O que foi a chamada “Nova Hollywood”, o movimento cinematográfico que revolucionou o modo de fazer filmes para o cinema?
Uma pergunta quase retórica, mas vamos lá.
Em meados dos anos 1960, entre 1965 e 1966, os filmes de Hollywood entraram em um processo de decadência inesperada por conta de dois fatores: o crescimento exponencial das séries e programas de televisão, que tiravam boa parte do público que frequentava as salas de cinema, ou seja, a TV era a inimiga do cinema naquele momento; e a contracultura. Isso mesmo, o início da efervescência dos jovens daquela época, que estavam se libertando do “bom mocismo” e do padrão conservador da família cristã estadunidense para se tornarem independentes, abraçando a cultura hippie, o amor livre, as drogas, o sexo e o rock psicodélico.
Aquele programa idílico de ir ao cinema tornou-se avesso a essa nova juventude, que buscava uma revolução e um estilo no audiovisual que provocasse transformação sensorial. Os filmes lançados pelas grandes produtoras de Hollywood eram considerados “caretas”, sem o apelo necessário.
Foi o período em que os filmes europeus — franceses, como os do movimento da Nouvelle Vague, e suecos, na figura do gênio Ingmar Bergman — se destacaram por sua linguagem direta, pelo apelo sexual (com cenas de nudez ou sexo, por exemplo) e por abordarem temáticas mais adultas, sem a preocupação com um olhar excessivamente moralista. O cinema precisava de uma carta aberta ao amadurecimento de sua época e de um novo público.
Dessa necessidade, surgiu um grupo de roteiristas e cineastas com a proposta de trazer a transgressão do período sob um olhar mais ousado, menos romântico ou blasé, com o objetivo de quebrar paradigmas do cinema comercial e se libertar dos códigos familiares e das amarras da censura.
Dois filmes emblemáticos marcaram esse rompimento: “Bonnie e Clyde – Uma Rajada de Balas” (1967), dirigido por Arthur Penn, e “Easy Rider – Sem Destino” (1969), do ator e diretor Dennis Hopper. Essas obras quebraram a barreira entre o novo público e o cinema, atraindo espectadores que ansiavam por transformação e autenticidade.
A partir desse ponto de virada, surgiram diretores responsáveis por filmes mais autorais, como Mike Nichols, com “A Primeira Noite de um Homem” (1967), e John Schlesinger, de “Perdidos na Noite” (1969).
Foi uma explosão de novos cineastas que souberam explorar essa revolução: Peter Bogdanovich, de “Na Mira da Morte” (1968) e “A Última Sessão de Cinema” (1971); William Friedkin, dos clássicos “Operação França” (1971) e “O Exorcista” (1973); Martin Scorsese, com uma de suas obras-primas, “Taxi Driver – Motorista de Táxi” (1976); Steven Spielberg, de “Encurralado” (1971) e “Tubarão” (1975); Francis Ford Coppola, com “O Poderoso Chefão” (1972); Brian De Palma, de “Carrie, a Estranha” (1976); e George Lucas, de “Guerra nas Estrelas” (1977).
Todos esses talentosos diretores contribuíram, ao longo de uma década — até 1977 —, para injetar um novo fôlego revolucionário no cinema, promovendo uma profunda transformação na linguagem cinematográfica que influenciaria tanto o cinema comercial quanto o independente nas décadas seguintes.
Vou deixar abaixo algumas dicas de filmes dessa fase gloriosa do cinema, que podem ser encontrados nas plataformas de streaming ou até mesmo no YouTube. Diversão garantida para o final de semana.
OPERAÇÃO FRANÇA (1971) – Filme marcante do então diretor iniciante William Friedkin, que apresenta a história do policial de narcóticos “Popeye” Doyle (Gene Hackman em atuação sensacional), determinado a combater o tráfico de drogas nas ruas de Nova York. Com seu temperamento intempestivo e voluntarioso, ele acaba descobrindo um poderoso chefe de cartel francês. Friedkin utiliza muita câmera na mão, filmagens em locações reais e entrega uma das melhores perseguições de carro da história do cinema.
