Fazia tempo que não lia ficção, mas fui presenteado com uma joia rara da literatura brasileira, um livro escrito por um jovem cearense estreando na ficção com a obra "Paiol de pólvora", uma fascinante história muito bem escrita, que mescla fatos reais e ficção. Ao terminar cada capítulo, digo com grata surpresa, passava logo para o próximo, pudera, obviamente contagiado pelo vírus da curiosidade, que saciada momentaneamente, logo me sentia impelido à continuar tão prazerosa leitura, essa do escritor, poeta e amigo Herlon Fernandes Gomes, comprovando seu talento nato de contador de histórias.
Enredo
"Paiol de pólvora" se desenrola na pequena Brejo dos Santos, uma cidade localizada sertão cearense. Neste cenário escolhido pelo autor movem-se fazendeiros ricos, jagunços violentos, cangaceiros sanguinários, políticos, mulheres e homens extraordinários, heróis, heroínas e vilões, personagens místicos e religiosos também integram a paisagem árida, quente, seca e perigosa de uma época de um sertão sem lei e sem justiça, sempre à mercê das vontades dos poderosos, da violência, da defesa extremada da honra usada como desculpa para emboscadas, vinganças, acertos de contas, massacres e traições.
Herlon faz desfilar sob nossos olhos uma plêiade de inesquecíveis personagens habilmente criados e desenvidos. “Paiol de Pólvora” apresenta traços e influências marcantes das obras e autores da chamada “geração de 30” de fortes cores regionalistas, entres, “Menino de Engenho”, de José Lins do Rego, “O Quinze”, obra inaugural da escritora cearense e primeira mulher a se tornar imortal na Academia Brasileira de Letras (ABL), Raquel de Queiroz e também do alagoano Graciliano Ramos, autor de obras fundamentais da literatura brasileira, “Vidas Secas”, “São Bernardo”, “Caetés”, e tantos outros. Vale destacar ainda a influência, mesmo mínima, do escritor colombiano Gabriel Garcia Marques ou guardadas as devidas proporções, ao dramaturgo e novelista Dias Gomes, ambos se utilizaram do chamado realismo mágico para narrar fatos fantásticos dentro da narrativa realista.
O estilo é conciso, o diálogo direto, quase cinematográfico, econômico e que prende a atenção do leitor, porque por vezes parece um thriller sertanejo com sua narrativa repleta de suspense, ação e drama.
Construído com personagens marcantes e mesclando fatos históricos e ficção, o autor demonstra neste primeiro romance fôlego e talento para novas empreitadas ao mundo da literatura, com muita substância, rigor à pesquisa, escrita empolgante e tudo mais que um bom autor deve ter para dar continuidade a sua obra e cativar cada mais leitores.
A narrativa é forte, os acontecimentos muito bem desenvolvidos no seu texto objetivo, direto e completo domínio das histórias e seus personagens, dentre eles, o protagonista Chico Chicote, que desde o nascimento parecia ter seu destino traçado de maneira irremediável.
Os demais personagens orbitam ao redor de Chico Chicote e em quase tudo que acontece, da primeira à última página de "Paiol de pólvora" - título bem apropriado, ele está presente ou envolvido indiretamente, ainda mais quando se trata de fatos violentos, de rebeldia e de extrema paixão. Personagens históricos surgem ou são citados aqui e ali, por exemplo, Padre Ibiapina, Virgulino Ferreira, o Lampião, Padre Cícero, Floro Bartolomeu, só para citar alguns. Não poderia deixar de citar o amigo de seminário chamado Belisario, mais tarde Mané Caipora, cujo destino está ligado ao de Chicote. A trágica história de amor de Damião e Zefinha, afilhado e filha de Chico, a velha Araci, o casamento com Geracina, as amantes Rufina, Madaleine e Maria Monteiro.
Encerrada à leitura, o que fica são fortes emoções geradas por tantos personagens e histórias dentro da história de "Paiol de pólvora", um livro fascinante e leitura obrigatória àqueles apreciadores de literatura brasileira de qualidade. Herlon Fernandes Gomes, digo sem medo de ser assombrado por Chico Chicote, é um escritor arretado.
Sobre o autor
Hérlon Fernandes Gomes, técnico judiciário do Tribunal de Justiça de Rondônia (JRO), assessor de juiz, natural de Brejo Santo, no Cariri cearense. Chegou a Rondônia em 2010. Trabalhou na comarca de Guajará-Mirim e atualmente mora e trabalha em Porto Velho Escreveu e publicou dois livros de poesias: Geminianos (2008) e Lúmen (2014). "Paiol de Pólvora" é sua estreia no romance aos 42 anos de idade.