PARALISIA INFANTIL: RO é um dos Estados que tiveram a maior queda em vacinação no Brasil

Em meio à queda da cobertura vacinal e ao sucesso do discurso antivacina, pesquisadores alertam para o risco de o vírus, erradicado há quase 30 anos, voltar a fazer vítimas no País

PARALISIA INFANTIL: RO é um dos Estados que tiveram a maior queda em vacinação no Brasil

Foto: Divulgação

Receba todas as notícias gratuitamente no WhatsApp do Rondoniaovivo.com.​

Soraia Alvarenga tinha apenas sete meses quando contraiu o vírus da poliomielite, em 1969.
 
 
Meses antes da descoberta da doença, a mãe a levara ao médico em São Miguel (SP), e perguntou se deveria vaciná-la contra a pólio. O médico a desencorajou a vacinar, afirmando que, se vacinada, ela poderia desenvolver problemas neurológicos por ser uma prematura. 
 
 
Sem a vacina, Soraia desenvolveu o grau mais avançado da doença, o poliovírus selvagem, e teve paralisia infantil, o que comprometeu o movimento das pernas. Hoje, aos 59 anos, ela convive com a síndrome pós-pólio, que provoca a perda gradativa das funções musculares que tinham permanecido estabilizadas desde a recuperação da doença.
 
 
Quase três décadas depois da erradicação da pólio no Brasil – a marca foi reconhecida em 1994 pela OMS – epidemiologistas temem que a baixa vacinação das crianças traga o vírus e a paralisia infantil de volta.
 
 
Para mensurar a gravidade do problema, nove pesquisadores das universidades públicas do Ceará, Maranhão, Pernambuco, Santa Catarina e São Paulo mapearam o andamento da vacinação contra poliomielite no Brasil entre 2011 a 2021.
 
 
O estudo mostra que a cobertura vacinal contra a poliomielite atingiu o menor patamar em dez anos. 
 
 
Segundo a pesquisa, cedida com exclusividade a CartaCapital, nenhuma região do País ficou próxima de alcançar 100% de imunização no último ano — o extremo oposto ao observado em 2011. O gráfico abaixo, explicita a queda gradativa da aplicação das três doses da vacina contra a pólio. 
 
 
 
“A maior preocupação é a volta da paralisia infantil, por causa da reintrodução do vírus da poliomielite, que continua circulando em outros países e pode chegar até aqui”, afirma o editor-chefe da Revista Ciência & Saúde Coletiva, Antônio Augusto.
 
 
Neste ano, os Estados Unidos registraram seu primeiro caso de pólio desde 2013. Pela falta de vacinação, um jovem adulto ficou paralisado. Em fevereiro, o Malawi, país africano, declarou um surto de poliomielite selvagem — que não tinha registro há cinco anos.
 
 
Mesmo investindo em reforço nas campanhas de imunização nacional, o índice da população-alvo vacinada não alcançou os 90%, que é o mínimo recomendado pelo Ministério da Saúde para que exista a proteção coletiva.
 
 
“Há uma diminuição da percepção de que a poliomielite é um problema. Nós não vemos mais, faz muitos anos que as gerações não sabem, então parece que não existe mais o problema”, explica pesquisadora Maria Rita Donalisio, da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).
 
 
Soraia Alvarenga com os aparelhos, quando criança — Foto: Arquivo pessoal
 
 
‘E se eu não fosse deficiente?’
 
Durante o tratamento, Soraia lembra que a região começou uma intensa divulgação com carros de som alertando para a importância da vacinação. “E o bordão da campanha era: ‘Vacine seu filho, não tem contra indicação’. Pensa a bomba de Hiroshima caindo na minha casa”. Dona Antonia chorava com a filha, lamentando não ter tido esse conhecimento antes. 
 
 
“Olha aí, por causa de uma gotinha… E se eu não fosse deficiente?”, lamenta Soraia. Entre altos e baixos na recuperação, contudo, Soraia iniciou uma nova vida. Saiu do ramo administrativo, formou-se em Educação Física e se tornou atleta paralímpica de mesatenismo. 
 
 
Soraia Alvarenga no Campeonato Brasileiro de Tênis de Mesa de 2018, em Santa Catarina — Foto: Arquivo pessoal
 
 
Em 2009, ela fundou a Associação em Defesa da Inclusão e Paradesporto dos Portadores de Necessidades Especiais, a ADIPPNE, onde forma atletas paralímpicos para competições nacionais e internacionais de tênis de mesa. 
 
 
Há quatro anos, ficou no Top 20 entre os atletas no tênis de mesa, 1ª no ranking nacional e 1ª no Paulista e durante III Copa Brasil Sul Sudeste de Tênis de Mesa, Soraia ganhou duas medalhas de bronze da competição que reuniu aproximadamente 100 atletas paralímpicos.
 
