Ministério Público Federal arquiva representação que denunciou desrespeito à memória nacional.
Foto: Divulgação
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Em 2003 um cemitério indígena, localizado a 500 metros da Casa de Rondon, em Vilhena (sul de Rondônia), foi totalmente encoberto por uma plantação de soja. Detalhe: o terreno pertence Governo Federal (Aeronáutica) que foi omisso e não se pronunciou na época, desconhecendo e invalidando os efeitos devastadores acerca da preservação da memória nacional.
A sociedade civil agiu e pediu que, ao menos, a área do cemitério ficasse intocada nas próximas plantações. Nestas quase duas décadas o lote onde havia o cemitério ficou preservado, em meio à lavoura. Apesar de não ser mais possível de se identificarem as covas anteriormente marcadas por cruzes de madeira. À altura do início do século 21, eram identificadas 18 cruzes. O local era visitado, principalmente, pela comunidade indígena que vive na periferia de Vilhena.
Agora, em 2022, o cemitério — pequeno, medindo não mais que 20 por 20 metros — voltou a ser alvo de profanação — e tudo dentro da lei, com aval do governo. E mais uma vez a questão foi representada junto ao Ministério Público Federal (MPF), que decidiu arquivar o caso.
A bem da verdade, o denunciante, um valoroso ativista da cultura e professor, Cledemar Batista — imbuído de boa intenção — cometeu vários equívocos em sua representação contra a profanação do cemitério histórico. Os erros de informações verificados na denúncia favoreceram a decisão do MPF de arquivá-la.
Primeiro, o denunciante disse que a área é tombada pelo Iphan (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional). O que foi, de pronto, desmentido pelo órgão. O Iphan tombou, em 2015, apenas a Casa de Rondon — como é conhecido o antigo posto telegráfico inaugurado em 1911 pela Comissão Rondon.
Outro equívoco foi dizer, no processo, que o cemitério serviu aos expedicionários militares ["personalidades históricas" - sic] que passaram pela região, há mais de um século. O campo-santo, na verdade, foi aberto na década de 1940 (cerca de 30 anos após a passagem de Rondon e seu homens pela região)e serviu para enterrar seringueiros, indígenas aculturados, familiares do guarda-fio Marciano Zonoecê e alguns dos pioneiros que aportaram em Vilhena. O que não é pouco — e tem muita relevância.
Os erros registrados na representação em nada minoram a importância do cemitério que deveria, sim, ter sido tombado pelo Iphan, como sítio arqueológico. Mas não foi! O MPF pautou-se apenas no que foi dito — erroneamente — pelo denunciante.
A questão é que os desacertos citaram fontes que acabaram invalidando, a princípio, a denúncia porque seus depoimentos não foram favoráveis ao que se alegava. Precisa ser refeita com precisão e evocando, acima de tudo, o interesse público, colhendo assinaturas de entidades ligadas à cultura e à educação. Certamente, o MPF ou outras instâncias do judiciário ficarão mais sensíveis.
Também deve-se levar em conta que a empresa que planta soja no local não tinha a obrigação de saber pormenores da situação. Ela visa lucro. Só. Quem licitou a área, sim, deveria ter responsabilidade social. E não custa nada um pouco de bom-senso de todos os lados. Apenas cercar o terreno minúsculo do cemitério já seria uma grande iniciativa, sem qualquer prejuízo a ninguém.
Arquivamento
Com o arquivamento da representação, o MPF praticamente autorizou que o antigo cemitério continue explorado pela Pecuária Masutti Ltda. A empresa disse ao MPF que venceu processo licitatório deflagrado pelo Ministério da Aeronáutica no final de 2021 e que iniciou a lavoura em janeiro seguinte, na área onde "supostamente havia o cemitério". Em outras palavras: a área foi integralmente oferecida como agricultável, sem separar o pequeno espaço do cemitério histórico.
Por conta deste desacerto, que começa na licitação e termina com a denúncia mal formulada e mal fundamentada, não houve outra alternativa ao MPF senão lavar as mãos. O arquivamento foi assinado em 7 de fevereiro pelo procurador da República Caio Hideke Kusaba.
O autor é colunista no Portal Amazônia
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