Se medidas mais efetivas para combater o desmatamento na Amazônia não forem tomadas, a região pode ter em 2022 a maior área de floresta derrubada dos últimos 16 anos.
As estimativas são da plataforma de inteligência artificial PrevisIA, do Instituto do Homem e Meio Ambiente (Imazon), que apontam para 15.391 km² sob risco de devastação, uma área quase três vezes maior do que o Distrito Federal.
A tendência do desmatamento é aumentar cada vez mais. O cálculo do risco leva em conta o chamado “calendário do desmatamento”, que por causa do período de chuvas na Amazônia vai de agosto de um ano a julho do ano seguinte.
Ou seja: conforme a ferramenta, esses mais de 15 mil km² podem ser atingidos entre agosto de 2021 e julho de 2022. Caso se concretize, o desmatamento será o maior desde 2006, segundo a série histórica do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE).
Além disso, será 16% superior do que a devastação registrada pelo órgão no calendário anterior, de agosto de 2020 a julho de 2021, que foi de 13.235 km². Essa comparação é possível porque a PrevisIA usa a série histórica de desmatamento do Inpe (Prodes) como uma das variáveis do modelo de risco.
Nossa realidade
De acordo com a PrevisIA, Rondônia terá pelo menos 11% de aumento na destruição. Só ficamos à frente do Acre (com 9%) e atrás de Pará (41%), Amazonas (17%) e Mato Grosso (15%). E ainda tem outra notícia preocupante: Porto Velho pode ser a terceira cidade a ter mais desmatamentos, com 516 km², atrás apenas de dois municípios paraenses: São Félix do Xingu e Altamira.
Pesquisador responsável pela plataforma, Carlos Souza Jr., do Imazon, ressalta que 2022 é um ano de eleição, quando as fiscalizações costumam reduzir. Nos últimos três anos eleitorais, por exemplo, houve uma alta no desmatamento.
“Por isso, é importante que órgãos de controle também atuem na proteção da Amazônia, como os Ministérios Públicos dos estados e o da União. Porém, a liderança na prevenção do desmatamento da Amazônia e de outros biomas brasileiros tem que ser do Governo Federal. Os estados, por sua vez, têm um papel importante no controle da devastação, principalmente em casos de omissão do Governo Federal”, explica o especialista.
A posição também tem o aval de Ivaneide Bandeira, a Neidinha, presidente e fundadora da Associação de Defesa Etnoambiental Kanindé.
“O jeito é se preparar para que a devastação seja muito maior, quando o Brasil deveria estar com ações para conter a devastação. O que vemos é o contrário. Os dados do Imazon refletem bem essa situação. Você vê o Governo Federal falando de garimpo como se fosse artesanal. Isso é uma tendência e uma abertura para o desmatamento”.
Quem também comenta as estimativas do Imazon é Alexis Bastos, coordenador de Projetos do Centro de Estudos Rioterra, onde ele destaca que são dados bem confiáveis.
“Os dados têm uma base consistente, que são as séries históricas, as tendências e dados cumulativos, mas é importante lembrar que se trata de uma estimativa feita por um trabalho de inteligência artificial e não uma realidade já estabelecida. Isso é agravado por ser um ano de eleição, pois há sempre uma pré-disposição da classe política a não se indispor com os eleitores. Questões de comando e controle que dependem da parte política podem refletir o aumento do índice de desmatamento nessa época”.
Prevenção
Após as análises do Imazon, os resultados são disponibilizados de forma acessível no site
previsia.org, onde há um mapa indicando as diferentes zonas de risco na Amazônia.
“O mapa e as estatísticas da PrevisIA podem auxiliar os órgãos públicos a direcionarem ações de prevenção de desmatamento para as áreas sob maior risco”, completa Souza Jr.
De agosto de 2021 a janeiro de 2022, segundo o monitoramento mensal do Imazon, 4.514 km² foram destruídos, o que corresponde a 29% do desmatamento previsto na PrevisIA até julho deste ano. Ou seja: ainda é possível evitar que os outros 10.887 km² com risco de desmatamento apontado na plataforma sejam destruídos, 71% do total.
Riscos
Em relação às áreas protegidas da Amazônia, a PrevisIA mostra que 725 terras indígenas, unidades de conservação e quilombos estão sob risco de desmatamento, o que representa 90% do total, que é de 803 territórios. Desse total, 24% das áreas estão sob risco alto ou muito alto de derrubada da floresta.
Já na análise por categoria, a PrevisIA indica que as unidades de conservação têm o maior percentual de territórios sob risco alto ou muito alto de desmatamento, que é de 37%. Em seguida estão as terras indígenas, com 19%, e os territórios quilombolas, com 8%. São essas áreas sob maior risco que deveriam ser priorizadas nas medidas de proteção.
