que termina daqui um ano, no final de 2024.
Apesar de não parecer uma mulher com “sangue nos olhos”, com grandes ambições no cargo, ela quer o básico: que mulheres tenham as mesmas oportunidades que os homens, em qualquer área, segundo conta ao Rondoniaovivo. E ela tem uma opinião sobre o feminismo:
“Acho que distorcem muito o feminismo, como distorcem muitos conceitos que não são populares. Nós temos muitos ciclos, ora estão mais ligados à determinada ideologia. E quando falo disso, sem ser ideologia político-partidária. Temos por exemplo, o Dia da Amazônia, que mostra que a floresta em pé pode render R$ 1,5 bilhão pro país. É possível ter economia sustentável e desenvolvimento? É! Mas quando alguém não é de uma linha ideológica sustentável, normalmente é de uma crítica pejorativa aos ambientalistas”.
Juíza veste camisa em campanha contra violência doméstica - Foto: Arquivo Pessoal
Para Euma Tourinho, o melhor caminho sempre é o meio-termo: “Eu não gosto de extremos, aliás isso nem combina com a profissão, eis que o juiz deve ser prudente e equilibrado, deve ser cauteloso. Então, eu diria que o feminismo é distorcido, ora por pessoas, ora por segmentos de carreiras que gostam de ser populistas e ora até mesmo pela imprensa, infelizmente, dependendo da linha ideológica que siga. Então, não teria como dizer para você: ‘não sou feminista’. O que eu tenho para dizer para você é que as mulheres não têm oportunidades iguais”.
Caminhada e preconceitos
Apesar de não parecer, a juíza de primeiro grau já atua há muito tempo no Poder Judiciário de Rondônia. Com 53 anos de idade e sendo magistrada há quase um quarto de século, ela quer um mundo mais justo para todos.
“Nunca me submeti a tratamentos desiguais e eles existiram ao longo da minha vida, seja dentro ou fora do Judiciário. Eu tenho um filho homem, mas eu quero um mundo melhor para as pessoas. Não se trata de uma competição entre homens e mulheres. Toda sociedade da nossa democracia precisa ser representativa. Então ela precisa ter todas as pessoas. Eu não passei em um concurso por ser mulher. Você nunca vai me ver reivindicando as coisas por gênero. Eu fui aprovada em um concurso muito difícil, onde menos de 1% dos inscritos passam”, comenta ela.
Euma Tourinho explica: “O que eu acredito que eu quero e as mulheres queiram: oportunidades iguais em qualquer carreira. Quando tiver isso, talvez a gente não precise falar mais sobre feminismo. Teve uma ministra da Suprema Corte americana que disse que queria a Suprema Corte com nove mulheres. Aí alguém falou: - Nossa, que absurdo. Com todas mulheres? E ela disse: - Quando teve todos homens, ninguém achou um absurdo. Eu não sou feminista, mas se o lado bom for o que representa o feminismo, eu sou feminista”.
Apesar de ter um trabalho reconhecido dentro e fora dos tribunais, a presidente da Ameron fala que sofre com discriminação direta e indireta.
“Sofro preconceito, discriminação, tratamento desrespeitoso, no meu ambiente de trabalho e fora dele. E sou uma mulher que não dou espaço. Todos que me conhecem sabe que sou muito firme, muito incisiva e ainda sofro. Eu fico imaginando quem não é juíza e tem uma profissão que não permita ela se impor, exigir respeito. Como deve ser muito mais duro, porque amigas conversam com elas, deve ser mais duro o dia a dia dessas mulheres”.
Ela segue com o desabafo: “A diferença é que isso não me paralisa. Quanto mais eu sofro, mais eu tenho vontade de lutar por mim e por outras mulheres. Mas não só pelas mulheres, e sim, também pela sociedade. Se você não tem um segmento representado, você não tem a visão de mundo daquele segmento. Te dou um exemplo: as mulheres são 15% do parlamento nacional. Porém, elas apresentaram 25% dos projetos de educação e saúde, que são as áreas mais importantes”.
Futuro
Euma Tourinho acredita que em alguns anos, o número de juízas será maior do que de juízes nos cortes estaduais e federais.
“No Brasil inteiro, de 18 mil juízes, somos menos de 40%. Vai chegar algum momento que seremos maioria. Nós somos 52% de habitantes. O país inteiro e elegemos 15% de mulheres para o Congresso Nacional. É algo para ser discutido em nível de pesquisa científica. Por que as mulheres não se sentem representadas por outras mulheres? Pela educação que recebem, inclusive de mulheres? Quem educa é pai e mãe, não é só o pai”.
A magistrada ainda comenta ao Rondoniaovivo: “Por que as mulheres não se espelham em outras mulheres? Quando elas veem alguma mulher de destaque, seja em um órgão decisório ou de poder, é como elas pensassem se aquilo fosse inacessível para elas. Está ali por muita sorte ou por ter ajuda de alguém. Dificilmente se reconhece o mérito. Então precisaríamos trabalhar um pouco mais com essa questão interna das mulheres, para que elas se sintam mais capazes, para que elas acreditem mais nas mulheres e também para elas se sentirem mais representadas”.