 
Após perder a mãe para o Covid-19, no pico da pandemia, ela utilizou o espaço de sua casa para expandir sua atuação e criou a academia MoVida, que conta com uma piscina de três metros na garagem e um vestiário com banheiro adaptado.
 
 
Infância desprotegida 
 
Os estados que mais sofreram com a queda na imunização contra a poliomielite estão na região Norte e Nordeste. Roraima no topo, com baixa de -14,8%, Amapá com -14,3%, Rondônia com -12,1%, seguidos de Paraíba, Ceará e Acre, com quedas na casa dos 10%, segundo os dados do mapeamento das universidades públicas.
 
 
“Mesmo grupos que não aceitam vacinas, eles davam a vacina da pólio aos filhos. Entretanto, isso está mudando e a situação da vacinação tem nos preocupado. Os dados estão indicando queda generalizada, não somente da vacina contra a pólio”, diz a pesquisadora da Unicamp, Maria Rita Donalisio, ao explicar o contexto do risco de surtos de doenças já erradicadas no Brasil. 
 
 
“Existe pressão para a reintrodução do sarampo e da poliomielite no país. Nós não podemos deixar isso acontecer”, complementa. 
 
 
Entre os vírus mais conhecidos, o sarampo é considerado o mais transmissível de todos. Foi considerado eliminado em 2016, mas voltou a circular em 2018. Os dados da revista científica Fapesp mostram que entre fevereiro e julho daquele ano, 822 pessoas foram infectadas nas seguintes regiões: Amazonas (519), Roraima (272), Rio de Janeiro (14), Rio Grande do Sul (13), Pará (2), São Paulo (1) e Rondônia (1). 
 
 
Uma das principais complicações é a contração de infecções, por conta da baixa imunidade, na qual, o infectado pode adquirir outras doenças, como sinusite, otite, encefalite, pneumonia e também sequelas neurológicas.
 
 
Em um dos maiores picos vivenciados no Brasil, no ano de 1986 foram mais de 129 mil casos de sarampo notificados e na década de 70, por ano morreram mais 2,6 milhões de pessoas no mundo. 
 
 
Com os casos de poliomielite não foi diferente. Entre os anos de 1968 e 1989 o Brasil havia contabilizado mais de 26 mil casos da infecção, segundo números do Ministério da Saúde. 
 
 
A infecção, assim como o sarampo, é transmitida com facilidade e surge principalmente da falta de saneamento básico, contato direto com fezes ou com secreções de pessoas doentes com o vírus.
 
 
Ela pode ser assintomática ou se manifestar com febre, mal-estar, dor de cabeça, de garganta e no corpo, podendo gerar paralisia ou até mesmo meningite. 
 
 
O último caso de pólio do Brasil
 
Para Deivson Rodrigues, de 35 anos, a imunização o salvou das sequelas da poliomielite. Natural de Sousa, sertão da Paraíba, seu caso foi o último registrado da doença no Brasil. 
 
 
O ano era 1989 e ele tinha por volta de uma ano e meio quando apresentou os primeiros sintomas. Por orientação da pediatra da região, a mãe precisou se deslocar por 6 horas à capital, João Pessoa, para conseguir realizar os exames e ter um diagnóstico preciso. 
 
 
“Foi tudo pelo SUS, entre os exames e o diagnóstico demorou uns quatro dias”, relembra Devaneide. “Era uma sexta-feira da paixão quando chegamos”. A rápida atuação dos médicos garantiu o tratamento do caçula. Deivson e os outros três filhos precisaram se mudar para a casa de uma das irmãs em João Pessoa para continuar com a rotina médica — que duraria cerca de 6 meses. 
 
 
Deivson (o menor) e os irmãos — Foto: Reprodução/Instagram
 
 
Por conta da paralisia, ele perdeu completamente os movimentos. “Minha mobilidade ficou como a de um recém-nascido”, conta. Mas com apenas dois meses, começaram os avanços, Deivson voltou a engatinhar, com três, voltou a andar e com seis meses recuperou os demais movimentos e teve alta. 
 
 
“Eu ficava com medo dele não voltar a andar, o médico não tinha certeza”, diz Devaneide e atribui a conquista a completa imunização do filho. “Eu tenho para mim que se ele não tivesse tomado as três vacinas, quem sabe que ele não tava hoje assim, né? Sem nenhuma sequela”.
 
 
Ter a chance de voltar para a casa com o filho completamente recuperado foi um alívio duplo para ela, que na década de 70 perdeu o irmão para a mesma doença. “Nessa época não existia vacina, a gente morava na zona rural e ele morreu com sintomas muito parecidos, ficou sem andar”
 
 
Deivson e sua mãe — Foto: Arquivo
 
 
Desde então, Deivson se engajou no combate à doença, participando de campanhas e debates.
 
