1 – DEBATE CATÓLICO
Animação é o que não vai faltar na Campanha da Fraternidade 2008. A previsão é a de uma elevação alentada na temperatura do debate entre a Igreja Católica e setores da sociedade e do governo engajados nos temas em discussão. No documento que traça as diretrizes da Campanha, cujo tema é “Fraternidade e Defesa da Vida Humana – Escolhe, Pois, a Vida”, a Igreja vai abordar algumas das questões polêmicas que vem combatendo de forma sistemática, quais sejam - aborto, pesquisa com células-tronco, eutanásia, contracepção e prevenção do HIV/Aids.
Com lançamento previsto para o dia 29 próximo, o documento (143 páginas) está sendo acusado por seus antagonistas de não trazer, nesse sentido, abordagem reveladora. No entanto, estes mesmos setores indicam que a sua leitura é didática “porque esclarece todos os argumentos que a Igreja tem posto sobre a mesa em tais abordagens”.
Segundo Anne Resende Braga (do saite “Mulheres de Olho”), a campanha está fortemente embasada no “Documento Final da V Conferência Geral do Episcopado Latino-Americano e do Caribe”, evento realizado com a presença do papa Bento XVI, cuja visita ao Brasil em maio teve claros propósitos de fortalecer a posição da Igreja em relação à tríade aborto-contracepção/eutanásia/células-tronco. A articulação de ações fica evidente quando o texto que sustenta a campanha cita o discurso do papa na abertura do encontro de Aparecida:
“Os caminhos de vida verdadeira e plena para todos, caminhos de vida eterna, são aqueles abertos pela fé que conduzem à plenitude de vida que Cristo nos trouxe: com esta vida divina, também se desenvolve em plenitude a existência humana, em sua dimensão pessoal, familiar, social e cultural”.
Nesse ideal de plenitude está a defesa de uma totalidade do ser humano, com ênfase na importância do papel da família, que vai levar aos argumentos do sexo exclusivamente para procriação, da recusa do direito à livre orientação sexual e do veto a técnicas de reprodução assistida para casais homossexuais.
2 – OBJETIVOS DA CF
A Campanha da Fraternidade é uma forma de colocar em prática preceitos gerais da Igreja através de ações mais diretas. Entre os objetivos específicos pode-se destacar: Desenvolver uma concepção de pessoa para fundamentar as ações em defesa da vida humana. Fortalecer a família como espaço primeiro da defesa da vida. Desenvolver nas pessoas a consciência crítica diante das estruturas que geram a morte e promovem a manipulação e comercialização da vida humana. Propor e apoiar políticas públicas que garantam a promoção e defesa da vida.
São exemplos que demonstram que a Campanha da Fraternidade é, sobretudo, um gesto que posiciona a Igreja como ator na cena política, autoproclamando-se uma instituição de proposições de políticas públicas, disposta a se articular com parceiros de outras religiões, como tem acontecido no Congresso Nacional, em que os parlamentares católicos são aliados dos espíritas na luta contra a descriminalização do aborto e dos evangélicos na luta contra os direitos dos homossexuais.
O capítulo sobre o exercício da liberdade sexual é emblemático da proposta da Igreja de regular o exercício da sexualidade. Segundo o documento, “a procura pela liberação da atividade sexual enfrenta sempre dois problemas no cotidiano das pessoas: as doenças sexualmente transmissíveis, como a AIDS e a gravidez indesejada”.
Aqui aparece o discurso contra os métodos e técnicas de prevenção das doenças sexualmente transmissíveis (DST) e de contracepção. Para as pessoas solteiras, o documento prega a abstinência e, para as casadas, a fidelidade, como forma de ter uma “vida sexual saudável e satisfatória”. Defende, ainda, o “método natural”, com a prática de relações sexuais nos dias em que a mulher não está fértil.
Toda a argumentação do texto vai no sentido de contrapor políticas de distribuição de preservativos e pílulas a valores morais e culturais que propiciariam, segundo a Igreja, “a escolha de caminhos que auxiliem no desenvolvimento integral da pessoa”.
3 – ABORTO EM QUESTÃO
O capítulo que trata de aborto começa afirmando que “Uma nova vida humana, a partir da Biologia e da Genética, começa no exato momento da fecundação, que é a penetração do espermatozóide no óvulo. Segue daí uma longa análise "científica” sobre o que deve ser considerado início da vida.
O documento questiona os permissivos legais – aborto em caso de risco de vida para a mãe, afirmando que o avanço da medicina tornou essa situação praticamente nula, e aborto em caso de estupro, porque considera que “um crime não apaga outro crime” e os recentes movimentos de concessão de autorização judicial para aborto em caso de má-formação fetal, que classifica como “aborto eugenético porque recusa em aceitar os ‘imperfeitos’”. Critica também a proposta de descriminalização que está em debate no Congresso Nacional, afirmando que o texto pretende liberar o aborto a qualquer tempo.
Desde que tomou posse, no começo do ano passado, o ministro José Gomes Temporão, da Saúde, tem afirmado que a descriminalização do aborto é um problema de saúde pública e como tal deve ser debatido. O documento da Campanha da Fraternidade questiona abertamente essa abordagem, rebatendo as estatísticas e as declarações de Temporão sobre a realização de aproximadamente 230 mil internações SUS/ano para tratar de complicações do abortamento clandestino.
A rigor, não há argumentos novos nesse capítulo do documento, mas analisá-los como um conjunto lógico ajuda a compreender melhor quais são as estratégias de atuação da Igreja, uma vez que ela organiza num mesmo documento suas linhas de atuação: aborto-contracepção/celulás-tronco/eutanásia formam um pacote único de ataque ao direito à vida que deve ser combatido em defesa da pessoa humana.
O ministro, no entanto, não é um adversário desprezível. Apesar da derrota da descriminalização do aborto na 13ª. Conferência Nacional de Saúde, o diretor de Ações e Programas Estratégicos do Ministério da Saúde, Adson França, afirmou que vai continuar o debate. A ver.