Na sessão realizada nesta terça-feira (03/08), o Tribunal Regional Eleitoral de Rondônia, na linha que já vinha decidindo, acolheu à unanimidade os fundamentos lançados no voto do eminente Corregedor Regional Eleitoral, Des. Rowilson Teixeira, para manter a posição anterior da integral constitucionalidade da Lei Complementar n. 135/10, conhecida como Lei da Ficha Limpa.
Na ocasião, foi indeferido o registro de candidatura de Natan Donadon, pelo PMDB ao cargo de deputado federal, sob o argumento que ele tem contra si duas condenações judiciais proferidas pelo Tribunal de Justiça do Estado de Rondônia. A ação de impugnação foi proposta pelo Ministério Público Eleitoral.
A primeira condenação judicial colegiada levada em conta pela Corte foi proferida em 28/06/2008, nos autos da Apelação Cível n. 100.001.1999.0011345-7 (TJ-RO), pela prática de ato de improbidade administrativa, na forma de enriquecimento ilícito, por fatos ocorridos entre 1998 e 1999, em que Natan Donadon, Marcos Donadon e outros, forjaram folhas paralelas de pagamento com nomes e valores destinados a funcionários fantasmas da Assembléia Legislativa do Estado de Rondônia. Natan exercia o cargo de Diretor Financeiro da instituição e o empregado de sua fazenda era um laranja e titular de uma conta bancária que recebia os recursos desviados. O esquema importou no desvio de aproximados R$ 3.387.848,08 (três milhões, trezentos e oitenta e sete mil, oitocentos e quarenta e oito reais e oito centavos).
A segunda condenação judicial colegiada de Natan Donadon levada a efeito pelo TRE-RO foi prolatada em 03/10/2002, nos autos da Apelação Criminal n. 01003631-3 (TJ-RO), pela prática dos crimes de peculato (art. 312, caput, CP, peculato apropriação/desvio) e quadrilha (art. 288, CP). Os fatos são os mesmos que levaram à sua condenação por ato de improbidade administrativa.
Na ação impugnatória do Ministério Público Eleitoral, o Procurador Regional Eleitoral, Dr. Heitor Soares, enfatizou que Natan Donadon está inelegível por incidir nos dispositivos da Lei Complementar n. 64/90, com a nova redação da Lei Complementar n. 135/10, pois tem em seu desfavor decisões judiciais colegiadas.
A defesa de Natan Donadon argüiu, como preliminar, que a LC n. 135/10 é inconstitucional, por ofensa aos princípios da presunção de inocência, legalidade e anualidade. Especificamente aduziu que: a) A nova lei ofende o princípio da presunção de inocência previsto no art. 5º, inciso LVII, da Constituição Federal (CF), uma vez que prevê inelegibilidade decorrente de hipóteses que dispensam o trânsito em julgado da decisão; b) A lei também agride o princípio da legalidade previsto no art. 5º, inciso II, da CF, e ao ato jurídico perfeito e direito adquirido (art. 5º, XXXVI, CF; art. 6º, §1º, LICC), já que o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) entendeu que a LC n. 135/10 incide sobre fatos ocorridos antes de sua vigência; c) Por fim, a lei atenta contra o princípio da anualidade previsto no art. 16 da CF, posto que o TSE entendeu que a nova lei é aplicável às eleições de 2010.
Rowilson iniciou seu voto destacando o contexto fático, que envolveu a edição da LC n. 135/10.
Disse que:
A LC 135/10, conhecida como Lei da Ficha Limpa, incluiu novas hipóteses de inelegibilidade. O acréscimo é fruto de iniciativa popular, embora o projeto de lei, por razões de celeridade, tenha sido encampado por um deputado federal. Com apoio da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) e de movimentos contra a corrupção eleitoral, foram colhidas nas ruas mais de 1,6 milhões de assinaturas de apoio ao projeto que restou aprovado e recebeu sanção presidencial em 4 de junho deste ano. Na internet foram mais de 2,1 milhões de assinaturas. A alteração legislativa veio em clara resposta ao crescente número de escândalos de corrupção no Poder Público nos últimos anos em todo o Brasil. Esse foi o móvel de toda a mobilização social promovida pelos signatários do projeto.
A finalidade constitucional da citada lei, aliada à vontade do povo que a encorpou, levam-me à inevitável conclusão de sua grande e oportuna relevância, pois busca fazer uma larga assepsia nas eleições ao vedar a candidatura de pessoas com vida pregressa desabonadora. Esse é o espírito da lei, sua alma teleológica, a qual seus intérpretes, a meu ver, não podem ignorar.
Em seguida, o relator passou a discorrer sobre as teses levantadas pelas partes para ao final, rejeitar a preliminar de inconstitucionalidade da LC n. 135/10, e indeferir o registro de candidatura de Natan Donadon, já que estaria inelegível pelo menos até o ano de 2022.