Euma Tourinho faz discurso na tribuna da Assembleia Legislativa de Rondônia - Foto: Arquivo Pessoal
Depois de quatro décadas de fundação, a presidente da Ameron avalia porque demorou tanto tempo para os associados elegerem uma mulher para comandar a instituição.
“A associação reflete o que acontece lá fora, na sociedade. Se associa muito gestores à capacidade masculina, que os homens têm. Eles têm muitas habilidades, assim como as mulheres têm muitas habilidades. Normalmente não se conecta a questão da gestão às mulheres. Se atribuem outras funções, como cuidar de casa, cuidar bem dos filhos, etc. Quando na verdade as mulheres, pelo preparo técnico que tem e pelo mundo que vivemos, tem tanta capacidade quanto os homens”.
Ela pontua: “Mesmo sendo só quatro, é a chapa com maior número de mulheres da diretoria eleita. Os demais são nomeados como diretores de polos, de esporte, comunicação social, etc. Nunca teve uma presidente eleita nem quatro mulheres na chapa. O ideal é que fosse uma paridade, mas sem voluntárias, não tem como fazer milagre”.
Conhecimento
Ela ainda tem vontades enquanto comandante da Ameron: “Não sei se é um projeto, mas um sonho: eu gostaria que a sociedade conhecesse o trabalho do juiz do lado de dentro. Porque a sociedade conhece o trabalho do juiz externamente. Aquilo que se apresenta à sociedade. Ora por meio das audiências, dos julgamentos, mas ninguém sabe a vida do juiz do lado de dentro. Um exemplo são os júris: tem um juiz só para fazer todos, enquanto há outras funções em que há mais de um titular, como o Ministério Público, que se revezam”.
Euma Tourinho complementa: “A vida do juiz do lado de dentro não tem o glamour que as pessoas acham que tem. Até em termos salariais. Hoje temos mais de 40 profissões que ganham mais do que o juiz. Porém, batem muito apenas no Judiciário. E o juiz tem um volume de trabalho muito grande. Nós temos que continuar com uma carreira atrativa para que os grandes talentos das faculdades continuem indo para a magistratura. É uma profissão melhor do que as outras? Não, mas é uma profissão que julga as ações das vidas das pessoas sobre bens, liberdade, sobre a vida. Precisamos ter pessoas muito preparadas, muito responsáveis e muito qualificadas”.
A juíza do TJRO ainda afirma ao jornal eletrônico que tem que cuidar muito da mente e do corpo para dar conta do grande volume de trabalho.
“Afeta nossa saúde mental. A gente tem que ter um equilíbrio muito grande para não adoecer com as coisas que a gente vê, com as coisas que a gente passa. Eu por exemplo, sou juíza da infância, do sistema protetivo. Então, eu julgo estupro contra bebê. Você tem que ter um anteparo, um equilíbrio muito grande, até para não ter considerações pessoais em relação a um réu. Ele tem direito a um julgamento justo, de acordo com o sistema legal. Quem sabe, até eu terminar meu mandato, consiga divulgar ainda mais o trabalho da magistratura”.
Magistrada logo no começo da carreira, quase 25 anos atrás - Foto: Arquivo Pessoal
Na avaliação dela, para que o Judiciário desempenhe ainda melhor o seu papel, precisaria de eleições diretas para seus dirigentes administrativos.
“Teríamos que ter eleições diretas. Não só pelo processo democrático, Mas para poder escolher melhor. E sequer o argumento da politização ele é refratário dessa ideia, pois já há politização nas eleições dentro dos tribunais”, observa ela.
A magistrada ainda deixa uma mensagem para as mulheres e meninas que sonham em ser juízas ou desembargadoras.
“Eu acredito que as meninas são criadas sem um apelo para sua própria capacidade, que é infinita. Todo ser humano tem muitas habilidades, pode desenvolver independência, autonomia e ter sucesso na carreira que escolher. A mensagem que eu passo é confie em você mesma, busque seu sonho e trabalhe todos os dias em prol dele. Só não alcança seu desejo quem desiste no meio do caminho”.
E finaliza: “Se eu acreditasse que eu não seria juíza, eu não estaria aqui hoje. Porque eu acreditei nisso, fui em busca do meu sonho, consegui ser aprovada em um concurso. Então, confiar em si próprio, trabalhar duramente, ser perseverante, ser persistente, faz toda diferença na vida de qualquer pessoa, mas especialmente na vida das mulheres”.
Currículo
Euma Tourinho é graduada em Direito pelo Centro Universitário de Araraquara-SP. Tem especialização em Direito Constitucional pela Faculdade de Ciências Humanas, Exatas e Letras de Rondônia (FARO) e em Direito Constitucional Aplicado pela Faculdade de Direito Professor Damásio de Jesus.
Ainda conquistou MBA em Poder Judiciário pela Fundação Getúlio Vargas (FGV). É juíza de Direito no Tribunal de Justiça de Rondônia desde 1999, onde é titular da Vara de Proteção à Infância e Juventude.
Ocupou diversos cargos dentro da Corte rondoniense, sendo presidente da Associação de Magistrados de Rondônia desde 2020.
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