Neste ano de 2021, o fotógrafo Araquém Alcântara completou 70 anos, 50 deles dedicados a preservar em imagens a natureza que o Brasil está destruindo.
"A fotografia tem um papel importante porque ela é uma crônica. Quando feita com arte e com informação, é a crônica da beleza e do extermínio. Eu venho acompanhando o processo de desertificação desse país. É impressionante."
Com o que considera um olhar amadurecido para o exercício de paciência e contemplação que é a fotografia de natureza, Araquém voltou à Amazônia no final de agosto para registrar o que é esperada para a ser a pior temporada de queimadas dos últimos anos, em meio à forte seca que assola o Brasil e ao enfraquecimento da fiscalização ambiental promovido pela gestão Jair Bolsonaro (sem partido).
Ao mesmo tempo, planeja para novembro o lançamento do livro comemorativo dos seus 50 anos de profissão; para o primeiro semestre de 2022, um livro sobre a Amazônia voltado ao público europeu; e ainda sem data, um terceiro livro, sobre a fauna brasileira para escolas.
Resistência
"Meu trabalho é resistência da memória. Mais de 50% do Cerrado já foi; restam só migalhas, nem 1% das matas de araucárias; e a Amazônia começa a entrar no seu ponto de declínio, no seu ponto de savanização e daqui a pouco não produz mais chuva", diz Araquém à BBC News Brasil.
"O [historiador americano] Warren Dean em determinado momento se pergunta: 'Não deveria esse holocausto produzido pelo homem ser relatado de geração para geração? Não deveria o manual de história aprovado pelo Ministério da Educação começar assim: Crianças, vocês vivem em um deserto, vamos lhes contar agora como foi que vocês foram deserdadas'", afirma o fotógrafo, citando o autor de A Ferro e Fogo, clássico da história ambiental sobre a devastação da Mata Atlântica brasileira.
"É preciso documentar, é preciso mostrar isso, é preciso gritar por mudança já. Ainda bem que, para isso, eu tenho o texto e a foto."
Catástrofe
"Estou indo para a Amazônia novamente porque as perspectivas são catastróficas", afirma.
"A seca está muito severa e o enfraquecimento todo da fiscalização sugerem mais um ano de recordes", alerta, lembrando que o maior número de focos de queimadas dos últimos 14 anos foi registrado em junho, mês que ainda não é de temporada de fogo.
"É fundamental uma moratória. É fundamental parar o desmatamento já e a fotografia tem um papel importante nisso."
As fotografias da viagem de agora devem ser aproveitadas no livro sobre a Amazônia voltado para o mercado europeu, que deverá ser dividido em três partes: A Terra, O Homem e O Desequilíbrio — uma referência aos Sertões de Euclides da Cunha, cuja obra seminal sobre o conflito de Canudos é dividida entre A Terra, O Homem e A Luta.
Primeiro fotógrafo a documentar todos os parques nacionais do Brasil, Araquém avalia que a mudança da política ambiental nacional no período recente é "criminosa".
Quadrilha de grileiros
"É uma coisa catastrófica, um crime de lesa humanidade", afirma. "A questão fundiária na Amazônia precisa ser resolvida e é preciso manter a floresta em pé imediatamente. Os governos ignoram a ganância das quadrilhas de grileiros, em nome de um falso progresso que só enriquece uma minoria."
"Eu sou uma testemunha ocular dessa barbárie, porque fotografo a natureza desse país há meio século. E me parece que o [antropólogo, historiador, sociólogo e escritor] Darcy Ribeiro tinha razão quando ele disse há vinte anos atrás: 'Só o engajamento total da opinião pública mundial pode salvar a Amazônia'. Então meu grito é um grito por atitude, minha fotografia está a serviço da vida.
FONTE: BBC BRASIL