1 – SUPLÊNCIAS POLÊMICAS
Pena que os militares que se aboletaram no Poder a partir de 1964 e nele permaneceram por mais de 20 anos tenham desmoralizado o dispositivo. Mas caso o Congresso Nacional decidisse acabar de vez com essa gritaria que ecoa de uma ponta a outra do país toda vez que um suplente de senador assume a titularidade do cargo, salvo melhor juízo, não há melhor solução do que a (re)introdução da sublegenda na legislação eleitoral. Fala-se aqui do conceito formulado pelo médico, jornalista e político gaúcho Raul Pilla (1892-1973), para quem "sublegenda é a denominação de uma fração de partido em todos os atos e processos eleitorais, com o propósito de garantir vida às correntes minoritárias dentro dos próprios partidos”.
Parlamentarista ardoroso – “O Papa do Parlamentarismo no Brasil”, foi chamado -, Pilla ainda tentou incluir a sublegenda na legislação brasileira em duas ocasiões – primeiro por intermédio de emenda à Constituição de 1946 e depois através de emenda ao Código eleitoral em 1950 -, sem sucesso. Somente foi instituída pelos militares em 1965 - e não com o mesmo propósito de Pilla -, mas como artifício para manter a unidade dos partidos nacionais em um bipartidarismo artificial. A sua regulamentação foi farta, sendo que um decreto de 1977 interpretava-a como “listas autônomas de candidatos concorrendo a um mesmo cargo em eleição, dentro do partido político a que são filiados”. Foi revogada em dezembro de 1986.
Nas eleições daquele ano, no entanto, o dispositivo permitiu que os dois senadores rondonienses mandados ao Congresso – Olavo Pires e Ronaldo Aragão, ambos do PMDB - levassem consigo suplentes eleitos, votados nas urnas, tendo cada um deles suado a camisa por cada voto recebido. Assim é que o então ex-deputado estadual Amir Lando (PMDB) deverá ter-se tornado um dos raros suplentes da história do Senado a, com o assassinato de Olavo Pires em 16 de outubro de 1990, assumir o cargo respaldado por uma votação tão legítima quanto a do titular da cadeira.
2 – AS SUBLEGENDAS
Em síntese, a sublegenda permitia que concorressem ao mesmo cargo majoritário (prefeito, governador e senador) mais de um candidato pelo mesmo partido político. É fácil perceber que esse instituto somente tem uma conotação casuística acentuada na vigência de poucos partidos ou, mais apropriadamente, quando presente o bi-partidarismo, como era o Brasil da época da ditadura militar.
No caso, quando a sublegenda foi adotada, funcionavam apenas dois partidos, a Arena (Aliança Renovadora Nacional), que era o partido do governo, e o MDB (Movimento Democrático Brasileiro) – que de início fazia às vezes de oposição (dizia-se que era uma oposição consentida, apenas para conferir um verniz democrático ao regime, legitimando-o) e, com o passar do tempo, virou oposição de verdade. Naturalmente, em razão do poder político da ditadura, a Arena tinha muito mais adeptos em todo o país e isso possibilitava, muitas vezes, conflitos entre várias facções. E para evitar que um ou outro candidato se bandeasse para a oposição, institui-se a sublegenda que permitia que mais de um candidato pudesse disputar as eleições majoritárias pelo mesmo partido - normalmente pela Arena.
Para a população e como justificativa sociológica para essa regra, diziam seus defensores que a sublegenda fortalecia os partidos políticos. Na verdade, a sublegenda, como escreveu o cientista político Jairo Nicolau, “foi uma maneira de acomodar interesses das diversas lideranças políticas que apoiavam o regime militar”.
Na vigência da sublegenda, o candidato derrotado na convenção poderia viabilizar sua candidatura acaso obtivesse, individualmente, pelo menos de 20% dos votos da convenção, após ser indicado por 10% dos convencionais. No caso de disputa do cargo de senador, poder-se-ia indicar até três candidatos por cadeira em disputa. Ao final das eleições, acaso fosse eleito um dos candidatos da sublegenda, os dois menos votados seriam escolhidos como primeiro e segundo suplente, respectivamente.
3 – SEM FUTURO
Pois bem. Como para demonstrar que este é um país de políticos vira-casacas, na derradeira eleição em que se usou a sublegenda em terras tapuias quem precisou recorrer ao dispositivo, pelo menos em Rondônia, foi o sucedâneo do antes enjeitado MDB – naquela eleição PMDB. A Arena dera lugar ao PDS que, ao rachar em 1985, gerou o PFL (hoje DEM). Em 1986, o Senado estava sendo renovado em dois terços, portanto, com duas vagas disponíveis por Estado. Como, por intermédio da sublegenda, cada partido podia apresentar até três candidatos por cadeira em disputa, o PMDB rondoniense montou um palanque com seis candidatos ao Senado.
Bem verdade que, individualmente, o candidato mais votado para o cargo foi o então deputado federal Francisco Chiquilito Erse (PFL), que totalizou 102 mil 739 votos válidos. Mas não foi suficiente para ter direito a qualquer das duas vagas. Candidatos a uma das cadeiras, Olavo Pires teve 95 mil 637 votos, enquanto Amir Lando totalizou 46 mil 385 votos e Cícero Dantas 9 mil 65 votos. Os 151 mil 395 votos em que resultaram a soma garantiram a vaga para o mais votado (Olavo), ficando Lando com a 1ª suplência e Dantas com a seguinte. Para a outra vaga o PMDB disputou com Ronaldo Aragão (59 mil 7 votos), Djair Prieto (49 mil 701 votos) e Antônio Morimoto (34 mil 687 votos), tendo a soma de 143 mil 395 garantido a eleição de Ronaldo Aragão e as suplências aos demais.
A posse de Edison Lobão Filho no Senado reabriu a polêmica em torno dos suplentes e forneceu munição para os que pretendem acabar com essa história da representação sem votos. No Senado tramita uma proposta de emenda apresentada pelo senador Demóstenes Torres (DEM) que elimina a figura. Estabelece que novas eleições serão convocadas para escolher o substituto sempre que o cargo for declarado vago. Há outras sugestões, como a eleição, em separado, dos suplentes. Ficaria com as suplências os que tivessem mais votos, independentemente de serem do mesmo partido do titular. Dificilmente terão futuro.