PESQUISA: Grupos com interesses políticos e comerciais rejeitaram a Independência do Brasil

Não houve unanimidade na separação entre Brasil e Portugal, como mostra pesquisa desenvolvida na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP

PESQUISA: Grupos com interesses políticos e comerciais rejeitaram a Independência do Brasil

Foto: Divulgação

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A Independência do Brasil foi proclamada em 1822. A cisão entre o País e a antiga metrópole, Portugal, não resultou somente de uma disputa entre brasileiros e portugueses. É o que mostra a pesquisa Política e negócios para o Império Português no contexto da Independência: a trajetória de vida e os projetos políticos de Joaquim José da Silva Maia, 1776-1831, tese de doutorado que tem previsão de ser defendida no segundo semestre de 2023

 

O estudo foi desenvolvido por Walquiria Tofanelli na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP, em São Paulo, por meio do Programa de Pós-Graduação em História. A pesquisa explica, a partir da trajetória do negociante Joaquim José da Silva Maia, os interesses comerciais e políticos por trás do conflito da Independência.

 

                                                                  Walquiria Tofanelli - Foto: Arquivo pessoal

 

Em conversa com o Ciclo22, a pesquisadora explicou como a trajetória do personagem se relaciona aos interesses dos grupos contrários à separação entre Brasil e Portugal, e como essa percepção ajuda a refletir sobre a historiografia nacional.

 

Impacto nos negócios


Nascido na cidade do Porto, em Portugal, Joaquim José da Silva Maia (1776-1831) foi vereador na província da Bahia e negociante. Além de manter relações comerciais que ligavam os territórios do Brasil, Portugal e África, ele foi autor de diversos periódicos. Por meio dessas publicações ele relatava seus projetos para o comércio, planos que se chocavam com os ideais de independência que circulavam no Rio de Janeiro, então capital da corte.

 

Segundo Walquíria, a posição pró-independência da capital impulsionou a criação de mitos na historiografia, como o de que havia um sentimento nacional a favor da separação da metrópole, o que não corresponde à realidade.

 

Fora do Rio de Janeiro, comerciantes de outras províncias do País temiam que a cisão entre os territórios atrapalhasse os negócios já consolidados. “O grande medo dele e desse grupo com a separação era o seguinte: como ficaria esse comércio que existia entre Portugal, Brasil e África”, destaca Walquiria.

 

Essa percepção sobre os diferentes tipos de posição com relação à Independência traz discussões sobre a historiografia brasileira, defende a pesquisadora. Ajuda a identificar, por exemplo, que a separação de Portugal resultou de diversas disputas políticas. “Desfaz a ideia de que a Independência foi um processo pacífico, de que ela foi um grande acordo entre os grupos interessados e D. Pedro, com uma certa continuidade, como se não tivesse sido uma revolução”, afirma.

 

Rearranjo do mercado


Mesmo contrário à Independência, Silva Maia era crítico à suscetibilidade do mercado global e por isso defendia a criação de um plano de produção e sustentação dentro da própria província da Bahia. “A ideia era que ela fosse autossuficiente e não dependesse tanto, por exemplo, de mercadorias importadas da Inglaterra.”

 

Tal posição ajuda a explicar por que o negociante era favorável ao sistema político monárquico constitucional representativo. A ideia era construir uma monarquia regulamentada por meio de uma constituinte convocada em Lisboa, Portugal.

 

Era um projeto relativamente ousado, defende a pesquisadora, pois se adotado, o sistema abriria brechas para uma maior regulação das decisões tomadas pela corte. “Claro que não era uma abertura completa, nem todos poderiam votar. Você precisaria ter uma certa renda para poder escolher os deputados. No entanto, isso não deixa de ser revolucionário porque ampliaria a participação política”, disse Walquiria.

 

Com a concretização da Independência, e a frustração dos grupos que se opunham a ela, Silva Maia voltou para sua cidade natal, Porto, em 1823. Três anos depois, com a morte de D. João VI de Portugal, foram reacendidas as discussões sobre a relação entre os territórios brasileiro e português, momento no qual o personagem reconheceu, de fato, a separação política entre os países e passou a propor um rearranjo do mercado.

 

“Ele vai assumir que a Independência do Brasil aconteceu, mas vai defender que deveriam ser mantidas relações vantajosas e bilaterais entre os territórios”, afirmou a pesquisadora, ressaltando que a posição do negociante representa as ideias defendidas pelos grupos que, assim como ele, eram contrários à Independência.

 

Perseguido politicamente após a ascensão ao trono por D. Miguel em Portugal, e a política que se instaurou contra os grupos constitucionais no país, Silva Maia voltou para o Brasil, onde permaneceu até sua morte, em 1831.

 

A pesquisa e a pesquisadora

 

Walquiria Tofanelli é historiadora. Sua pesquisa, realizada com financiamento da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), se baseia em diferentes tipos de fontes. As principais foram os periódicos escritos por Silva Maia, como, por exemplo, o Semanário Cívico da Bahia.

 

A pesquisadora também se baseou em documentos de instituições brasileiras, como a Biblioteca Brasiliana Guita e José Mindlin (BBM) da USP, em São Paulo, e instituições portuguesas, além de materiais compartilhados por colegas pesquisadores.

 

Walquiria relatou quão provocador foi relacionar a trajetória de Silva Maia aos grupos contrários à cisão entre Brasil e Portugal. “Foi um desafio traçar essa perspectiva, pois são projetos pouco estudados na historiografia. Quase não há investigação sobre os personagens que não queriam a independência, como esse personagem”, afirmou. 

 

Autor: Jornal da USP

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