Princípio da presunção de inocência
O relator entendeu que a LC n. 135/10 não viola o princípio da presunção de inocência, já que não é pena e deve ser balanceada com os princípios constitucionais que visam proteger a probidade administrativa e a moralidade para o exercício do mandato com base na análise da vida pregressa do candidato. Entendeu Rowilson:
[...] inelegibilidade não é a rigor uma pena, mas sim mera restrição temporária à elegibilidade. De fato, trata-se de restrição sui generis que não me parece pena propriamente dita na dogmática jurídica atual. Caso contrário, mutatis mutandis, ter-se-ia que aceitar que existe pena em casos de inelegibilidades que não há qualquer decisão, como dos inalistáveis e analfabetos, que são inelegíveis, ou como das inelegibilidades reflexas. [...] os princípios da probidade e da moralidade também merecem relevo, notadamente pelo alcance e profundidade que representam. Incumbe, destarte, sopesá-los com o princípio da presunção de inocência para verificar qual deve ser relativizado em prestígio do(s) outro(s). [...] a relativização da presunção de inocência é meio necessário razoável -, porquanto o pretenso candidato pode garantir sua participação nas eleições mediante liminar (art. 3º, LC n. 135/10). [...] Enfim, há mais vantagens que desvantagens na relativização da presunção de inocência, pois se contemplará teoricamente maior número de pessoas (os eleitores - a sociedade) e o bem comum, além de efetivar um desiderato constitucional de estabelecer hipóteses de inelegibilidade com base na vida pregressa dos candidatos. [...] O legislador concedeu mais uma medida de cautela à sociedade. Trata-se de relevante medida liminar, permitindo-se que seja afastada a elegibilidade de quem tem vida pregressa reprovável. [...]
Princípio da legalidade
Rowilson também concluiu que a LC n. 135/10 não afronta o princípio constitucional da legalidade, nem mesmo o ato jurídico perfeito e o direito adquirido. Disse que os fundamentos para tanto são dois: primeiro, as condições de elegibilidade devem ser aferidas no momento do registro de candidatura; segundo, não há direito adquirido a regime jurídico de inelegibilidade anterior, ressaltou o relator.
Princípio da anualidade
O relator se posicionou pela validade da LC n. 135/10 diante do princípio da anualidade. Em resumo, asseverou que: [...] a LC n. 135/10 não ofende o princípio da anualidade, porquanto inelegibilidade é norma de natureza material-eleitoral que não altera o processo eleitoral. [...] Como disse o Min. Ricardo Lewandowski, presidente do TSE, ao fazer referência ao julgamento da ADIN n. 3741 (23/02/07) que ele mesmo relatou, se a lei não desequilibra a disputa entre os candidatos, nem traz regras que deformam a normalidade das eleições, não se pode dizer que interfere no processo eleitoral.
Inelegibilidade pela prática de ato de improbidade e crimes
No mérito, o Corregedor Eleitoral julgou pelo indeferimento do pedido de registro de candidatura de Natan Donadon, em face do requerente estar inelegível por 8 (oito) anos por ter em seu desfavor condenações judiciais colegiadas por ato de improbidade administrativa e por crimes de peculato e formação de quadrilha (art. 1º, inciso I, letra e, números 1 e 10, e letra l, da LC n. 64/90). A corte acompanhou o relator à unanimidade.
A ementa do acórdão proferido é a seguinte:
EMENTA Eleições Gerais. 2010. Registro de candidatura. Cargo eletivo. Deputado Federal. Princípio da presunção de inocência. Princípio da legalidade. Princípio da anualidade. Constitucionalidade da LC n. 135/10. Improbidade administrativa. Crime contra a Administração Pública. Formação de quadrilha. Inelegibilidade. Indeferimento do registro de candidatura.
O princípio da presunção de inocência deve ser mitigado no regime jurídico de inelegibilidade, com o sopesamento de valores pelo juízo de proporcionalidade, como forma de proteger a probidade administrativa e a moralidade para o exercício do mandato com base na análise da vida pregressa do candidato. O resultado é a concessão de uma medida cautelar de índole constitucional à sociedade, como meio de tutelar e prestigiar valores mais amplos e coletivos reclamados pela própria iniciativa popular de lei.
Novas hipóteses de inelegibilidade, ainda que lastreadas em fatos anteriores, não ofendem o princípio da legalidade e nem as garantias ao ato jurídico perfeito e ao direito adquirido, porquanto as condições de elegibilidade devem ser aferidas no momento do registro de candidatura, e não há direito adquirido a regime jurídico de inelegibilidade anterior.
Causas de inelegibilidades, mesmo que inauguradas por lei editada a menos de um ano das eleições, não ofendem o princípio da anualidade previsto no art. 16 da Constituição Federal, uma vez que não tratam de norma de natureza material que altere o processo eleitoral.
Condenações judiciais e colegiadas por crimes de formação de quadrilha e contra a Administração Pública, bem como por ato de improbidade administrativa que importe enriquecimento ilícito nos termos da Lei de Inelegibilidades, acarretam cada, por si só, a inelegibilidade e ensejam o indeferimento do registro de candidatura.
Clique aqui e veja o voto do relator na íntegra