A recuperação da rodovia BR-319, única ligação terrestre entre Porto Velho e Manaus, pode causar degradação ambiental no sul de Roraima, nos entornos das rodovias BR-174 e BR-210, segundo projeções feitas pelo pesquisador Paulo Barni como tese de mestrado pelo Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa). A ligação entre Manaus e o Centro-Sul do país está interrompida, mas a BR-174, que conecta a capital amazonense com Boa Vista e a Venezuela, está pavimentada e tem trânsito normal. Quando a Porto Velho-Manaus ficar pronta, uma estrada será a continuação natural da outra. A reforma da BR-319 - que tem um trecho de 405 quilômetros praticamente intransitável, apesar de ter sido asfaltada na década de 1970 - está prevista no Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) do governo federal, mas ainda depende de licenciamento ambiental.
Barni aponta que a rodovia que liga as capitais de Rondônia e do Amazonas, quando pavimentada, pode iniciar um ciclo migratório devido à falta de terras agricultáveis para pequenos e médios proprietários no sul da Amazônia, causada pelo avanço do agronegócio no chamado “Arco do Desmatamento”, a faixa de fronteira agrícola que vai de Rondônia ao Maranhão, passando por Mato Grosso e Pará. “A situação poderá se agravar com o término da construção das usinas hidrelétricas de Jirau e Santo Antônio, no Rio Madeira”, alega Barni.
O pesquisador cita estudos segundo os quais as obras das usinas têm o potencial de atrair perto de 100 mil pessoas para a região e que ficarão, segundo ele, praticamente sem opções de trabalho com o término das construções das barragens. “É bastante provável que parte desse contingente possa ‘engrossar’ o fluxo migratório esperado, formado por diversos atores ‘expulsos’ do Arco do Desmatamento, dirigindo-se para a região de Manaus e de Boa Vista através da BR-319 reconstruída”, argumenta Barni.
Ao fazer sua pesquisa em campo, durante 2007 e 2008, Barni notou que já há invasões de terra no sul de Roraima. Ele verificou ainda que a zona atrai madeireiros por causa do regime invertido de chuvas em relação ao sul da Amazônia. “No norte há uma inversão climática. Os madeireiros, quando começa a chover no sul, pegam seus equipamentos e vão para Roraima”. Com mais capital disponível por trabalharem durante todo o ano, fazem uma espécie de “concorrência desleal” aos madeireiros locais em Roraima, que ficam parados na época de chuva. “Eles podem receber pela madeira depois que ela é vendida pelos intermediários”, explica o pesquisador.
Créditos virtuais
De acordo com Barni, a exemplo do que ocorre em outras partes da Amazônia, também no sul de Roraima há casos envolvendo os chamados “créditos virtuais” de produtos florestais, fraude em que a documentação referente a madeira supostamente retirada de áreas de manejo legalizadas é utilizada para “esquentar” material retirado ilegalmente. “Fazem várias viagens com uma nota só”, aponta. A pesquisa será apresentada à comunidade científica internacional no 13º Congresso Florestal Mundial, em Buenos Aires, que acontece nos dias 18 a 23 de outubro.