Política em Três Tempos
Por Paulo Queiroz
1 – CASSOL E O PSDB
Partidário escancarado do governador Ivo Cassol (afastado do PPS), em mensagem enviada à coluna, leitor para lá de indignado diz que não está entendendo nada acerca do noticiário recente dando conta da iminente filiação do dirigente ao PSDB. “Não foi este o partido que expulsou o nosso governador?”, indaga o rolim-mourense Carlos Limeira da Costa, dizendo-se eleitor de Cassol desde a primeira vez em que o então “pequeno empresário do setor madeireiro” decidiu candidatar-se a prefeito de Rolim de Moura, em 1992. Na ocasião, “fui impedido de votarnele porque os inimigos desse grande líder conseguiram melar a candidatura a dias das eleições. Mas como Deus é justo... etc., etc., (segue-se um relato da vitoriosa trajetória eleitoral do governador de 1996 em diante.)”.
Pela riqueza de detalhes com que descreve o percurso do governador rondoniense, a um tal leitor dificilmente escaparia o detalhe segundo o qual, na realidade, Cassol não chegou a ser expulso PSDB. O que poderia levar o repórter a identificar na mensagem uma falsificação, no entanto, não dispensa o comentário, porquanto a questão não perde em relevância com a eventual virtualidade do suposto missivista. De fato. Descendo às minúcias do assunto, não é apenas às paixões dos seguidores que a contradição escandaliza, mas qualquer pessoa inteirada do tratamento dispensado a Cassol pelo PSDB no passado recente fica com a pulga atrás da orelha ante o teor das conversas agora noticiadas.
Primeiro porque, não obstante a desobstrução ao seu nome nas instâncias superiores da agremiação, não é exatamente prestigiado que Cassol poderá ser recebido no partido pelo qual se elegeu para o primeiro mandato de governador. Em que pese, num gesto de aparente generosidade, mesmo depois das patadas de que fora objeto em meados de 2005, ter declarado apoio à candidatura presidencial de Geraldo Alckmim no segundo turno de 2006, Cassol viu o mal-estar entre ele e a legenda se aprofundar precisamente a partir desse episódio.
2 – TRANCOS E BARRANCOS
O sarrabulho, no entanto, começou em junho de 2005, quando Cassol desfrutava as glórias de ter aparecido no “Fantástico”, em maio, sendo chantageado por um grupo de deputados em fitas gravadas por ele próprio e entregues aos produtores do programa. Na ocasião, a TV Bandeirantes exibiu outro vídeo mostrando o contrário: lá Cassol é que aparecia oferecendo dinheiro – R$ 50 mil - ao então deputado Amarildo Almeida (PDT), revelando que outros 14 parlamentares já haviam embolsado a quantia. Não adiantou Cassol dizer que era montagem. O tucanato anunciou a criação de comissão para investigar Cassol. "A criação da comissão é para avaliar se o que ele (Cassol) fez era compatível ou não ao PSDB", disse o deputado federal Jutahy Junior (PSDB-BA), que presidiu a comissão.
O fato é que, não obstante suas objeções, Cassol não conseguiu convencer o PSDB de que era inocente e, às voltas com pelo menos três CPIS para investigar o Governo Lula, a liderança nacional tucana preferiu livrar-se de um governador periférico envolvido até o talo em denúncias de toda ordem para não dar munição aos inimigos em nível nacional. Pressentindo que a temperatura do óleo na frigideira só tenderia a aumentar, Cassol encaminhou documento à Executiva nacional pedindo afastamento do partido por razões de “foro íntimo”.
Na verdade, Cassol dispunha de apenas cerca de quatro meses para se garantir numa legenda que lhe permitisse disputar a reeleição. Em outubro teria que estar filiado em um partido confiável e em junho o processo de fritura que poderia acabar em expulsão avançava ameaçadoramente. Como prevenir é melhor do que remediar, largou de mão o PSDB e buscou guarida no PPS.
Reeleito, poderia ter assistido o último lance da refrega entre Lula e Alckmim de camarote, mas inventou de declarar apoio à candidatura tucana. Claro que, no acirramento da disputa, o tucanato não apenas recebeu Cassol de braços abertos como acertou recebê-lo com pompa e circunstância para anunciar o reforço ao país.
3 – JOGO DO PODER
Como ocasião mais perfeita seria impossível de imaginar, Cassol se desabalou para São Paulo com a melhor das expectativas, claro. Ocorre que entre o embarque em Porto Velho e o desembarque na capital paulista, a imprensa fustigara a assessoria de Alckmim querendo saber se o envolvimento do governador rondoniense na “Operação Dominó” (desencadeada em agosto de 2006 e da qual Cassol saíra chamuscado) não incomodava o candidato à Presidência. Pra quê! Em vez de levar Cassol ao comitê, os encarregados de receber o governador conduziram-no a uma casa no Morumbi, Zona Sul da capital paulista, onde o encontro com Alckmim ocorreu longe da imprensa.
Pior. Sem o apoio declarado de Cassol, o tucano Geraldo Alckmim vencera Luís Inácio no primeiro turno em Rondônia por uma diferença de quase 15 mil votantes. No segundo turno, com Cassol nas paradas, a votação do petista não apenas cresceu em quase 70 mil votos – totalizou 397 mil 327 sufrágios contra apenas 329 mil 598 no primeiro turno – como a de Alckmim misteriosamente encolheu em quase 25 mil votos – passando de robustos 344 mil 96 votos na primeira etapa da refrega para vexatórios 320 mil 806 sufrágios. Quer dizer, para o tucanato, como cabo eleitoral, Cassol não é, como dizia aquele anúncio, assim... nenhuma Brastemp.
Em política, no entanto, o indivíduo (seus valores, desejos e receios) e os dejetos impregnados na sola do sapato do serviçal do bandido são a mesma porcaria. O que está em jogo é a conquista e a manutenção do poder, já descobrira o sábio florentino. Não obstante aparentar dar a mínima para partidos - das quatro vezes em que foi eleito, nenhuma foi pela mesma sigla (prefeito pelo PDT e PFL, governador pelo PSDB e pelo PPS) -, Cassol parece fissurado pelo PSDB. Tanto que, depois de tudo, ainda em setembro de 2007, tentou, junto com uma pá de parlamentares, tomar de assalto a legenda. Agora que foi convidado, porém, não pode se filiar no partido da predileção porque, entre outras coisas, há um PPS no meio do caminho.