"E o palhaço o que é? É ladrão de mulher!", ecoa o bordão fora do tempo.
Foto: Divulgação
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"E o palhaço o que é? É ladrão de mulher!", ecoa o bordão fora do tempo. Essa mistura de inocência e safadeza, de fantasia e transgressão também oferece a maior parte da graça de "Bingo - O Rei das Manhãs".
O primeiro longa de Daniel Rezende é muito mais do que a reconstituição das peripécias de Arlindo Barreto, um dos atores que encarnaram o Bozo, grande atração infantil da TV nos anos 1980.
Na abertura, um letreiro avisa que o filme é "inspirado em fatos reais", ou seja, tira partido das liberdades da ficção que as tradicionais histórias "baseadas em fatos reais" fingem ignorar.
Ninguém vai se incomodar com a mudança do nome do Bozo ou que a Globo tenha virado Mundial. Esses disfarces também permitem representar fatos como tresloucada fantasia ou mergulhar o personagem e a época num saboroso caldo imaginário, temperado pela escolha certeira de canções.
A superposição surge desde a primeira cena, na qual Augusto e Gabriel, pai e filho, brincam de sombra chinesa simulando uma fábula animal. Logo em seguida, o garoto descobre, fascinado, outra faceta do trabalho do pai.
Esse jogo de camadas atravessa todo o filme, aproveitando a duplicidade inerente à profissão de ator, mas é na figura do palhaço que a ideia alcança melhores resultados.
Interpretar o personagem num programa de TV hiperformatado e controlado por um executivo americano maníaco por regras acaba sendo a alternativa para Augusto. A fórmula, contudo, não funciona e, para não retornar à fila do desemprego, o ator ousa improvisar.
O contraste entre fórmula e inovação, entre repetição e criatividade tempera essa passagem da trama, mas o filme não se resume a criticar a pobreza do entretenimento.
Outras faces surgem assim que Augusto passa a explorar o que parece escondido, os paradoxos de seu público-alvo.
Tanto quanto a ingenuidade do palhaço embute muita anarquia, a infância está longe de ser uma idade inocente. Não é incomum achar violência, erotismo e agressividade debaixo das carinhas de anjo. Quando Bingo arrisca integrar esses ingredientes à fórmula, os índices de audiência disparam.
A esperteza da direção de Rezende, sustentada pelo roteiro de Luiz Bolognesi, fica evidente nesse modo de capturar a safadeza infantil. Vladimir Brichta, que sob a máscara de Bingo mostra ser mais do que um ator mediano, também brilha. Se incluirmos na conta o momento levanta-defunto da aparição de Emanuelle Araújo no papel de Gretchen, o filme passa fácil de "bom" a "muito bom".
Mesmo que escorregue nas partes em que prefere dar lições de moral, "Bingo" gruda muito mais pela ideia abusada de combinar o riso dos Trapalhões com o sabor de pecado da Boca do Lixo.
A vocação popular do cinema nacional agradece.
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