O filme teve uma continuação razoável em 1975. Ambos estão disponíveis no catálogo do Disney+.
MEU ÓDIO SERÁ TUA HERANÇA (1969) – Os filmes de faroeste também precisaram se reinventar, adotando uma abordagem mais dramática e ousada. O diretor Sam Peckinpah — não exatamente um novato, mas ainda longe de ser um veterano —, influenciado pela estética suja e brutal do western spaghetti de Sergio Leone, trouxe à sua maneira essa reinvenção. O filme acompanha um grupo de velhos pistoleiros que, após um assalto a banco frustrado, decide contrabandear armas para o exército revolucionário mexicano, envolvendo indígenas, enquanto é perseguido por caçadores de recompensa liderados por um antigo comparsa.
Peckinpah filma com uma energia quase catártica, sem poupar o espectador de tiroteios pirotécnicos, violência explícita e o uso magistral da câmera lenta em sequências de tirar o fôlego. Um verdadeiro filmaço!
Está disponível no streaming da HBO Max.
ENCURRALADO (1971) – Filme de estreia do então jovem diretor Steven Spielberg. Produzido inicialmente para a televisão, fez tanto sucesso que acabou sendo lançado nos cinemas e venceu um importante prêmio em um festival de filmes de terror e suspense. Spielberg dá uma verdadeira aula de cinema, utilizando com maestria os poucos recursos disponíveis. É impressionante como ele constrói tensão e ritmo nas cenas do improvável duelo entre um carro de passeio e um caminhão de carga.
A trama acompanha um homem que precisa entregar um carro em outro Estado e, no caminho, cruza com um misterioso caminhão antigo — cujo motorista jamais é visto — que passa a persegui-lo implacavelmente, resultando em um jogo de gato e rato eletrizante. Outro grande filme. Está disponível no YouTube, tanto dublado quanto legendado.
TAXI DRIVER – MOTORISTA DE TÁXI (1976) – Um dos maiores clássicos de Martin Scorsese, com roteiro de Paul Schrader, o filme mostra a transformação de um homem comum, Travis (Robert De Niro, em atuação magistral), veterano da Guerra do Vietnã que consegue emprego como taxista nas madrugadas de Nova York. Acompanhamos sua vida solitária e sua lenta derrocada psicológica, agravada após se apaixonar por uma mulher que trabalha no comitê de um senador candidato à presidência. Rejeitado, Travis canaliza sua frustração para tentar “salvar” uma prostituta adolescente — Jodie Foster, em um papel intenso e já demonstrando enorme talento.
O personagem mergulha em uma espiral de paranoia e violência, oscilando entre a psicopatia e o desejo distorcido de justiça. É um filme violento, visceral e profundamente humano, retratando com maestria o isolamento e a alienação social das grandes cidades.
Disponível nas plataformas Prime Video e Mercado Play (no aplicativo do Mercado Livre).
O ÚLTIMO GOLPE (1974) – Filme de estreia do cineasta Michael Cimino como roteirista e diretor — ele que, anos depois, venceria o Oscar de melhor direção com “O Franco Atirador” (1978). Produzido por Clint Eastwood, que também protagoniza a história, o longa acompanha um ladrão de bancos escondido sob a falsa identidade de pastor, após ser traído pelos antigos comparsas em um assalto frustrado. Sua vida muda quando é descoberto e salvo na estrada por um jovem arruaceiro (Jeff Bridges, em um de seus melhores papéis).
A dupla passa a ser perseguida pelos antigos parceiros do ladrão e, sem saída, decide planejar um último grande assalto para tentar limpar o passado. A partir daí, acompanhamos os preparativos e a execução do golpe, que inevitavelmente sai do controle, levando a consequências trágicas. Diversão de primeira categoria.
O filme acabou de entrar no catálogo da plataforma de streaming Filmicca, que também é uma curadoria de filmes independentes ou notáveis por sua contribuição artística.