 
Em 2017, ele veio a São Paulo para participar do II Simpósio Internacional de Sobreviventes da Poliomielite, organizado pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO).
 
 
 
 
“Eu espero continuar sendo o último caso. A vacina foi fundamental na minha recuperação e na proteção. Eu agradeço bastante a Deus, a minha mãe, meus pais e a vacina”, afirma. Atualmente, Deivson é educador físico, personal trainer e tem um filho de dois anos. 
 
 
As perspectivas para a vacinação
 
Em Roraima, o estado brasileiro com a menor cobertura vacinal contra a pólio, com apenas 31% da população-alvo vacinada, o Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF) uniu 23 instituições do setor público, sociedade civil e organizações internacionais para alavancar o número de vacinados. 
 
 
Para Ana Spiassi, médica consultora de Saúde e Nutrição do UNICEF do estado, as ações de estímulo à vacinação demandam uma resposta integrada do poder público. “Nós temos desde sempre todas as entidades, todos os gestores públicos precisam dar suporte para as atividades de saúde. A resposta não pode ser só da saúde pública”, afirma.
 
 
No caso deste plano de enfrentamento, a estratégia da vacinação volante garantiu que outros espaços públicos de Roraima, como os tribunais de Justiça, tivessem estrutura para oferecer os imunizantes, além da melhoria na comunicação das campanhas para a população. 
 
 
A médica que atua diretamente em uma das fronteiras de Roraima, avalia que a diminuição gradativa também é consequência do negacionismo científico. “A queda da cobertura vacinal como um todo, é um problema internacional, o movimento antivac ganhou repercussão. É uma articulação ideológica contra o papel da vacina no cuidado em saúde pública“, comenta. 
 
 
O anticientificismo se fortaleceu no Brasil com a pandemia do Covid-19. A partir de teorias conspiratórias de que as vacinas seriam uma estratégia de controle populacional, viriam com chips ou até mesmo transformaria a população “em jacaré”, como dito em discursos anticiência do presidente Jair Bolsonaro (PL). 
 
 
A campanha de desinformação virou aliada para perpetuar uma situação de pânico e medo na população. “Antes, era só abrir a porta dos postos no sábado que lotava com filas e filas, as pessoas tinham isso como prática de saúde incorporada no seu cotidiano”, relata Spiassi. 
 
 
A Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP) e outras entidades médicas, já apontam o movimento antivacina como um dos responsáveis pelo retorno de doenças erradicadas, como o sarampo, por ter fragilizado a cobertura preventiva contra esses agentes. 
 
 
O mapeamento realizado pelos pesquisadores das universidades públicas também ressalta que a pandemia aumentou a lacuna vacinal. 
 
 
Em 2021, cerca de 25 milhões de crianças menores de 1 ano não tinham recebido o esquema básico de vacinação, o número mais elevado desde 2009. 
 
 
Além disso, caso o vírus circule, há a possibilidade de novas mutações. “É possível pelos intercâmbios de viagens, comerciais, transportes, [os vírus] podem sofrer uma mutação. Toda vez que tem uma intensa circulação de um vírus numa população suscetível ele pode sofrer mutações aleatoriamente”, aponta a pesquisadora Maria Rita Donalisio. 
 
 
A expectativa para que isso não aconteça, é o fortalecimento da gestão pública. Em 2022, o Ministério da Saúde teve corte de R$ 3,7 bilhões. 
 
 
Para 2023, o orçamento estipulado segue em queda. Somente em imunização pública, saiu de R$ 13,6 bilhões para R$ 8,6 bilhões. 
 
 
“Precisamos de investimento nos SUS, na sala de vacinas, em treinamento. É um desafio grande. A gente tem que ficar com muita esperança que essa seja uma prioridade do Ministério da Saúde a partir de 2023”, afirma Donalisio.  
Direito ao esquecimento

A política de comentários em notícias do site da Rondoniaovivo.com valoriza os assinantes do jornal, que podem fazer comentários sobre todos os temas em todos os links.

Caso você já seja nosso assinante Clique aqui para fazer o login, para que você possa comentar em qualquer conteúdo. Se ainda não é nosso assinante Clique aqui e faça sua assinatura agora!

Você é a favor do fim da escala 6x1?
Como você avalia o atendimento da Azul Linhas Aéreas em Rondônia?

* O resultado da enquete não tem caráter científico, é apenas uma pesquisa de opinião pública!

MAIS NOTÍCIAS

Por Editoria

PRIMEIRA PÁGINA

CLASSIFICADOS veja mais

EMPREGOS

PUBLICAÇÕES LEGAIS

DESTAQUES EMPRESARIAIS

EVENTOS