Ao se tornar cidade, há 112 anos, abarcava impressionantes 355 mil km² — o maior município do mundo em área, ultrapassando nações como a Itália.
Foto: Divulgação
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Inauguro uma série de artigos sobre Santo Antônio do Rio Madeira, uma vila jesuítica do século XVIII que se transformou em cidade em 1912. Em 1945, foi incorporada por Porto Velho, tornando-se parte da capital do recém-criado Território Federal do Guaporé.
Por meio do meu livro "A cidade que não existe mais" (2016), mergulharei nas camadas intrigantes dessa história.
Santo Antônio, situada à beira do Alto Rio Madeira, na época o extremo norte de Mato Grosso, hoje dista apenas sete quilômetros de Porto Velho, do qual é apenas um pequeno bairro. Ao se tornar cidade, há 112 anos, abarcava impressionantes 355 mil km² — o maior município do mundo em área, ultrapassando nações como a Itália.
Os primeiros presos de Rondônia em 1914. Foto: Centro de Memória/AL/MT
O território de Santo Antônio se estendia pelos vales dos rios Madeira, Mamoré, Jamari e Guaporé, dentre outros, constituindo o cerne do atual estado de Rondônia. A vila limitava-se com a Bolívia e era lar de marcos históricos como o Forte Príncipe da Beira e as instalações da Comissão Rondon, além de 259 km [do total de 366 km] da Estrada de Ferro Madeira-Mamoré.
A população urbana era modesta, com menos de mil habitantes, mas a região era povoada por milhares de pessoas em aldeias indígenas e seringais, além dos distritos como Guajará-Mirim e os vilarejos de Generoso Ponce e Presidente Marques, hoje conhecidos como Jaci Paraná e Abunã.
A edificação da ferrovia, entre 1907 e 1912, atraiu pessoas do mundo inteiro para a região, mas, infelizmente, também elevou a criminalidade e a violência, especialmente contra os povos indígenas e entre os trabalhadores.
Porto Velho foi, no começo, uma cidade-empresa da Madeira-Mamoré Railway Co., onde havia disciplina e ordem, e contrastava com Santo Antônio, que, apesar de sua simplicidade e condições sanitárias precárias, vibrava com atividades sociais e culturais, com direito a banda de música, bares, cinema, campeonatos esportivos.
Em janeiro de 1912, Joaquim Augusto Tanajura, médico baiano e integrante da Comissão Rondon, foi nomeado primeiro prefeito. No mesmo ano, o sistema judiciário de Santo Antônio foi estabelecido, com figuras notáveis como o promotor Vulpiano Tancredo Rodrigues Machado e o juiz João Chacon.
A politização do judiciário era patente, com disputas intensas entre o promotor Vulpiano, do Partido Republicano, e o prefeito Tanajura, do Partido Conservador. Esses embates levaram à fuga do promotor depois de uma troca de tiros em que ele figurou como "incentivador"; um episódio que explorarei em detalhes na próxima coluna sobre a "Revolta de Santo Antônio".
Curiosamente, naquela época, juízes leigos, sem formação jurídica, presidiam sessões judiciais como substitutos, lembrando os "delegados calças curtas" de outrora. Essas personalidades políticas, longe de imparciais, estavam profundamente enraizadas nos partidos políticos, ocupando até cargos legislativos e executivos em paralelo às atividades do fórum.
A cidade em seu apogeu em 1910. Foto: Dana Merril
A dinâmica policial em Santo Antônio
Documentos do Centro de Documentação Histórica do Tribunal de Justiça de Rondônia retratam a dinâmica do poder policial da época. Um recibo de inventário evidencia que um cidadão atestou ter recebido 250 mil réis do "Sr. Tenente Delegado" para custear o tratamento hospitalar de Leão Abulafia, falecido em 2 de janeiro de 1913.
No judiciário de Santo Antônio, predominavam ações de inventários, execuções de penhoras e cobranças de dívidas, além de conflitos graves, homicídios, estupros e latrocínios que ocorriam.
Apesar de raras ocorrências policiais nos seringais do Vale do Jamari e Guaporé, a violência era uma realidade sub-representada. Muitos incidentes envolvendo soltados da borracha não eram reportados às autoridades.
A infraestrutura policial local contava com um delegado, oito subdelegados, 24 suplentes de delegado e oito escrivães. O termo "gatuno" tornou-se comum para designar ladrões. Os furtos mais frequentes envolviam itens da cesta básica: cebola, feijão vermelho, arroz, leite Moça, sal, banha, açúcar e café.
Em Santo Antônio, um caso policial inusitado ganhou notoriedade: Massun Alli, comerciante local, foi implicado em um roubo contra Arão Henrique Malca. Dentre os bens recuperados, constavam: meio barril de cachaça, 38 quilos de açúcar, 40 kg de café, uma caixa com 70 charutos, nove latas de leite condensado Moça, além de licor de anis e gim.
Sobre a foto
Em 1914, dois anos após sua fundação, Santo Antônio confinava seus detentos em uma prisão de madeira na Rua Padre Sampaio. Um episódio marcante foi o de Jorge León, funcionário da Estrada de Ferro Madeira-Mamoré, que assassinou Constantino Trifiakis, mestre de ferrovia, para subtrair seus pertences, que incluíam dinheiro, uma moeda de ouro, libras esterlinas, vestimentas e objetos pessoais.
A imagem que ilustra este artigo mostra dezoito prisioneiros de Santo Antônio em 1914. Suas roupas desgastadas e a falta de calçados espelham a diversidade cultural da localidade. Entre eles, cada um vinha de um estado diferente e quatro possuíam nacionalidades estrangeiras.
O promotor de justiça Vulpiano Machado anotou no verso da foto os nomes e crimes de cada um, todos associados ao mesmo delito: homicídio.
O prisioneiro número 1, Jorge León, de origem turca, era acusado de cinco latrocínios, incluindo o de Constantino Trifiakis, supervisor da EFMM. O número 4, conhecido pelo apelido de Catalão e nome de João Goulart, foi responsável pela morte de um homem com um tiro de Mauser. Baptista Calvache, número 5, planejou o assassinato e incineração de um indígena. Julio Coimbra, marcado como número 6 e apelidado de "criminoso habitual", escapou de uma prisão boliviana após cometer três homicídios. Antônio Belarmino, número 10, eliminou um policial durante um confronto, e Victor Gonzalez, número 16, era conhecido como um "notório bandido".
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