Primeiros médicos formados em RO colam grau reclamando da rede hospitalar estadual
Deu o que falar o discurso da diretora do Núcleo de Saúde (Nusau) da Universidade Federal de Rondônia (Unir), doutora Ana Lúcia Escobar, na colação de grau da 1ª turma do curso de Medicina da instituição – os primeiros médicos formados no Estado. Não só pela indiscutível autoridade da oradora – foi ela que esteve no comando da equipe que elaborou o projeto e na linha de frente das inacreditáveis batalhas pela sua implantação -, mas, sobretudo, pela coragem com que permanece engajada na defesa da graduação, não tendo sequer dispensado a solenidade do momento para fazer mais uma queixa, encaminhar outra demanda e clamar por providências. Afinal, foi nessa toada que conseguiu implantar na Unir um curso que quase todos diziam ser impossível, uma loucura, um devaneio, uma perda de tempo.
Agora, leitor, são as dificuldades que os alunos da Medicina da Unir encontram para entrar em contato com pacientes da rede pública de saúde do Estado por conta da inexplicável e manifesta má vontade dos responsáveis por estas unidades. Ciente da presença de autoridades várias, entre as quais o secretário Milton Moreira, de Estado da Saúde, Escobar não perdoou: “A negociação para acesso às unidades de saúde é desgastante e, na maioria das vezes, frustrante. Negociações estabelecidas num dia, nem sempre são seguidas no dia seguinte. E enfrentamos a disputa mais desigual: somos tratados como mais um curso de medicina, como se privado fôssemos. Como se a Unir fosse uma empresa que visa lucros”.
“Mesmo com a decisão do Conselho Estadual de Saúde de que as unidades primeiro atenderiam nossos alunos para depois abrir espaço para o privado, temos que disputar dia a dia, hora a hora espaço nos hospitais. Em que pesem as posições de alguns diretores, a falta de compreensão e da visão do que significa formar no público para o público tem gerado muito sofrimento desnecessário. Estes problemas ainda não estão completamente resolvidos, mas caminhamos a passos largos para um novo momento”.
2 – AS DIFICULDADES
Pena que a exigüidade do espaço não permita a reprodução da íntegra do discurso. Mas para se ter uma idéia do que foi a luta pela implantação do curso em questão, seguem-se alguns trechos com a reprodução da memória de uma das principais protagonistas desse enredo:
“Muitos de nós, assim como vocês, apostamos alto na história. Apostamos que era e é possível formar médicos em Rondônia. Quando iniciamos este curso, através da decisão na época do professor Ene Glória da Silveira, enfrentamos inúmeros problemas. Desde o desrespeito pela autonomia da universidade, exigindo pareceres do MEC e do Conselho Nacional de Educação, até decisões judiciais que apontavam pela prisão do Reitor, caso o vestibular não fosse suspenso.”
“E não fosse o apoio do Pedro, do Sebrae, o professor Ene teria sido preso. Foram necessárias várias intervenções políticas para que, enfim, em 2002, o curso tivesse iniciado. E outra vez foi necessária a intervenção de diversos atores, entre eles alguns aqui presentes: o governador José Bianco, o Secretário de Estado da Saúde Claudionor Roriz, o secretário municipal de Saúde de Porto Velho na época, Wilhames Pimentel, do então deputado federal Confúcio Moura (que hoje, na condição de Prefeito, recebe e apóia nossos alunos durante o internato) e da deputada federal Marinha Raupp, que até agora tem apoiado de forma decisiva todas as necessidades do curso.”
“Sem a intervenção deles, talvez demorasse mais para concretizar este momento. Interessante que estas mesmas dificuldades não foram compartilhadas pelos empresários responsáveis pelos cursos privados daqui e d’alhures. Nestes tempos de governo Lula, tem sido muito fácil implantar cursos privados de medicina. Facilidade esta que não foi nem é extensiva às Universidades Públicas, em especial para a Unir.”
“Talvez tenha sido fácil implantar um curso de Medicina na Universidade Federal de São Carlos, ou no ABC, com quadro completo de professores, infra-estrutura acabada e hospital definido.”
3 – NOVOS DESAFIOS
“Ou também no Acre, onde eles conseguem vagas extras para professores, recursos adicionais para a infra-estrutura e manutenção, inclusive com exclusividade de uso das unidades de saúde da rede estadual e municipal. Para nós foi e é bem diferente. Sempre foi e continua sendo difícil. Houve uma decisão, e que foi assumida pela administração da Unir, de fazer com que o curso fosse bem sucedido. E isto tem gerado muito desgaste, muita briga e muito trabalho.”
“Aprendemos muito com vocês. Não só em conteúdo, que vocês nos obrigaram a aprofundar, mas em termos de relacionamento. No enfrentamento das dificuldades cotidianas, da falta de cadáver, para o estudo da anatomia, da falta de professor de patologia, das denúncias de colegas de vocês e nossos porque contratamos os professores da USP para cobrir lacunas. Lembram disto? Eu lembro. E acho que nunca vou esquecer. Porque ousamos. Nós e vocês. Nós por fazer acontecer. Vocês por nos obrigar a fazer!”
“Este momento é dos novos médicos, os primeiros formados em Rondônia e pela Unir. E é um momento especial para todos os que participaram de uma forma ou de outra, deste processo.”
“Vocês se formam no ano em que o SUS comemora 20 anos de existência. Um sistema que muito evoluiu e que é exemplar em muitos aspectos: nos transplantes, no programa de AIDS, no programa de Imunização. Mas que tem muitos desafios a superar: a humanização do atendimento, a eqüidade da atenção, o acesso a todos, a tuberculose, a desnutrição infantil e dos idosos, a malária. E vocês, hora para frente, são os responsáveis, e não mais observadores privilegiados, por fazer superar os desafios. Assegurar que o acesso à saúde seja de fato universal e eqüitativa. Assegurar que os recursos destinados, mesmo insuficientes, sejam plenamente utilizados no sistema. E que não escoem pelo ralo da corrupção, que tão de perto temos acompanhado.”
“Dentro de alguns momentos vocês não serão mais alunos da Universidade Federal de Rondônia. Vocês serão médicos.” É isso!