Ivaneide Bandeira destaca que os atuais problemas que o Brasil são oriundos do desmatamento na Amazônia, que ajuda a regular o clima até no planeta.
“Falta vontade política para proteger a Floresta Amazônica, vivemos um emergência climática! O desmatamento se reflete nas enchentes no resto do país e vemos situações como no Rio de Janeiro, Minas Gerais e Bahia. O afrouxamento nas leis ambientais, a falta de fiscalização e punição dos desmatadores e invasores de terras indígenas e unidades de conservação só pioram a situação. O que vemos é o descaso do governo contribuindo para aumentar a crise climática, e os danos a vida dos brasileiros”, protestou ela.
Ameaças
De acordo com a Rioterra, um dos caminhos para evitar mais danos ao clima e o solo é o reflorestamento de áreas destruídas.
A primeira ação nesse sentido foi realizada em uma Unidade de Conservação do Brasil e aconteceu no final de 2020, na Reserva Extrativista Rio Preto-Jacundá, em Machadinho D’Oeste. Mas os funcionários da iniciativa têm sido alvo de ameaça por parte de grileiros.
Um dos profissionais do Centro de Estudos Rioterra, organização responsável pelo reflorestamento na reserva, foi parado por dois homens encapuzados e armados, quando tinha acabado de tirar fotografias da área para continuidade do projeto.
“Primeiro eles agiram como se eu fosse da polícia e exigiam que eu mostrasse onde estavam as câmeras escondidas na camionete e entregasse minha arma. Com a arma apontada para a minha cabeça, gritavam e ameaçavam atirar”, conta Milton da Costa Júnior, supervisor de Recuperação de Áreas Degradadas do CES Rioterra.
“Quando entenderam que eu era funcionário da organização que reflorestou, disseram: ‘A gente veio para dar um recado. Eu só quero que você não plante mais aquelas árvores. Se continuar plantando as mudas lá dentro, aí não será mais recado’. Depois me mandaram deitar na camionete e esperar até eles irem embora. E se eu saísse da camionete, me matariam”, lembra Milton.
Segundo o Imazon, Acre e Rondônia estão em uma região chamada de “Amacro”, onde há uma intensificação da fronteira do agronegócio. Isso fez com que esses estados tivessem um grande aumento no desmatamento de 2020 para 2021, principalmente o Amazonas.
“A gente tem solos melhores e menos esgotados dentro da floresta e conforme vai desmatando e produzindo esses solos vão sofrendo esgotamento e isso é o que promove a itinerância dos produtores para outras áreas. Muitas comunidades, como a agricultura familiar, não têm condições de fazer investimentos para fertilização das áreas. No caso dos grandes produtores, eles precisam acomodar a produção com demanda crescente, principalmente quem trabalha pecuária e soja, onde estão sempre tentando expandir as áreas, porquê é o volume de áreas que traz lucratividade para o negócio e diluir os custos de produção”, pontuou Alexis Bastos, coordenador de Projetos do Centro de Estudos Rioterra.
Mais vida
A área onde ocorreu a ameaça de morte é um território de 260 hectares que tinham sido ilegalmente desmatada, na Reserva Extrativista Rio Preto-Jacundá, e que no final de 2020, recebeu o plantio de 360 mil mudas de árvores nativas da Amazônia, incluindo cinco que estão ameaçadas de extinção.
Com um viveiro com capacidade para produzir até 2 milhões de mudas por ano em árvores e plantas nativas da Amazônia, até 2018, as ações de reflorestamento da organização eram direcionadas a propriedades da agricultura familiar, em apoio à regularização ambiental e ampliação de renda dos agricultores.
A partir de 2019, com apoio de organizações internacionais e em parceria com gestores públicos no Brasil, a Rioterra ampliou sua atuação com ações de reflorestamento e restauração florestal em escala. Nestes projetos, a cobertura vegetal de áreas ilegalmente desmatadas estão sendo recuperadas.
“Outra questão envolve os trabalhos de recuperação de áreas. Conforme se vê essas questões de aumento dos dados de desmatamento surgem novas oportunidades de mercados, como de restauração florestal e de bioeconomia, onde é possível trabalhar a restauração florestal conjugando isso com algumas culturas produtivas para o sustento das famílias em uma relação harmônica com a floresta”, comentou Alexis Bastos.
Reflorestamento pode aliar desenvolvimento sustentável com crescimento econômico, segundo a Rioterra - Foto: Temple Comunicação