ARTIGO - Vidas secas : Por Hamilton Lima

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Foto: Divulgação

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Meu alter ego estava cansado. Do trabalho, dos medíocres de plantão, da própria mediocridade. Meu conceito de mediocridade é ficar feliz quando atinjo o mesmo nível da mediocridade burguesa. Comprar um chocolate mais caro, comer uma salada mais atraente, imaginar se vou ou não dormir com a gostosa que passa diante de meus olhos e provoca o movimento de olhar para trás, acompanhando seus glúteos sedutores por alguns segundos, minutos se não tiver mais o que fazer. Num dos momentos de rara lucidez visualizei o romance de Graciliano Ramos escondido numa biblioteca portátil que nunca é acessada pelas grandes multidões. Cultura rica jogada num canto seco, sem perspectiva de gerar frutos por falta de iniciativa de alguém. Denso, recheado de comentários de críticos especializados, a edição publicada pela Record em 1998 leva o número 74. Um autor que seduziu milhares de leitores mas não é tão badalado pelos fomentadores de provas de vestibular com a mesma freqüência de Machado de Assis. Tanto preconceito eu tive com a literatura brasileira na adolescência que devorei centenas de textos variados de outros quinhões. Professores obrigavam os alunos a buscarem num certo número de autores textos questionáveis. Eu lia Lobsang Rampa em casa e na escola o professor obrigava a folhear Éramos Seis, de Maria José Dupré. Isso era considerado literatura infanto-juvenil. Tinha lido O Tempo e o Vento aos dez, A Cabana do Pai Tomás aos oito, e surgia um professor com um texto mediano. Isso acabava gerando preconceitos. Doido pela literatura compilada de algumas enciclopédias, que sugeriam resumos de Vítor Hugo em Os Miseráveis, sufocado pela mediana leitura que se concebe nas escolas brasileiras. Não pude deixar de comparar os personagens de Vidas Secas com dezenas de nordestinos, mineiros, e alguns tantos do sul do Brasil. Pessoas que tiveram como opção apenas pensar na capacidade de comer alguma coisa, para depois pensar em viver de verdade. A cama desejada por sinhá Vitória tem outras roupagens. Mulheres de imigrantes europeus que se dirigiram ao sul pensavam talvez num vestido, mas pão com banha durante anos sustentou o corpo daqueles que se aventuraram em deixar uma Europa litigiosa para continuar a reproduzir a espécie. As Vidas Secas dos nordestinos se perpetuam pelo país. Um Fabiano que não conhece nem entende a inutilidade das instituições está escondido em cada ser desgostoso dos poderes públicos, no descaso e na corrupção de todo o sistema. O soldado amarelo, estúpido e violento é a imagem do governo nordestino, do governo brasileiro, de todos os governos latinos, sempre cercados pela incoerência, pela necessidade de buscar sustento no suor popular, de encontrar soluções no suor popular. A cena do soldado perdido no meio dos espinhos é igual à da sociedade legalizada que não sabe administrar seus problemas mais urgentes, como a educação, a saúde, a organização do tráfego nas cidades. No fim do episódio o caboclo cheio de raiva se compadece do governo, do sistema doente e indica o caminho. O texto reflexivo é atual, transcende a miséria do sertão e pode ser ambientando mentalmente numa favela das cidades modernas. A modernidade do altar e suas múltiplas cores surge na globalização que engole os homens. Vidas Secas precisa ser alvo de interesse de jornalistas, pedagogos, psicólogos e até mesmo destas autoridades que compõem os três poderes. A simplicidade dos Fabianos pressupõem que andar armado é algo comum. De vez em quando um Fabiano mata um amarelo, um representante de uma sociedade que não tem sentido para quem precisa apenas encher a barriga e salvar sua prole.
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