A chamada Operação Pau Oco, deflagrada em junho de 2018 para, em tese, desvendar delitos que beneficiariam a madeireira Aléssio e que teriam como autores servidores comissionados nomeados pelo então governador Daniel Pereira, ganhou um novo e potencialmente explosivo capítulo. A juíza da Primeira Vara Criminal de Porto Velho determinou a remessa das duas ações penais decorrentes da operação para o Tribunal de Justiça de Rondônia (TJ/RO). A decisão não é mera formalidade: ela reacende questionamentos cruciais sobre a legalidade da investigação e pode ter desdobramentos significativos.
No cerne da acusação, a alegação de que esses servidores teriam lançado doze Autorizações de Exploração Florestal (Autex) em favor da empresa. Contudo, um detalhe técnico levanta dúvidas sobre a materialidade: os acusados, mesmo que intencionassem, não poderiam perpetrar o suposto crime, pois não dispunham de certificado digital cadastrado no IBAMA para operar em nome da madeireira.
Adiciona-se a isso uma aparente contradição: a Aléssio Madeiras estava, desde 2011, bloqueada pelo IBAMA. O motivo? Uma alegação de uso de transporte fluvial para escoar madeira até sua sede em Espigão D’Oeste/RO – cidade notoriamente desprovida de acesso fluvial direto, o que, por si só, já indicava a fragilidade da informação original que motivou o bloqueio.
O enredo se adensa. Em dezembro de 2017, a empresa teria sido desbloqueada por meio de fraude, com o uso do certificado digital de um servidor do próprio IBAMA. Essa manobra teria permitido a venda de créditos fictícios correspondentes a aproximadamente sete mil metros cúbicos de madeira serrada. O mais inquietante, no entanto, é que tanto o IBAMA (ao menos desde janeiro de 2018) quanto a Secretaria de Estado do Desenvolvimento Ambiental (SEDAM), então sob o comando do Cel PM Vilson Salles Machado (desde fevereiro de 2018), teriam tido ciência da fraude. Apesar disso, nenhuma ação enérgica para frear a escalada delituosa teria sido implementada por meses.
Apenas em junho de 2018, já sob a gestão de Hamilton Santiago na SEDAM – curiosamente, nomeado pelo mesmo Daniel Pereira que se veria no centro do furacão –, o cenário começou a mudar. Santiago não apenas determinou o bloqueio da empresa e dos veículos de transporte indicados, como também instaurou sindicância para apurar a autoria dos lançamentos. Além disso, promoveu vistorias em todas as empresas receptoras dos créditos madeireiros da Aléssio, resultando em multas que superaram a cifra de R$ 3 milhões.
Mais intrigante: a gestão de Santiago alega ter recebido do IBAMA informações detalhadas sobre o suposto autor da fraude original – incluindo nome, CPF, número do certificado digital, IP do computador e até mesmo o endereço do perpetrador. Esses dados teriam sido entregues aos delegados da DRACO II e ao Ministério Público em novembro de 2018. De forma que causa espécie, as autoridades, segundo a narrativa, não teriam aprofundado a investigação sobre essa pista concreta.
No curso da ruidosa investigação, emergiu uma denúncia de grave irregularidade envolvendo o delegado Júlio César e o engenheiro florestal Flávio Tiellet, que à época trabalhava no gabinete do governador Daniel Pereira. Um áudio, atribuído ao delegado e amplamente divulgado pela imprensa rondoniense, sugere que Tiellet teria sido fraudulentamente inserido em diálogos interceptados entre dois empresários. Essa suposta manipulação, datada de setembro de 2018, teria o objetivo de forjar a existência de uma organização criminosa na SEDAM, na qual o próprio Daniel Pereira seria incluído em janeiro de 2019, já como ex-governador. Um enredo digno de nota pela sua gravidade.
A questão da competência para investigar Daniel Pereira enquanto ainda exercia o mandato já havia sido, aliás, um ponto de discórdia. O então desembargador Oudivanil de Marins, relator do inquérito no TJ/RO, detectou a investigação do governador em pleno exercício do cargo e declinou a competência para o Superior Tribunal de Justiça (STJ). Contudo, um recurso do Ministério Público foi acatado, mantendo a investigação na esfera estadual – uma decisão que agora volta à baila.
Com a recente remessa dos autos ao TJ/RO, os desembargadores terão que se debruçar sobre um dilema complexo. Se ficar comprovado que Daniel Pereira foi investigado enquanto governador, ferindo sua prerrogativa de foro, toda a Operação Pau Oco pode ser fulminada por nulidade. Nesse cenário, não apenas as ações penais seriam trancadas, mas os próprios delegados da DRACO II e membros do MP envolvidos poderiam ser responsabilizados por uma miríade de crimes, desde a investigação indevida até as supostas fraudes processuais que teriam permeado o inquérito.
A corte estadual tem agora a palavra final: decidirá pela remessa dos autos ao STJ, como inicialmente proposto pelo desembargador Marins em 2019? Ou reconhecerá que Daniel Pereira, na condição de ex-governador, foi investigado de forma irregular, trancando as ações penais nascidas do que a defesa aponta como um castelo de cartas construído sobre ilegalidades? A decisão não apenas selará o destino da Operação Pau Oco, mas também lançará luz sobre a higidez dos procedimentos investigatórios no estado.